Pré-visualização gratuita Capítulo 1
O sol filtrava-se pelas copas das árvores do exuberante jardim McCarthy, desenhando sombras delicadas sobre as mesas de linho branco e os arranjos de rosas. Era uma tarde de sonhos nos Hamptons com garçons impecáveis em fila, violinistas ao fundo e uma horda de milionários atravessando a alameda principal como em um tapete vermelho.
Postada à entrada, Sophie segurava a prancheta com os nomes dos convidados. Tentava sorrir, mas tinha a mente em outro lugar. Só pensava no leito branco do hospital, na respiração frágil de Lucas. Seus dedos tremiam imperceptivelmente sobre a prancheta, coçando para alcançar o celular na bolsa, só para ver se Emily tinha enviado notícias sobre o filho. Um sinal, uma atualização, qualquer coisa que a arrancasse daquela bolha dourada em que nada de real parecia existir.
— Mas o que é isso? — A voz metálica de Veronica McCarthy rompeu o ar como uma lâmina envolta em seda.
Sophie ergueu os olhos. A anfitriã do evento beneficente vinha em sua direção, impecável em um vestido branco de corte minimalista. Parou diante dela, avaliando-a de cima a baixo, com um sorriso afiado no rosto.
— Queridos, observem — disse, dirigindo-se ao pequeno grupo de convidados que a acompanhava. — Esta é a recepção calorosa que a família McCarthy merece? Uma jovem tão viva… quanto uma estátua de cera!
Algumas risadas discretas se espalharam. Sophie tentou reagir, mas o nó no estômago apertou.
— Sabe, querida, aqui nos Hamptons não basta estar presente, é preciso iluminar o ambiente, mesmo que você claramente não pertença a ele. — Veronica continuou. — Se não consegue disfarçar esse olhar de tédio, deveria voltar para o lugar de onde saem garotas pálidas como você… Mesmo que você não tenha classe para estar aqui, deveria ao menos ter profissionalismo.
Ao redor, os olhares cúmplices registravam a cena, alguns com pena, outros com deleite. Sophie permaneceu imóvel, o rosto queimando, enquanto por dentro pensava apenas em Lucas e em como, diante de uma mulher como Veronica McCarthy, qualquer dignidade parecia se dissolver no ar.
***
Andrew McCarthy observava a cena a poucos metros de distância, fingindo conversar com uma dupla de banqueiros, quando na verdade observava a esposa discretamente. Veronica, impecável na pose de anfitriã, acabara de alvejar a recepcionista com aquelas palavras frias, enquanto mantinha o sorriso de Rainha do Baile.
Sophie permaneceu em silêncio, os olhos baixos, e aquilo — a passividade dela diante do deboche — produziu em Andrew um desconforto inédito. Sua mão apertou o copo de uísque com mais força do que o necessário, os dedos esbranquiçando nos nós. Não era só empatia. Era como se, ao ver a esposa humilhar uma desconhecida de forma tão gratuita, finalmente enxergasse, em pleno sol da tarde, a mulher com quem compartilhara os últimos vinte e dois anos.
O celular vibrou no bolso do paletó. Ele pediu licença aos convidados com quem conversava e se afastou discretamente até o terraço do jardim, que dava para o mar. Observou a maré que ia e vinha, enquanto a brisa salina acariciava seus cabelos.
Seu coração acelerou quando viu o remetente na tela: Laboratório Genético de Nova York – Resultados Confidenciais. Abriu o e-mail. A tela branca se preencheu com linhas clínicas, sem emoção:
Laboratório Genético BioLife Nova York
Exame de DNA – Paternidade
Solicitante: Andrew James McCarthy
Indivíduo testado: Daniel Anthony McCarthy
Data de coleta: 04/05/2024
Resultados:
Ausência de compatibilidade genética em todos os marcadores avaliados.
Índice de Paternidade (PI): 0,00.
Probabilidade de Paternidade: 0,00%.
Conclusão:
Os resultados obtidos excluem a possibilidade biológica de Andrew James McCarthy ser o pai genético de Daniel Anthony McCarthy.
Logo abaixo, anexado, outro laudo que Andrew já temia confirmar desde os tempos de sua juventude:
Exame de Espermograma – Clínica Urológica Mount Sinai
Paciente: Andrew James McCarthy
Data: 04/05/2024
Conclusão:
Resultados associados à esterilidade definitiva.
Andrew fechou os olhos. O mar lá embaixo cintilava indiferente, as gaivotas riscavam o céu azul sem pressa. Veronica sabia. Veronica sempre soube!
E, por um instante, a imagem dela humilhando aquela recepcionista na entrada daquele maldito jantar beneficente pareceu se fundir ao laudo em sua tela. Era tão c***l quanto e tudo somente em nome das aparências. O casamento, o filho, a família perfeita, era tudo encenação.
Andrew apoiou as mãos no parapeito de mármore. Por dentro, algo começava a ruir.
***
Enquanto isso, os convidados ainda circulavam pelos jardins quando Sophie foi chamada por uma assistente de olhar apressado. Conduzida para a ala lateral da mansão, entrou num salão menor, já vazio, onde Victor Montgomery, o organizador do evento, conferia o reflexo no espelho de moldura dourada.
— Senhorita Sanders, não é? — perguntou sem olhar para ela. A entonação era automática, como quem repete um nome de catálogo.
— Sim — respondeu com firmeza, apesar do frio no estômago.
— A senhora McCarthy não ficou satisfeita com sua postura. Disse que você parecia um tanto quanto… apática. E um evento como esses precisa do máximo de profissionalismo.
Sophie engoliu seco. Pensou em contar sobre o hospital, sobre Lucas, sobre as horas de angústia tentando sorrir para estranhos enquanto o filho lutava pela vida do outro lado da cidade. Mas as palavras se desfizeram na garganta. Aquele trabalho como recepcionista freelancer nos Hamptons oferecia um cachê generoso, ela não poderia perdê-lo.
Victor não esperou resposta.
— Considere-se dispensada.
A demissão veio como um soco na boca do estômago. Mas Sophie não demonstrou e ergueu o queixo, mantendo o que lhe restava de dignidade.
— E quanto ao pagamento combinado?
Victor olhou Sophie com os olhos frios como aço polido. Ele tirou um talão de cheques do paletó e preencheu rapidamente tomando uma mesinha de carvalho como apoio. Entregou-o à Sophie, que consultou o valor.
— Senhorita Sanders, acredito que você deve ter lido o nosso contrato de prestação de serviços — ele comentou com mais autoridade do que justificativa na voz. — Mais precisamente a cláusula 4.2, que determina que o pagamento do cachê integral será somente o serviço completo.
— Certo… Mas e o transporte? Como vou voltar para casa?
— Como eu disse, no contrato está estabelecido que você os custos de transporte e alimentação envolvem o serviço completo. Você assinou, você aceitou. Me desculpe, não há mais nada que eu possa fazer. Com licença.
Victor guardou o celular no bolso e passou por ela sem mais uma palavra, deixando apenas o cheiro de colônia cara no ar.
Sophie permaneceu parada alguns instantes, imóvel, a prancheta ainda na mão como se fosse um acessório inútil. Aquelas pessoas não podiam fazer isso com ela, não era justo! Mas o que poderia fazer contra a elite de Nova York? Apenas soltou um suspiro resignado e, quando se deu conta, já caminhava até a porta com os saltos ecoando no piso encerado. No jardim, as risadas dos convidados soavam como uma língua estrangeira, distante e c***l.
Guardou a prancheta em cima de uma mesa e desceu a alameda. Não havia carro à espera, nem motorista. Não tinha dinheiro para voltar de Uber até o Harlem.
Ela respirou fundo, descalçou os sapatos de salto alto e começou a caminhar pela estrada larga.
O caminho era silencioso, ladeado por jardins meticulosamente aparados. Sophie caminhava na calçada estreita, os saltos na mão, os pés castigados pelo asfalto frio. As mansões iluminadas pareciam zombar dela. Em cada janela o retrato do luxo que jamais alcançaria um dia.
Ela tinha aceitado participar daquele espetáculo de futilidade por Lucas. E, pelo filho doente, enfrentaria qualquer dificuldade sem pestanejar. Mas o fato de voltar para casa de mãos abanando era o que a enfurecia.
Um som de motor se aproximando fez seu coração disparar. Um carro preto, elegante, diminuiu a velocidade. O vidro abaixou.
— Você não está pensando em voltar caminhando, ainda mais descalça, está?! — a voz grave perguntou.
Sophie parou, os cabelos colados ao rosto pela brisa úmida. Reconheceu o motorista assim que o viu. Era Andrew McCarthy o quarentão musculoso, de barba impecável e olhos verdes quentes, quem a interpelava ao volante.
Andrew a observava com uma expressão indefinível. Não era pena, nem desprezo. Era algo entre a culpa e a curiosidade, como se ele enxergasse em Sophie um reflexo do próprio desamparo que acabara de descobrir. A imagem da esposa humilhando aquela mulher ainda queimava em sua mente, misturada ao laudo que destruíra sua vida em segundos.
Por um instante, Sophie quis recusar, seguir sua caminhada sem se meter em novos problemas. Mas as pernas doíam, e o olhar dele não era de desprezo.
Andrew destravou a porta do passageiro.
— Entre.
Ela hesitou. Depois abriu a porta cautelosamente e ocupou o banco do passageiro. O silêncio preencheu o carro quando o motor voltou a roncar, levando-os em direção à tarde que escurecia.