Valentino
Beatrice suspira baixinho, e então suas bochechas ficam vermelhas.
— Sinto muito. — Sua voz é fina, quase inaudível.
— Não sinta. — Melinasorri com tristeza, mas há firmeza em seus olhos. — Não estou te contando isso por pena, querida. Estou te contando porque, se você está aqui... se você é a esposa do meu irmão, mais cedo ou mais tarde, precisará entender por que ele é como é.
Beatrice desvia o olhar, seus ombros curvando-se levemente sob o peso da revelação.
— Eu... eu não fazia ideia.
— Ninguém faz — murmuro, a voz rouca. Cruzo os braços, tentando conter o turbilhão de lembranças que ameaça me engolir. — É assim que eu quis.
O silêncio se instala como uma névoa espessa. Só o som do chá sendo mexido e o sutil chiado do oxigênio preenchem o espaço.
— Você me odiou por estar aqui, não foi? — Beatrice pergunta de repente, seus olhos se fixando nos meus. — Quando me viu...
— Sim — respondo sem hesitar. — Porque você quase arruinou tudo.
Ela encolhe-se, mas não desvia o olhar.
— Eu não sou uma ameaça. Não mais.
— Espero que tenha razão — digo, baixo. — Porque se alguém souber que Melinaestá viva...
— Eles viriam atrás de mim de novo — completa minha irmã, com a voz serena. — E por isso, Beatrice, meu irmão construiu essa prisão de vidro. Para mim. E, por extensão, para ele.
Beatrice passa os dedos pelos lábios, nervosa. Seus olhos se enchem novamente de lágrimas, mas ela pisca rápido, lutando para manter a compostura.
— Por que não contar a verdade ao mundo? Por que viver assim?
— Porque verdade é um luxo que não podemos nos dar — digo, levantando-me devagar. — Porque há monstros lá fora que não dormem. E porque, se soubessem que falharam, voltariam para terminar o trabalho.
Melinasorri de forma triste.
— E o Valentino... Ele sacrificou a própria liberdade para garantir a minha.
— Isso não é liberdade — murmura Beatrice. — É sobrevivência.
— Para nós, são a mesma coisa — retruco, frio.
Por um momento, Beatrice parece não saber o que dizer. Então, seu olhar se suaviza, e ela se inclina ligeiramente em direção à minha irmã.
— Você tem sorte de ter alguém que faria tanto por você.
— Tenho — diz Emilia, apertando minha mão. — E agora... talvez ele também tenha.
— Não se precipite, Melina— digo num tom áspero, embora meu coração aperte com o peso dessas palavras.
Beatrice, para minha surpresa, apenas sorri com tristeza e se levanta.
— Obrigada pelo chá... e por confiar em mim. Não vou trair isso. Juro.
Melinaapenas assente, cansada.
— Vá com cuidado, querida. E não tente voltar aqui. O Valentino vai arrancar a cabeça de qualquer um da próxima vez.
Beatrice me olha por um instante mais, depois se vira e sai da estufa silenciosamente, deixando para trás o cheiro de chá, flores e lembranças que queimam como brasas.
Quando a porta se fecha, Melinasuspira, apoiando a cabeça contra o encosto da cadeira.
— Ela não é como você pensa.
— Não me interessa — minto.
Mas já estou pensando. E esse é o problema.
Melinaa dispensa com um sorriso caloroso. — Foi há uma eternidade, minha querida. Agora tenho 37 anos e ainda estou firme e forte! — Ela ri, e então seu aperto se torna como ferro enquanto ela tosse com força. — De qualquer forma, eu quis morrer por muito tempo, mas Valentino me manteve forte. Ele me manteve escondida e, para me trazer paz, disse ao mundo que eu estava morta. Meu pai concordou por culpa, eu suspeito. Eu não queria ser um pedaço de carne que se casaria na próxima oportunidade. Eu já fui carne uma vez. Nunca mais.
Beatrice me olha de relance. Sua expressão é estranhamente suave, mas não consigo decifrá-la. A raiva ainda paira sobre minha mente e sua presença me irrita.
— Essa é a verdadeira razão pela qual eu precisava de uma esposa — digo, tenso. — Meu pai está cada vez mais desesperado à medida que o mundo ao nosso redor muda. Ele vê ameaças em todos os lugares e acha que somos fracos. Ele quer revelar Melinae casá-la com uma família que ele acha que nos fortalecerá, e eu me recuso a deixar isso acontecer. Então, agora, estamos casados, e eu criarei nossa família por mérito próprio, não por meio de um casamento arcaico.
— É esse o verdadeiro motivo de ele estar tão furioso? — pergunta Beatrice, franzindo a testa. — Ele queria um sindicato e você tirou isso dele?
— Minha irmã não está à venda — murmuro, seco. — Talvez seja isso. Não posso afirmar com certeza. Mas, sem dúvida, estraguei os planos dele.
— Sinto muito, querida — diz Melinacom voz suave. — Quando Valentino me contou o que havia feito, fiquei furiosa. Ele colocou uma pobre garota no meio da confusão das nossas vidas...
— Foi necessário — respondo de forma brusca, mas me recomponho rapidamente, tentando suavizar o tom.
— É mesmo? — Meliname encara com olhos tristes e cansados. — Durante anos, você se culpou por aquela noite, quando ainda era criança. Assim como eu. Você me protegeu a vida toda. E agora isso? Havia outro caminho...
— Não tinha nenhum — respondo, quase num sussurro. — Se não fosse a Beatrice, teria sido outra pessoa. Alguém menos teimosa, com certeza.
— Ah, pare com isso — Melinasolta minha mão e dá um leve tapa no meu pulso. Depois, vira-se para Beatrice. — Minha querida, apesar da reação do meu irmão bruto, espero que você... entenda que a raiva dele vem de um lugar de proteção, não de malícia.
Beatrice me lança um olhar breve, cético. Não parece convencida.
— Tenho uma pequena equipe aqui, gente de confiança. Você é a primeira pessoa nova que conheço em... vinte anos, talvez mais — Melinari baixinho, nostálgica. — Mas estou feliz por termos nos conhecido.
— Sinto muito — diz Beatrice, a voz falha. — Eu não sabia... juro que não fazia a menor ideia. Prometo que não vou contar a ninguém. Eu posso esquecer que este lugar existe, se quiser.
— Não se atreva — Melinari, balançando a cabeça. — Eu adoraria que tomássemos chá um dia desses. Talvez sem o ogro por perto.
— Ha ha — murmuro, revirando os olhos.
— Você será bem cuidada aqui — Melinase inclina para a frente e repousa uma mão frágil sobre a de Beatrice. — Prometo que estará segura. Mas precisa lembrar: nem tudo aqui é o que parece.
Beatrice assente em silêncio. Seus olhos se fixam na mesa, pálidos e confusos. Ela parece atordoada. Minha raiva, por um instante, se aquieta.
Se mais alguma coisa fosse dita, não há tempo. Meu telefone toca alto, cortando o silêncio. Atendo imediatamente, e a voz aflita de Arthuro explode do outro lado.
— Chefe! — ele grita. — A Beatrice sumiu! Procuramos por toda parte, mas não conseguimos encontrá-la e...
Desligo sem dizer uma palavra e me levanto num impulso.
— Finalmente perceberam que você sumiu — digo, seco. — Hora de ir, Emília.
Inclino-me e beijo sua testa com delicadeza.
— Tome seu remédio. Voltarei em breve.
— Por favor — ela sussurra. — E você, Beatrice... venha me ver também.
— Vou ver o que posso fazer — murmuro, com dificuldade. — Eu te amo.
— Também te amo.
Melinase recosta na cadeira, exausta. Envio o alerta para que sua equipe retorne. Beatrice se levanta, hesitante, mas sorri para ela.
— Voltarei, se puder. Obrigada. E... mais uma vez, me desculpe.
— Não se preocupe, querida — diz Emília. — É típico do Valentino encontrar alguém tão curioso quanto ele.
Assim que contornamos as plantas, agarro Beatrice pelo braço e a empurro contra a parede. Ela ofega, surpresa, os olhos arregalados. Sua mão voa até meu pulso, mas não tenta se soltar — apenas me encara, desafiadora.
— Se você ousar contar uma única palavra sobre o que viu aqui — mesmo uma insinuação — a qualquer pessoa... se colocar minha irmã em risco, de qualquer forma... — minha voz sai baixa, letal — eu juro que você vai desejar estar morta.
Seus olhos brilham, mas ela não recua.
— Entendeu?
Ela engole seco. E assente.