Anne
Angelica, Deborah e Marjorie encaram Alfonsina, enquanto ela toma goles do chocolate quente. Emprestei minha pantufa para aquecer os pés dela, mas ficaram um pouco apertados, ela é uma garota bem grande.
Depois das apresentações, Alfonsina explicou que estava andando pelas redondezas quando se perdeu e foi assaltada. Ela disse que andou alguns quarteirões até se sentar no banco em frente à nossa casa.
- E então de onde você veio? - Deborah pergunta.
- Eu vim de... Overland, no Kansas. Infelizmente não é uma cidade que tem muitas coisas a fazer. Conversei com meus pais e eles acharam uma boa ideia eu me mudar para cá. Estava pensando de ficar aqui, me adaptar a cidade e iniciar meus estudos na UW em Agosto. Mas agora que me roubaram, não sei se meus pais me deixarão ficar aqui, são super protetores demais. - ela deu de ombros.
- Poxa, você foi esperta de chegar à cidade meses antes das aulas começarem, eu e Angelica chegamos aqui uma semana antes e foi difícil nos adaptar, lembra? - Marjorie encara Angelica.
- Sim... Eu espero que você fique aqui e se entrar na UW, pode morar aqui com a gente. - sorrio.
- Aqui com vocês? - Alfonsina arregala os olhos.
- Sim, você poderia tentar a fraternidade da Casa das Populares, mas acho que não conseguiria ser aprovada. - Deborah responde.
- Por quê? - ela pergunta.
- Digamos que elas procuram barbies e não garotas de verdade como nós. - respondo. - Meninas tá tarde e precisamos dormir. Alfonsina você pode dormir no meu quarto essa noite.
- No seu quarto? - ela me encara como se estranhasse a ideia.
- O quarto dela é o maior, digamos que ela é a nossa Amber Winters. - Angelica pisca.
- Não sou nada.
- Quem é Amber Winters? - Alfonsina pergunta, meio perdida.
- A líder da Casa das Populares, então digamos que a Anne é a nossa Amber, a nossa líder. - Angelica explica.
- Eu não sou líder coisa nenhuma, eu apenas tive a ideia de reformar essa casa e transformá-la numa república que possa acolher garotas que realmente precisam. Como você que acabou de se mudar pra cá e não está mais morando com seus pais, poderia ficar aqui. - explico.
- Entendi!
- Você fica na minha cama essa noite e eu durmo no sofá cama.
- Mas a visita sou eu, eu vou roubar o seu lugar, isso tá certo? - Alfonsina encara as outras meninas.
- Ela é assim mesmo. - Deborah sorri.
- Você é grande não vai caber no sofá cama e é uma visita. Já basta você ter sido assaltada hoje, você dorme na minha cama, tá decidido. Marjorie você pode emprestar alguma roupa pra Alfonsina dormir? De todas você é a maior da casa.
- É pra já! - Marjorie sorri e vai pro seu quarto.
Alfonso
Me sinto mais aquecido depois do chocolate quente. Achei todas as meninas legais, são completamente diferentes das com quem estou acostumado a conviver. Fico sentado no sofá da sala, Deborah e Angelica me fazem companhia. Achei as duas bonitas, mas não me lembro de tê-las visto no campus, talvez porque eu só converso com maria-patins e elas não são dessas. Anne volta com uma troca de roupa e sorri pra mim.
- Vem comigo Alfonsina.
- Com licença meninas, boa noite. - me levanto um tanto sem jeito. É a primeira vez que fico sem graça perto de garotas, mas tenho medo de há qualquer momento ser descoberto.
Entro no quarto de Anne e reparo que é grande, não tão grande como o meu quarto, mas tem um banheiro adjacente. O quarto é pintado de rosa pálido e lilás bem claro. A cama de solteiro tem lençóis brancos e uma coruja de pelúcia. Ao lado esquerdo da cama, um criado mudo de madeira com um livro e uma luminária em formato de telefone. E do lado direito uma pequena estante cheia de livros. Tirando títulos como Harry Potter, série Divergente e Os Instrumentos Mortais percebo que a maioria é romance e tem até literatura inglesa e britânica no meio. Minha mãe ia curtir essa estante bem eclética.
- Meus pequenos tesouros. - Anne sorri e aponta a estante ao ver que estou olhando pra ela.
- Legal, minha mãe é professora de Literatura. Numa escola. Ia adorar sua estante. - sorrio.
- É mesmo, acho que ia gostar de conhecer sua mãe. - Anne sorri.
“Na verdade você já conhece, porque ela é sua professora, mas você não pode saber disso”, penso.
- Também acho que ela ia gostar de te conhecer. - sorrio.
- Bom o banheiro é logo ali, fique à vontade para se trocar. Eu vou ajeitar as camas pra gente enquanto isso. - Anne sorri.
Aceno com a cabeça e troco de roupa, é um alívio arrancar aquele vestido úmido e grudento. Penso em tomar banho, mas perco a coragem, com medo de alguém me pegar no flagra. Então só troco de roupa. Quando saio do quarto, Anne já está deitada no sofá de canto que virou um sofá cama, meu lado cavalheiro se sente m*l em ver ela dormindo ali, enquanto fico no bem-bom.
- Tem certeza que quer ficar ai?
- Tenho, está confortável não se preocupe. Posso apagar a luz?
Aceno com a cabeça e quando o quarto fica escuro, fico em silêncio. Às escondidas, pego o celular e mando uma mensagem para Christian.
Eu: tem chance dessa peruca sair da minha cabeça enquanto eu durmo?
A resposta não demora a chegar.
Chris: não, onde você tá?
Eu: arrumei um lugar, amanhã te explico, boa noite.
Chris: Boa noite.
Quando reparo que Anahí dormiu vou até o banheiro e tiro as lentes de contato. Escondo a caixinha, embaixo do travesseiro e envolto em um perfume doce, adormeço.
Acordo na manhã seguinte e levo um segundo pra me dar conta de onde estou e do que rolou na noite passada. Parando pra pensar agora, parece que a coisa toda foi um pesadelo, mas olho pro teto e apesar de querer que fosse um pesadelo, sei que não to sonhando.
Levanto da cama e quando me encaro no espelho do banheiro chego a tomar um susto. A peruca virou um ninho de fios, a maquiagem está borrada e sem as lentes parece uma mistura de mim mesmo com a garota que inventei ontem à noite.
Antes que Anne entre, pego as lentes de contato e as coloco. Ajeito o cabelo da peruca, do melhor forma que consigo e saiu do quarto. Ouço uma música de fundo, espera aí, conheço essa música! É de uma das minhas bandas preferidas, se chama Life After You e é do Daughtry.
Quando chego na cozinha, vejo Anne lavando a louça do café. O celular está em cima da pia, é dele que vem a música e ela está tão distraída que nem repara que estou olhando pra ela.
Quando ela pega o detergente e começa a cantar o refrão da música, acabo rindo.
- All that I'm after is a life full of laughter. As long as I'm laughing with you. I'm thinkin' that all that still matters is love ever after. After the life we've been through… 'Cause I know there's no life after you! (Tudo o que eu estou atrás é de uma vida cheia de risos. Contanto que eu esteja rindo contigo. Estou pensando que tudo o que ainda importa é o amor para sempre. Após a vida que vivemos... Porque eu sei que não há vida depois de você!) - Nã... Nã, nã, nã!
Ela faz caras e bocas e joga o corpo de um lado pro outro na parte instrumental, tenho que admitir que ela tem uma voz bonita que me faz desejar ficar ali espiando-a. Anne joga o detergente na esponja e o deixa no suporte. Enquanto esfrega os pratos, vai cantando a segunda parte da música.
- Last time we talked, the night that I walked. Burns like an iron in the back of my mind. I must've been high to say you and I weren't meant to be and just wasting my time. Oh, why did I ever doubt you? You know I would die here without you! (A última vez que conversamos, na noite em que eu andei. Queima como um ferro no fundo da minha mente. Eu deveria estar bêbado para dizer que você e eu não fomos feitos um para o outro e só estou perdendo o meu tempo. Oh, porque eu duvidei de você? Você sabe que eu morreria sem você aqui) - ela aumenta o tom de voz junto com a música e não desafina, estou impressionado.
- All that I'm after is a life full of laughter. As long as I'm laughing with you. I'm thinkin' that all that still matters is love ever after. After the life we've been through… 'Cause I know there's no life after you! (Tudo o que eu estou atrás é de uma vida cheia de risos. Contanto que eu esteja rindo contigo. Estou pensando que tudo o que ainda importa é o amor para sempre. Após a vida que vivemos... Porque eu sei que não há vida depois de você!)
You and I, right or wrong, there's no other one. After this time I spent alone, it's hard to believe that a man with sight could be so blind. Thinkin' 'bout the better times, must've been outta my mind. So I'm runnin' back to tell you! (Você e eu, certo ou errado, não há nenhuma outra. Após este tempo que passei sozinho, é difícil acreditar que um homem com visão poderia ser tão cego. Pensando em tempos melhores, saindo da minha mente. Então, eu estou correndo de volta para dizer!)
All that I'm after is a life full of laughter. As long as I'm laughing with you. I'm thinkin' that all that still matters is love ever after. After the life we've been through… 'Cause I know there's no life after you! (Tudo o que eu estou atrás é de uma vida cheia de risos. Contanto que eu esteja rindo contigo. Estou pensando que tudo o que ainda importa é o amor para sempre. Após a vida que vivemos... Porque eu sei que não há vida depois de você!)
Saio de trás da porta e me aproximo enquanto ela vai repetindo o refrão final.
- Know there's no life after you! (Eu sei que não há vida depois de você!) Know ther, Alfonsina! - ela dá um pulo quando se vira e me vê, e coloca a mão no coração. - Há quanto tempo está aqui?
- Cheguei e você estava no refrão da música. - respondo quase esquecendo de afinar a voz.
- Que vergonha! - ela ri e cobre o rosto. - Acordei você?
- Não, fique tranquila. - sorrio.
- Desculpe por isso, é minha vez de lavar a louça do café e gosto de fazer tarefas domésticas ouvindo música. - ela dá de ombros.
- Vocês não tem uma emprega? - sento na cadeira.
- Não, a faculdade quase não cobre os gastos com a república, em hipótese alguma pagariam uma emprega e eu e as meninas nos revezamos, então economizamos uma grana sem empregada ou diarista.
- Não sabia que a faculdade era quem financiava sua república.
- Aqui não é como a casa dos populares ou a república dos jogadores de hóquei que são praticamente mansões, mas o diretor deu uma reformada na casa e paga custos de aluguel, luz e água. Sem isso as meninas que moram aqui comigo, não teriam pra onde ir. Angelica e Marjorie são de outra cidade, se não fosse essa casa não conseguiriam estudar na UW. Nenhuma das duas tem grana pra pagar aluguel e tudo mais em outro lugar perto daqui. Só lamento essa casa ser pequena, se fosse uma mansão com 20 quartos como a Casa das Populares, poderia abrigar outras meninas. - Anne dá de ombros.
- Entendo... Quando estava pesquisando sobre a UW, vi que eles tem um time de hóquei. Aposto que os garotos são bonitos. - sorrio, tentando sondá-la. Tenho que aproveitar a chance e descobrir o que essa garota pensa de mim, pro caso dela descobrir quem eu sou.
- É, bonitos e músculos eles até têm, é uma pena que sejam todos sem cérebro. - Anne revira os olhos. - Acho que o pior deles ou um dos piores é o capitão do time, Poncho Hernandez .
- Jura? - tento acobertar meu espanto, enquanto confirmo o que já desconfiava, Anne me detesta.
- Uhum! - Anne se aproxima e senta na cadeira ao meu lado. - Você vai saber quem é ele assim que bater os olhos nele quando entrar na UW. É um i****a egocêntrico que se acha o centro do mundo e gosta de tratar as pessoas como lixo, ele e o bando de idiotas que andam com ele.
- Que horror!
- Infelizmente a UW é cheia de babacas riquinhos que por ter dinheiro se acham os melhores. Amber Winters e Poncho Hernandez lideram a lista, não é à toa que ficaram juntos no ano passado, acho que terminaram porque não aguentaram a competição pra ver quem tinha o maior ego. - ela ri e forço um sorriso, não to gostando nada do jeito como está falando de mim.
Pra começo de conversa Amber e eu nunca namoramos, então não terminamos nada, porque não tivemos nada. A gente só transou algumas vezes e quando ela começou a querer mandar em mim, dei um passa fora nela.
- Mas quer saber? Eu tenho pena desses caras, mais ainda do Hernandez.
- Ah é, por quê? - estranho. Primeiro ela me esnoba e agora fala que tem pena de mim, qual é a dela?
- Esses caras vivem num mundo de aparência e são superficiais. Tão superficiais que bastou o Hernandez ser acusado de roubo que todo mundo virou as costas pro cara, fiquei sabendo até que expulsaram ele do time e da república dele.
- Nossa! Que chato isso. - tento responder com o máximo de indiferença.
- Pois é, ai te pergunto. Onde estavam os amigos dele nesse momento? - me faço a mesma pergunta. - Todo mundo bajulava ele, mas foi só o Hernandez ser acusado de roubo que viraram as costas pra ele, nem mesmo o Kristopher, que se dizia melhor amigo dele, o defendeu. Por isso eu digo que são todos falsos, e tenho pena do Poncho porque ele descobriu do pior jeito que não tem amigos.
- Nossa! - suspiro e apesar de não querer, percebo que Anne está certa. Nunca tive amigos de verdade.
- Eu não sei o que foi que aconteceu, parece que acharam o dinheiro dentro do armário dele, mas sinceramente isso ta com cara de que foi armado.
- Como assim? - a encaro, interessado.
- Alfonso pode ser um i****a egocêntrico, mas todo mundo sabe como ele ama jogar hóquei, é uma paixão que vem de família, por mais que o pai dele tenha deixado ele sem grana, eu não acho que ele ia trair o time daquele jeito. Caras assim tem um tipo de código de honra entre eles. Eu acho muito mais provável alguém ter armado pra cima dele. - ela diz e percebo que tem lógica. - Poncho entrou ano passado na faculdade e já virou o capitão do time, ele provou que é bom, que não ta jogando só porque o pai é o treinador. Pra mim é óbvio que tem alguém ali no meio que tem inveja dele e armou isso pra ele ser expulso. - ela dá de ombros ao terminar de falar.
A princípio fico quieto digerindo as coisas que ela falou, por mais que eu tenha ficado ofendido por ela me chamar de i****a egocêntrico, percebo que ela é a primeira pessoa a dizer que acredita em mim. Justo a garota que sempre me odiou, foi a primeira a acreditar na minha inocência e ver a coisa toda por um ângulo que nem eu tinha pensado. Será que um dos meus amigos é um traidor e fez tudo isso pra roubar meu lugar?
- Nossa perdi a noção da hora, preciso ir pra faculdade. - ela se levanta. - Não sei se você viu, mas sua roupa foi lavada e passada e tá em cima da minha cama. Acho que eu e as meninas não temos nada do seu tamanho, então pode por sua roupa de novo que tá limpa. Você sabe o que vai fazer agora?
- Acho que vou a delegacia, vou ver se recupero minhas malas ou o dinheiro.
- Quer companhia? To livre depois do almoço.
- Não precisa eu vou agora de manhã. Muito obrigada pela sua ajuda. - sorrio.
- Você tem onde ficar? A gente tem o quartinho onde guardamos uns livros e umas porcarias, a gente pode dar uma limpada nele, compramos uma cama usada e você pode ficar aqui com a gente. Pelo menos se entrar mesmo na UW você ta perto do campus. - sorri.
- Eu vou pensar, obrigada. - sorrio.
- Bom eu preciso ir agora, não temos nada de valor, então acho que tudo bem deixar você sozinha uns minutos. - Anne sorri. - Quando você sair, pode trancar a porta e deixar a chave embaixo do vaso?
- Claro!
- Se você não for ficar, passa aqui pra se despedir da gente tá? Achei você legal! - ela sorri.
Aceno com a cabeça e Anne dá as costas e sai da cozinha. Então ela me acha legal vestido de mulher, mas um i****a vestido de homem.
Que interessante!
- Ah fica à vontade pra tomar café da manhã se quiser. - ela sorri, antes de sair.
Sorrio e como não tenho quase nenhum dinheiro, aceito sua oferta.
Depois de sair da republica, seguindo as instruções de Anne, sou obrigado a pegar um ônibus. É a primeira vez que ando em um e apesar de não estar cheio é um inferno andar nessa lata de sardinha tamanho GG, com todo mundo olhando torto pra você e alguns moleques rindo da sua cara. Não vejo a hora de me livrar dessa fantasia ridícula, nunca mais vou voltar a me vestir de mulher.
- Você fez o que? - Chris me olha boquiaberto depois que chego na casa dele e explico como foi minha noite. - Eu dava tudo pra ter ver sendo humilhado e se passando por mulher pra Anne.
- Hahaha, que engraçado você! - ironizo, arranco a peruca e as roupas com raiva.
- Vem cá, a Anne não te reconheceu?
- Não! - tiro as lentes de contato e pego uma toalha pra tirar o resto da maquiagem.
- Ela não perguntou seu nome?
- Perguntou, mas eu inventei um.
- Que nome você deu? - pelo espelho vejo que ele me olha com curiosidade.
- Alfonsina!
Christian começa a rir e olho de cara f**a pra ele, enquanto abro uma das malas que deixei na casa dele e começo a me vestir. Como é bom usar minhas roupas, roupas de homem de novo.
- Que c*****o de nome foi esse? Tudo bem que todo mundo na faculdade só te chama de Poncho, mas e se a Anne associasse Alfonsina com Alfonso? - ele pergunta rindo.
- Estaria ferrado, mas o que importa é que ela não desconfiou e agora essa loucura de me passar por mulher acabou, pode ficar com suas roupas. Alfonsina vai sumir no mapa.
- E como você vai provar sua inocência?
- Não sei, vou dar meu jeito. - respondo.
Junto minhas malas e percebo que está faltando coisa.
- Cadê o resto das minhas roupas?
- Bom cara eu te emprestei uma grana alta ontem, fiz seu figurino, então... Peguei algumas pra mim em troca da sua dívida? - ele dá de ombros.
- O que? Você pegou minhas roupas de marca? Pode devolver tudo agora mesmo!
- Você tem como pagar o dinheiro que tá me devendo? - Chris cruza os braços e me olha com ironia.
- Não! - odeio ter que assumir isso.
- Então eu fico com elas, não foram muitas peças, eu garanto. Se quiser suas roupas de volta, eu devolvo, mas a sua foto ainda tá no meu celular e....
- Tudo bem já entendi, pode fica com elas. Eu vou nessa, valeu ai pela ajuda, apesar de você ter me roubado. - olho de cara f**a pra ele.
- Eu não roubei de ninguém Alfonsina.
Mostro o dedo do meio pra ele e saio do seu quarto. Chris me acompanha e abre a porta pra mim.
- Não esquece o que me prometeu hein?
- Pode deixar, os caras não vão mexer com você e assim que eu voltar a ser capitão, você vai fazer seu teste. - respondo.
- Beleza! - ele acena e eu vou embora.
Chego na faculdade, após outra viagem de ônibus, dessa vez mais tranquila e sem olhadas. Estranho o comportamento dos alunos. As pessoas passam por mim e viram a cara ou simplesmente me ignoram. Ninguém sorri pra mim, ninguém me cumprimenta, nem mesmo as marias-patins acenam e se insinuam pra mim, tudo que elas fazem ao me ver e cochichar e me olhar torto. Que m***a, bastou ser acusado de roubo pra todo mundo me virar as costas.
Ou talvez não, me dou conta quando vejo Anne descendo as escadas que dão no corredor onde estou. Antes que eu possa fazer algo, vejo meus amigos, ou seriam ex-amigos, vestidos com as jaquetas do time. Eles descem a escada correndo e vejo Ethan esbarrar em Anne de propósito. Suspiro enquanto eles dão risada e entram no outro corredor sem nem me ver.
Tenho uma ideia e vou correndo ao encontro à ela. Talvez ajudando-a com os livros, crie uma boa impressão com ela.
- Você quer ajuda? - me ajoelho ao seu lado e começo a juntar seus livros e cadernos.
Anne me encara como se eu tivesse três cabeças.
- Você tá bem?
- Eu to sim e você? - sorrio querendo sem simpático com a única pessoa no campus que apesar de me achar um i****a egocêntrico, acredita na minha inocência.
- Também, mas o que deu em você Hernandez?
- Bom eu vi que derrubaram seus livros e quis te ajudar, qual o problema? - sorrio e ficamos de pé.
- Não teria nenhum problema se você não fosse do grupinho que sempre se divertiu vendo meu material indo pro chão, sem falar que estudamos juntos há um ano e é a primeira vez que você fala comigo. Tirando episódios como anteontem onde você disse: “cuidado ai”, logo depois do seu grupo esbarrar em mim, como agora. Ta lembrado? - ela me olha com ironia.
- É eu lembro e peço desculpas pelo meu comportamento e dos meus amigos. - suspiro. - Anne acho que começamos com o pé errado, o que acha de sairmos hoje à noite pra nos conhecermos melhor? - dou aquele sorriso que deixa as meninas caidinhas aos meus pés.
Anne começa a dar risada e não consigo evitar de reparar que ela tem uma risada gostosa, não um risinho esganiçado e falso como as outras garotas que eu conheço.
- De jeito nenhum! - ela fica séria e me dá as costas.
Estou tão surpreso que levo um segundo pra reagir.
- Por que não? - vou atrás dela.
- Olha eu acho que você bateu a cabeça e perdeu a memória ou o lance da sua expulsão dupla mexeu com você, mas eu vou te sintonizar. Você é um popular e eu não. Você gosta de garotas s*******o que aceitem t*****r com você no primeiro encontro e definitivamente eu não sou dessas. E por último eu prefiro ver minha coleção de livros pegar fogo a sair com você.
- Credo! Alguém já falou que a sua sinceridade chega a ser c***l, às vezes? - ela conseguiu em poucas palavras, destruir meu ego e ainda sapateou em cima dele.
- Não vamos comparar quem é o mais c***l aqui ok? Não sei o que deu em você pra vir falar comigo. Se o seu problema é falta de s**o e agora que está por baixo me escolheu, porque me achou bonitinha e suas marias-patins não te querem mais, você ta perdendo seu tempo.
- Anne....
- Agora se me der licença eu tenho uma aula pra assistir. - ela sorri com ironia e vai embora.
Fico ali sozinho, me sentindo um lixo pela segunda vez em menos de 24 horas. Quando foi que Deus resolveu me expulsar do paraíso, sem nem me dar um aviso prévio?
Odeio ter que dizer isso, mas acho que vou precisar voltar à casa do Chris, pegar umas roupas emprestadas e me vestir de mulher de novo. Vou aceitar o convite de Anne e ter uma conversinha com ela como Alfonsina.
Preciso descobrir um jeito de me aproximar dessa garota, ficar amigo dela e descobrir alguma forma de fazê-la topar me ajudar. Tenho que provar minha inocência.
Anne
Depois do almoço, estou sozinha na república, fazendo um dos trabalhos da faculdade. Quando batem na porta, não faço ideia de quem seja, mas sorrio quando a abro e dou de cara com ela.
- Alfonsina?
- Oi! Conversei com meus pais, fui na delegacia e recuperei alguns pertences. - ela aponta as malas. - Eles deixaram eu ficar aqui e ficaram super felizes quando eu disse que já tinha onde ficar. Isso se a sua proposta ainda estiver de pé. - ela dá de ombros.
- É claro que está de bem, entre e seja bem-vinda! - dou um passo pro lado.
Alfonsina sorri e entra na república que acabou de virar sua casa, ou melhor nossa casa