Capítulo 5

2611 Palavras
Beatrice Os dias seguintes são um turbilhão. Para alguém como eu — acostumada à privacidade, ao silêncio e às sombras — tornar-me alvo da vigilância constante de dois brutamontes foi, no mínimo, um choque. A mudança aconteceu de forma súbita, imposta com a autoridade típica de Valentino. — Nenhuma esposa minha anda por aí sem proteção — ele declarou essa manhã, enquanto ajeitava a gravata diante do espelho, com aquele ar presunçoso que parecia grudado à pele dele. — Aonde você for, eles vão. Tente escapar deles, e eu te tranco aqui. Seu tom era seco, cortante como uma navalha. E havia convicção em cada palavra. Eu não duvidava que ele cumpriria a ameaça. Mas ao invés de me sentir intimidada... fiquei intrigada. Aquilo era mais um desafio do que um aviso. E desafios sempre foram meu território favorito. Que maneira melhor de descobrir os segredos da família Esposito do que aprender a driblar os cães de guarda do próprio dono? Então, sorri. Aceitei as regras do jogo. Descobri logo que ele falava sério. Os dois homens — sempre silenciosos, quase espectrais — estavam comigo em todos os lugares. Não respondiam às minhas provocações, nem às minhas perguntas. Foram dois dias inteiros até eu arrancar seus nomes: Arthuro e Ben. Eram como sombras bem treinadas, deslizando atrás de mim pelos corredores luxuosos da mansão, sem nunca demonstrar fadiga ou irritação. Testei seus reflexos. Simulei fugas. Criei rotas falsas. Eles seguiram cada passo com precisão quase militar. E, para meu desgosto, estavam sempre um segundo à frente. Eles até se posicionaram firmemente do lado de fora do quarto que Valentino preparou para mim — um quarto só meu. Eu não esperava esse luxo, tampouco essa distância. Mas, em retrospecto, talvez ele soubesse que me manter longe da sua cama era uma forma de manter algum controle sobre mim. Ou talvez fosse apenas estratégia. Afinal, havia algo inegavelmente excitante em estar sob o mesmo teto que aquele homem — saber que minha simples presença era capaz de abalar uma estrutura inteira da Máfia. E, apesar do meu desprezo por tudo o que ele representava, eu não podia negar: ele era atraente. Um i****a, sim, mas um i****a com um corpo devastador e olhos que pareciam ler mais do que eu gostaria de admitir. Se eu estava presa naquele mundo, ao menos poderia me divertir um pouco. Nos primeiros dias, tentei arrancar algumas informações dele — sobre os negócios, sobre os outros membros da família, sobre os planos. Mas Valentino não era burro. Ele me arrastou para um canto escuro da biblioteca e me repreendeu com a voz baixa, mas feroz. Deixou claro que o acordo entre nós exigia discrição. Nada de bisbilhotar. Nada de perguntas. Ele foi assustador naquele momento. E, como tudo o que me assusta, aquilo apenas atiçou meu apetite. A única ocasião em que Arthuro e Ben desapareciam era quando Valentino próprio aparecia. Era como se sua simples presença anulasse a necessidade de guarda-costas. Ele não conversava muito comigo, mas eu percebia — sempre que ele entrava em um cômodo, os dois homens se afastavam em silêncio. Como se houvesse um entendimento tático: ninguém podia me proteger melhor do que ele. Guardei essa informação como quem esconde uma carta valiosa na manga. Se havia alguém que me interessava observar mais de perto... era ele. Depois de quase uma semana cercada de luxo e monotonia, decidi mudar de tática. Precisava de uma aliada. — Coma comigo — pedi, em tom casual, à jovem empregada loira que atravessava a sala de jantar com uma bandeja de prata nas mãos. Ela parou, surpresa, segurando as xícaras como se temesse derrubá-las. — Desculpe, senhora. Acho que não posso. — Não me chame de senhora — revirei os olhos. — Parece que temos quase a mesma idade. Por favor. Preciso de alguém para conversar que não seja um dos dois robôs sob ordens de me vigiar como se eu fosse feita de porcelana. Ela olhou por cima do ombro, cautelosa, na direção de Arthuro e Ben, que estavam imóveis junto à janela. A luz do jardim recortava suas silhuetas, fazendo-os parecer mais estátuas do que homens. — Não se preocupe com eles — garanti, empurrando uma cadeira com o pé. — Sente-se. Por favor. Ela hesitou. E justo quando achei que ia conseguir convencê-la, Valentino entrou na sala. Ele caminhou sem pressa, ignorando totalmente a presença da empregada. Pegou uma xícara da bandeja com a indiferença de quem se sente dono do mundo. — Querido? — chamei, sem pensar muito, apenas para atraí-lo de volta. Ele parou. Seus olhos pousaram em mim com aquela expressão neutra que nunca dizia nada — mas que sempre fazia meu coração acelerar. — Ela pode almoçar comigo? Ele franziu levemente a testa, finalmente notando a garota. E ali, por um segundo, algo me chamou a atenção: ela não se encolheu. Não desviou o olhar. Não parecia intimidada como os outros. — Tanto faz, eu não me importo — respondeu ele, já se afastando, mas se virou de novo antes de sair. — Me beije, querida. Havia algo quase cínico no modo como disse aquilo. Como se estivesse reforçando um papel. Um lembrete. Levantei-me e me aproximei. Puxei-o pela gravata — de novo aquele tecido fino entre meus dedos, o símbolo perfeito do poder que ele achava controlar, mas que eu também sabia manejar. Ele se curvou com um meio sorriso, e nossos lábios se tocaram lentamente, mas com os olhos abertos. Sempre abertos. Era um beijo calculado, cheio de tensão contida. Eu mordi seu lábio inferior antes de soltá-lo. Um fio de sangue apareceu. Ele o lambeu, e então se afastou. — Tenha um bom almoço. E desapareceu pelas portas. — Viu? — murmurei, voltando-me para a moça. — É fácil assim. Ela hesitou ainda, mas por fim colocou a bandeja na mesa e se sentou na cadeira à minha frente. — Obrigada — disse ela, quase num sussurro. — Qual o seu nome? — Tara. — Eu sou Beatrice. — Eu sei — respondeu ela, com um leve sorriso. — Nos disseram quem você era na noite em que Valentino te trouxe para casa. — Aposto que foi uma reunião e tanto — sorri, jogando uma uva na boca. — O que te contaram sobre mim? — Nada — respondeu rapidamente. Rápido demais. — Bem… disseram que não havia muito a contar. Que ninguém te conhecia. — E te disseram pra ficar de olho em mim? O olhar dela vacilou. Não negou. Mas também não confirmou. E ali, naquele instante silencioso entre nós, percebi: talvez eu tivesse encontrado minha primeira rachadura no castelo de mentiras de Valentino Esposito . Tara balança a cabeça, mas o rubor que sobe por suas bochechas me diz o contrário. — Não se preocupe — garanto a ela, com um meio sorriso. — Posso não saber as regras exatas deste jogo, mas já joguei bastante. Esta aqui... é só uma versão mais completa. Minha atenção se volta para o prato de frutas e queijos à minha frente. Com um giro rápido da videira, arranco algumas uvas e as estendo para Tara. — Eu não deveria... — ela diz, balançando a cabeça com um sorrisinho nervoso. — Por quê? — pergunto bruscamente, erguendo uma sobrancelha. — Existe alguma regra esquisita que proíbe a empregada de dividir comida com a esposa? — Não, de jeito nenhum! — responde Tara rapidamente, os olhos arregalados. — É que... sou alérgica. — Ah. — Uma onda de tolice me invade e retiro as uvas depressa. — Desculpe. Como eu disse, ainda estou aprendendo as regras. — Não existem regras assim aqui — diz Tara com um sorriso largo, que ilumina seu rosto fino. Ela é realmente bonita... por baixo de toda essa timidez. — Tem certeza? — lanço um olhar à roupa de empregada, preta e branca, que ela está usando. — Sim. É um trabalho tranquilo, na verdade. Paga bem. E eu tenho os fins de semana de folga como qualquer outro emprego — explica ela. — Isso é só o uniforme, como os trajes dos guardas. Olho para Arthuro e Ben, que ainda não se moveram de suas posições de estátua viva. — Ah. E o que é... — aponto para Arthuro. — Aquele broche no terno deles? Cada guarda usa um broche na lapela, mas quando perguntei a Arthuro sobre isso, ele só me lançou um olhar fulminante. — É o brasão da família — explica Tara. — Todos sob o comando de Esposito usam esse broche. É como um selo de lealdade. Cada família tem um símbolo e um broche diferentes. Você só pode receber um do chefe — que, neste caso, é o Valentino. Cada broche também tem um símbolo secreto, visível apenas sob certas condições, que só ele conhece. Serve para impedir falsificações. — Uau. — Ergo uma sobrancelha, impressionada. — Isso é muito mais intenso do que eu esperava. — As pessoas se esforçam tanto para se infiltrar... — diz Tara, encolhendo os ombros. — A lealdade é muito importante para essas pessoas. — Já percebi. E em termos de negócios... Arthuro pigarreia alto e abruptamente, fazendo Tara estremecer. — Eu não entendo nada de negócios — diz ela apressadamente. O relaxamento que antes se insinuava em seu rosto desaparece num piscar de olhos. — Sou apenas uma empregada. — Ninguém é apenas qualquer coisa — respondo em voz baixa, ignorando Arthuro. — Além disso, agora você é minha amiga. — Sério? — Seu rosto se ilumina de um jeito que me aperta o peito. — Claro. Você é a primeira pessoa com quem tenho uma conversa de verdade desde que cheguei aqui. — Deve ser tão estranho vir aqui desse jeito... — diz Tara, inclinando um pouco a cabeça. — O que você estava fazendo antes de conhecer o Valentino? — Eu era... Por um instante, hesito. Tara é tão doce que mentir para ela parece sujo. Como se eu estivesse traindo a única pessoa que me tratou bem desde que cheguei. Nossa conversa quase me faz esquecer que estou interpretando um papel. — Eu vendia bretzels — minto com naturalidade. — Levava o carrinho de volta pro distribuidor no fim do dia e depois ia pra casa... ou pras baladas. Uma vida simples, sabe? Fazendo o que dava pra pagar as contas. Valentino parou pra comprar um bretzel e, bem... o resto é história. — Que romântico — suspira Tara, melancolicamente, como se estivéssemos falando de um príncipe encantado e não do babaca do Valentino. — Mas você não tem ninguém de quem sente falta? Família? Amigos? Sei que é uma pergunta comum, mas mesmo assim me ponho na defensiva. Balanço a cabeça, tentando manter o sorriso. — Não. Nada. — É uma pena — diz Tara, aparentemente alheia à minha intenção. — Bem, agora você tem a gente. Espero que goste daqui. Ela passa o resto do almoço comigo até que alguém vem buscá-la para que retome suas tarefas. É estranho, mas... bom. Pela primeira vez, tenho uma amiga, e seu jeito gentil me acompanha enquanto retomo minha exploração da mansão. Mas continuo notando a ausência de outros funcionários. Ou este lugar é grande demais, ou há muito mais gente escondida do que eu consigo ver. E ainda assim... Tara parece ter mais liberdade do que eu. — Beatrice. Uma mão agarra meu braço, tirando-me dos meus devaneios enquanto me estico para abrir uma porta desconhecida. Ben me segura firme por um momento. — Valentino pediu para você ficar longe da ala sul. — Por quê? — São ordens dele. E... construção. — Ordens dele? — zombo, arqueando a sobrancelha. — O que tem de tão importante na ala sul? — Nada — responde Ben com firmeza. — Mas, por favor, honre a vontade dele. — Tudo bem. — Tiro a mão da maçaneta e sigo meu caminho, com Arthuro e Ben no encalço como sombras fiéis. Mas a pergunta martela em minha cabeça. Por que Valentino não quer que eu vá à ala sul? Não acredito por um segundo nessa desculpa de obra. Essa mansão é enorme, mas eu veria ou ouviria alguma reforma. De repente, tenho um novo plano. Levo até o início da noite para colocá-lo em prática. Fingindo cansaço, vou para o quarto e peço que Arthuro buscar meu jantar. Enquanto ele está fora, convenço Ben a ir atrás de produtos menstruais — detalhando minha emergência com tanta intensidade que ele empalidece. Homens sempre se encolhem diante de problemas femininos. Se Valentino fosse mais esperto, teria guardas mulheres. Com meus guardas distraídos, me esgueiro pela mansão e volto à ala sul sem incidentes. A porta está destrancada. — Se ele realmente não me quisesse aqui... — murmuro ao empurrar a porta, entrando em um cômodo mofado — ...deveria ter trancado a porta. O quarto está repleto de móveis cobertos com lençóis. As cortinas estão fechadas, mas a luz do pôr do sol entra por frestas e risca as paredes em tons dourados. Não há reforma alguma. Passo de uma sala à outra, todas igualmente abandonadas, empoeiradas e frias. Os móveis, por mais belos e ornamentados que sejam, estão escondidos sob panos. As paredes exibem grandes pinturas, como as do hall de entrada: cidades antigas, castelos, rios... Até que uma imagem me chama a atenção. Ela está pendurada sobre uma lareira desativada, coberta por uma camada espessa de poeira, mas a imagem ainda é visível. Um retrato de família. Um homem que se parece com um Máximo mais jovem. Uma mulher gentil, sorridente. Duas crianças. Um menino e uma menina — ambos com broches de borboleta iguais ao pingente que Valentino carrega na carteira. Meu coração dispara. A importância desta ala fica clara. Seria a última lembrança que ele tem da irmã? Talvez da mãe? Parece sentimental demais para alguém como Valentino... mas e se for exatamente por isso que ele esconde? Máximo havia dito... que ambas já tinham partido. Um arrepio me percorre a espinha e olho por cima do ombro. Por um instante, tenho certeza de que não deveria estar ali. Eu deveria voltar. Mas não volto. Sigo em frente. Que se danem as consequências. Quanto mais eu souber sobre Valentino, mais fácil será manipulá-lo. Sigo por corredores estreitos e cômodos esquecidos até encontrar um mais estreito que os outros, ao lado de uma lareira. Não há porta. Mas há luz. Tremeluzente. Atraente. Como uma mariposa, sigo em direção à chama. A luz fica mais forte. O corredor parece encolher, minha respiração acelera, e sinto que as paredes vão me engolir viva. Mas, finalmente, saio em um espaço aberto... e fico sem ar. Estou cercada por centenas de plantas. Folhagens, flores, ervas. O perfume floral me envolve, e a luz dourada do entardecer filtra-se pelas paredes de vidro. É uma estufa. Por que há um corredor escondido que leva a uma estufa? Uma risada profunda rompe o silêncio. Uma voz feminina acompanha. Me aproximo, cautelosa, e espio por entre as folhas. Meu coração congela. Valentino está lá. Ele se inclina, abraçando uma mulher sentada, que enterra o rosto em seu peito. — Ah, Valentino... — ela sussurra, a voz embargada de emoção. — Queria que você não tivesse que me deixar. Que p***a é essa? Dou um passo para trás — e meu tornozelo se prende em um balde de metal. O barulho ressoa como um tiro. Valentino se afasta da mulher com um sobressalto. Seus olhos me encontram. Fúria. Ele avança como um furacão e me agarra pelos ombros, o terror subindo pela minha garganta. — Que diabos você está fazendo aqui? — ele ruge. — Você não deveria estar aqui. Nunca!
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