Marimar estava sentada à janela, imóvel, os olhos vagando entre as copas das árvores e o céu esmaecido, quando uma funcionária entrou no quarto — segurava um vestido azul longo e um colar de outro.
— O senhor pediu para que a senhora estivesse pronta às oito da noite — disse, ainda sorrindo, enquanto se aproximava devagar.
Marimar suspirou fundo, o peito subindo com um esforço quase doloroso. Olhou para a coisas nas mãos da mulher e murmurou:
— Pode me trazer um pedaço de bolo, Soraya? Só um pedaço.
___ Mas... tem estado tão triste ultimamente...
Marimar pareceu hesitar, mas respondeu com cuidado:
— Estou cansada, Cansada de tantas fachadas. Cansada de sorrir quando meu corpo não aguenta mais. Estou com dor no corpo inteiro, por causa da noite de ontem.
— Vá buscar o medicamento e preparo um banho demorado. Precisa de água quente e um pouco de cuidado..
Ela voltou o olhar para a vidraça, onde gotas tímidas começavam a surgir. O vidro estava limpo, mas ela jurava que havia cheiro de espinhos no ar. Tudo nela era um acúmulo de cansaço, como se o tempo tivesse se agarrado à sua pele e recusasse a soltá-la.
— Às vezes penso que seria melhor morrer.. — disse com voz rouca, como se falasse para si mesma —Eu preferia morar em um trailler, ou numa casinha simples nas serras, com uma horta e um fogão a lenha, com um monte de filhos, nunca romantizei a pobreza Soraya, sei que a pobreza doi e a fome mais ainda, mas nesse momento, eu preferia uma geladeira vazia, só desejaria saúde para trabalhar, não queria ser a mulher dele, não queria.
Soraya se aproximou um pouco mais, a voz trêmula:
— A senhora não merece isso, Mar... — usou o apelido como quem pedia permissão para sentir — acho que é boa demais, e isso... isso machuca. Sinto muito por tudo. Eu... eu vou buscar o remédio e preparar o banho. Volto logo.
E saiu, deixando a porta entreaberta, como se soubesse que o quarto precisava respirar.
Quando o banho ficou pronto, com a água quente enchendo a banheira devagar e o vapor suavizando o frio cortante que vinha da alma, Marimar não entrou imediatamente. Em vez disso, caminhou até a pequena mesa onde Soraya havia deixado o pedaço de bolo — um quadrado úmido, coberto por raspas finas de chocolate e um toque de canela.
Se despiu e se sentou dentro da própria banheira. Levou o garfo à boca, mastigou devagar. Mas o bolo, apesar do esforço de Soraya, tinha gosto de dor e de lágrimas. Era como engolir lembranças, como mastigar silêncio. Sentiu o nó na garganta subir e umedecer os olhos antes mesmo de perceber.
A primeira lágrima caiu sem aviso. Depois, outra. E mais uma. Só se deu conta de que chorava quando a visão ficou turva e o ar ficou pesado demais para ser apenas o vapor da água. Secou as lágrimas com o dorso da mão, bruscamente, como quem apaga um erro antes que alguém veja.
Não podia chorar. Não podia permitir que os olhos ficassem vermelhos, que as pálpebras inchassem. Cesáreo não gostava. Não queria ver marcas de choro no rosto dela, como se o sofrimento desfigurasse o que ele havia moldado.
Nos últimos dias, ela ainda estava sob vigilância — como uma relíquia prestes a ruir, mas que precisava se manter em pé. Porque o irmão dele havia sumido, e a suspeita pairava como uma sombra. Cesáreo tinha certeza de que o irmão estava morto. E essa certeza o deixava inquieto, vulnerável de um jeito que poucos já tinham presenciado.
E era aí que residia a sutil e perigosa satisfação de Marimar: Ver Cesáreo com medo, ver a máscara dele trincada. Ver a preocupação escorrendo pelas bordas da sua altivez. Era como um alívio c***l — não porque desejasse m.al a ninguém, mas porque, pela primeira vez, não era só ela quem vivia com o coração esmagado todos os dias e ele merecia aquele sofrimento.
Marimar então mergulhou na banheira como quem entra num ritual. O bolo pela metade, o garfo abandonado, o rosto limpo de lágrimas. O vapor subia, e o silêncio agora tinha gosto de água quente e amargura e ódio por Cesáreo.
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Barden colocou a filha na cama com o cuidado de sempre. Cobriu-a com o lençol leve, ajeitou o travesseiro debaixo da cabeça pequena, depois se deitou ao lado, os olhos fixos no teto escuro, esperando que ela adormecesse. Mas Citlali, inquieta, ainda tinha energia de sobra..
— Citlali, deite-se — murmurou ele, com voz firme, sem raiva, mas sem espaço para negociação.
— Mas, papai…
— Eu estou falando sério. Ainda tenho trabalho.
___ Mas já trabalhou..
__ Mas tenho trabalho , coisas que não posso falar na sua frente..
__ Mas sou a sua melhor amiga papai, por que não pode falar na frente de Citlali?
Ele beijou a cabeça dela.
__ São coisas muito f£ias e crianças não podem ouvir, só quando for adulta, vá dormir sem reclamar..
Ela suspirou, virou de lado, resmungou qualquer coisa que ele não entendeu, e então se acomodou. Disse um “tá bem, tá bem… papai” e por fim fechou os olhos. Mesmo assim, ainda se mexeu um pouco, virou, puxou o lençol para cima do rosto e o jogou para baixo de novo antes de finalmente adormecer.
Quando Barden percebeu que a respiração da filha se tornara mais lenta, mas algo mais apertava o peito — uma sensação que ele não soube nomear.
Pegou o telefone, saiu do quarto com passos silenciosos e ligou para a irmã. Ela atendeu rápido, conversaram. Todos estavam bem, nada fora do lugar. Então por que aquilo dentro dele parecia errado? Por que aquela angústia pairava como fumaça densa, sem fogo aparente?
Desligou. Balançou a cabeça tentando espantar o sentimento. Fez outra ligação e deu algumas ordens rápidas a Akil, foi se deitar..
mas o sono não veio, fou fumar um cigarro de maconha no jardim,fumava rapidamente, para que a filha não o pegasse fumando maconha, mas a maconha tinha sido o alivio das dores durante a recuperação dele.