Pré-visualização gratuita Prólogo (Futuro) - Fim da linha
***Futuro***
Camila corria pelo corredor, os pulmões ardiam com o esforço e a arma presa ao cós da sua calça era um peso constante, um lembrete de onde estava agora.
Seu rosto havia sido anunciado nos jornais, bem, não o seu rosto, mas algo que a representava, não que a imagem fosse muito semelhante à sua aparência real. E a melhor parte era a manchete que a acompanhava: "De filha da justiça à amante do pecado: entenda como Camila de Castro Garcia, filha do casal de policiais mais famoso do estado, se tornou a primeira-dama da comunidade mais perigosa da região."
Aquela manchete ferrava a sua vida de tantas formas diferentes que ela nem sequer conseguia enumerar. E em parte era pela maldita manchete que estava ali, correndo para se salvar de tantos perseguidores que deixavam claro como as chances de sair dali viva eram quase nulas.
Ela estava irremediavelmente ferrada.
No entanto, o mais estranho naquilo era não se arrepender. Não se arrependia de ter chegado onde chegou. Não se arrependia de ter mudado o seu status de garota de ouro à amante do pecado. Não se arrependia de ter vivido os últimos meses da forma mais intensa que já experimentara na vida. E, acima de tudo, não se arrependia de ter passado por tudo isso para ficar com ele.
As pessoas viam a sua história de maneiras diferentes agora. Para a sociedade em geral, ela era a garota mimada e ingrata que deixou para trás a família perfeita e foi viver um romance com o maior tr4ficante do estado. Para a comunidade onde passara os últimos meses, ela era a fiel do dono do morro e merecia respeito. Para os policiais da força tática que auxiliavam o seu pai, ela era o seu maior trunfo contra um tr4ficante que eles queriam pegar há anos. E para Baroni... bem, para ele ela estava prestes a deixar de ser a sua mulher e se tornar a pessoa que o traiu da pior maneira possível.
Camila quis rir, mesmo que a situação não tivesse um pingo de graça. Estava ali, presa em um prédio com meia dúzia de soldados da polícia militar a cercando de um lado e com a facção e o homem que ela aprendera a amar a cercando do outro. E tudo isso porque tentou achar a melhor solução para salvar os dois mundos, para viver em paz pertencendo aos dois. Talvez ela só precisasse ter assumido desde o início que nunca haveria um modo de pertencer a ambos.
Os seus pés derraparam quando parou bruscamente no corredor, todos os seus pensamentos sendo instantaneamente varridos para longe enquanto sua respiração ficava presa na garganta. Faltavam pouco menos de três metros para alcançar a saída de emergência quando a porta se abriu e revelou o que a paralisou: Lucas, ou, pela forma como ele a encarava agora, talvez devesse o chamar pelo vulgo de Baroni, porque o olhar que ele lhe dava no momento não tinha nem um pingo da paixão avassaladora que Lucas lhe destinava de costume, tudo o que havia agora nas íris negras dele era a mesma impiedade fria que destinava aos inimigos. E fazia sentido, já que no momento, para ele e para todo o comando da facção, ela era exatamente aquilo: o inimigo que tentou os apunhalar.
Antes que Lucas pudesse dizer qualquer coisa, ela tateou a maçaneta da porta mais próxima e entrou, sem se preocupar em tentar fechá-la ao passar para o interior da sala. O esforço não valeria a pena, ela sabia. Sabia que, no fim das contas, ele entraria ali. Ele havia passado o dia todo em uma guerra para a encontrar, não seria uma porta que o impediria. E a verdade é que ela não havia entrado na sala em uma tentativa tola de se proteger, era uma tentativa tola de proteger ele dos soldados que a seguiam. Não precisava expor Lucas em um corredor, não precisava entregá-lo de bandeja aos amigos do seu pai, não depois de tudo o que fizera por ele.
A porta da sala foi fechada com um estrondo quando Lucas entrou. Ela engoliu em seco, estremecendo com a possibilidade de o barulho chamar a atenção dos outros.
— O que você tá fazendo aqui, p***a? — Lucas gritou. A camada fina de suor cobrindo o corpo dele demonstrava o quanto havia se empenhado para chegar até ali.
Camila queria ter algo para dizer, mas m*l conseguia respirar, formar uma frase se mostrava impossível, mesmo quando o viu pegar uma 4rma que, por algum motivo que ela desconhecia, não estava apontado na sua direção, ainda.
Ela se encolheu contra a parede. Como poderia explicar tudo antes que fosse tarde demais?
Ela não podia, percebeu, enquanto um tremor tomava o seu corpo e a tristeza e a dor pareciam prestes a partir o seu coração.
— Vá embora — foi o que acabou sussurrando, desviando o olhar de Baroni para a arma que ele empunhava, porque não conseguiria se manter firme se o olhasse nos olhos.
— Ir embora? — ele riu com uma frieza que fez os pelos dos braços dela se arrepiarem — Tenha pelo menos a coragem de olhar na minha cara, c*****o — esbravejou, a voz ainda mais grave que o normal. Camila deixou uma respiração trêmula escapar pelos lábios e então obedeceu, erguendo o olhar para o dele, sentindo a dor no seu peito se intensificar.
Baroni a observou de cima a baixo, os olhos, que sempre pareciam invadir até a sua alma, agora esquadrinhavam todos os danos no seu corpo. Quando o olhar dele finalmente voltou a pairar no seu, ele falou novamente, em um tom mais baixo e mais impessoal que antes:
— A facção quer a sua cabeça — as palavras não a surpreenderam. No fim das contas, toda a teia havia sido tecida para culminar naquilo, a manchete foi apenas o ingrediente que faltava para pôr tudo abaixo. E o pior era saber que morreria sem conseguir avisar a Baroni quem era o verdadeiro inimigo por trás de toda aquela armação — Diga porque fez isso.
Era um julgamento. Baroni estava sendo frio como em qualquer outro que ele já executara antes, e aquilo, mais do que a certeza da morte, a magoou. Ela via como a situação o estava matando por dentro, e para confirmar isso, uma lágrima escorreu pela bochecha dele.
— Me diga porque fez isso — as palavras saíram mais insistentes, quase em um sussurro, e a arma, por fim, foi mirada na direção da sua cabeça. A mão dele tremia, algo que ela nunca tinha visto acontecer antes.
Ela podia responder, dizer que fez por ele, pelos dois. Mas adiantaria? Tudo apontava o contrário, ela não tinha muito mais tempo para dizer nada antes que os soldados os encontrassem.
— Apenas puxe o gatilho, Lucas, e vá embora, por favor — ela se obrigou a falar, se surpreendendo com a firmeza da própria voz — Acabe com isso e dê o fora. Você precisa sair daqui.
Camila fechou os olhos, a respiração denunciando o quão assustada estava, com tudo.
Sempre ouviu dizer que no momento da morte era possível ver um filme inteiro da própria vida se passar na sua mente. Não era irônico que o filme passando na sua cabeça estivesse repleto de lembranças do homem que seria a causa da sua m0rte? Lembranças que eram as mais eufóricas, pr4zerosas e felizes da sua vida.
Camila ouviu o som da arma sendo destravada e tentou se concentrar nas lembranças, tentou recordar de tudo que a levou até ali, e enquanto se forçava a mergulhar na bagunça que a sua vida se tornou nos últimos meses, foi surpreendida pelo toque da pele de Lucas contra a sua...
Bom, talvez aquela fosse uma boa forma de dizer adeus a tudo, ela percebeu, enquanto as memórias inundavam a sua mente...