Era cedo.
Barden estava no escritório, concentrado, olhos fixos nas anotações, telas abertas, papéis espalhados. Um café, já esquecido, esfriava ao lado.Na outra ala da casa, Citlali fazia aula com a professora particular,a menina não tinha gostado da ideia, mas era necessário, Barden não sabia ensinar — e, enquanto ela estudava, ele resolvia o que precisava ser resolvido.
Ikal apareceu na porta.
— Cesáreo viaja em duas horas,, chefe. Vai até a fazenda da família de Emiliano, Emiliano está se escondendo da polícia.. Eu paro os dois?
Barden não desviou o olhar dos papéis.
— Deixe ele ir. Manda alguém seguir, discretamente, sem interferência. Só rastreamento.Mas... quero Mar aqui. Dá ordem pra buscar ela, mande três sentinelas.
Ikal hesitou, cruzou os braços. A garganta se moveu antes da voz sair. Ele não era partidário de machucar mulher, nunca tinha sido. Queria abrir os olhos do chefe, mesmo sabendo o risco.
— Chefe... e a mulher dele?
Barden ergueu os olhos, devagar.
— O que tem ela?
— Só tô dizendo... talvez ela não seja tão rui.m assim. É mulher, chefe. E mulher, muitas vezes, não tem opção. A gente podia deixar ela em paz, não vale a pena se colocar contra uma mulher.Se vingue dos homens — de Cesáreo, de Emiliano, dos aliados dele — mas Marimar é mulher, chefe. E ela... já deve ter sofrido muito.
Silêncio.
— Chefe...
Barden se levantou. Puxou o casaco com calma. O olhar dele, agora fixo, cortava como gelo.
— Vai desobedecer minha ordem, Ikal?
— Não, senhor. Só acho que...
— Então não ache.
A voz cortou o ar. Seca, certeira, afiada como lâmina.Barden se aproximou. Parou frente a frente com ele. Firme, sem elevar o tom:
— Vai cuidar da sua mulher, Ikal. E para de ter dó da mulher de Cesáreo.Ou, então... sinta pena da minha filha, do medo que ela passou, me vendo ser queimado e torturado, no calor do deserto.Sinta pena do que Cesáreo queria que eu fizesse com ela.Mas não me fale de Marimar Pérez.
Ikal tentou mais uma vez. Não tinha medo de Barden. Eram feitos da mesma matéria.
— Talvez seja só uma mulher...
___ mas eu não me importo.
Barden fechou os olhos por um instante. A mandíbula travada. O peito, pesado.
A voz saiu rouca, carregada de lembrança, e fúria:
— Mas ela não é só uma mulher.Ela é a mulher de Cesáreo.
Deu um passo. Encostou a mão na parede. A outra, fechada em punho.
— Quando quiseram me destruir... usaram minha filha.Eu ouvi o choro da Citlali.Eu recebi uma imagem dela... quase nua, mandada por ele, como um aviso.
O rosto endureceu. As veias no pescoço latejavam.
— Não me venha pedir compaixão pela mulher dele.Ela vai pagar, a dama perfeita vai cair do pedestal.
Deu um soco seco na lateral da mesa.
— Vá Ikal…
Ikal saiu, e Barden tentou voltar ao trabalho, mas não conseguiu se concentrar. A cabeça voltava sempre ao mesmo ponto, e os papéis diante dele já não faziam sentido.Levantou-se e foi até o corredor. Sem ser visto, ficou observando a aula de Citlali pela fresta da porta entreaberta.
Não gostou do que viu.
A professora parecia sem pulso. Falava baixo demais, hesitava nas correções, e Citlali... fazia o que queria. Ria, distraía-se com lápis e rabiscos, e a mulher sequer impunha autoridade.Para educar Citlali, pensou, era preciso pulso firme... e para lecionar também.
Saiu para correr no entorno da propriedade, deixando o corpo gastar a energia que a mente não conseguia conter,depois foi se exercitar na academia.
Na hora do almoço, voltou para casa e se sentou à mesa com a filha.
— Gostou da aula, Citlali?
— Não, papai.
— Por quê?
— Porque achei a professora bo.ba.
— Citlali, não se fala assim de professora. Precisa ter respeito.
— Mas ela não parece saber muita coisa, papai...
Barden respirou fundo.
— Mesmo assim, precisa ter respeito. Entendido?
— Entendi
__ Quer nadar um pouco?
__ Quero sim
— Então termina o almoço, faça seu dever de casa e durma um pouco. Depois te acordo, e nadamos um pouco na piscina. Mas nada de gritar, entendeu?
— Tá bom, papai..
Citlali terminou o prato, limpou a boca e foi sozinha fazer a tarefa. Não precisou de ajuda.Quando acabou, mas nova babá surgiu. Tentou convencer Citlali a dormir na cama.
— Vamos deitar na cama, Citlali? O sofá não é lugar de menina dormir. Vamos?
— Mas eu quero ficar aqui, perto do papai... A noite durmo na minha cama.
__ Não, não, vamos para cama..
Mas o cochilo da tarde era feito ali, e Citlali sabia disso, Barden interviu..
— Pode deixar ela dormir aqui. Não trabalho mais hoje, está dispensada. Volte amanhã.
A mulher partiu em silêncio, sem discutir. Mas Barden sabia: aquela também não duraria muito.Ele se sentou ao lado da filha, cobriu-a com uma manta leve e ficou ali, em silêncio.A cabeça ainda cheia de guerra, vingança, dor, Mar chegaria logo..