Capítulo 4
MARINA NARRANDO 👷🏼♀️
Dias depois...
Meu pai está cada dia mais estranho, abatido, triste. Desde que ele perdeu o emprego, parece que o sorriso dele sumiu, e isso me corta o coração. Eu sei que ele é um homem batalhador e vai conseguir outro trabalho logo, mas ver ele desse jeito… nossa, isso me deixa muito angustiada.
Estavamos jantando em total silêncio. E assim que terminamos, subi para o meu quarto. Precisava muito falar com a Jéssica. Ela não apareceu na escola hoje de novo e eu estou super preocupada. Ela nunca foi de faltar, e se fosse precisar, sempre avisava. Isso não é normal.
Pego meu celular, e mando mensagem.
[ Marina 👷🏼♀️ ] — Amiga?
Fico olhando para o celular, esperando aqueles dois risquinhos ficarem azuis, mas nada. Me ajeito na cama, roendo as unhas de ansiedade. Alguns minutos depois, vibra.
[ Jéssica 🌪️ ] - Oi amiga.
Respiro aliviada, mas ainda preocupada.
[ Marina 👷🏼♀️ ] — Você não vai mais para escola? Fiquei muito preocupada, Jé.
Passam alguns segundos e a resposta chega.
[ Jéssica 🌪️ ] - Não, Mari. Decidi terminar esse semestre a distância.
Meu coração aperta. Jéssica sempre foi super ativa na escola, toda animada, cheia das ideias malucas, e de repente isso? Tá na cara que tem coisa errada.
[ Marina 👷🏼♀️ ] — Se você quiser, eu vou te ver. A gente conversa, coloca o papo em dia.
Mas a resposta dela não é o que eu esperava.
[ Jéssica 🌪️ ] - Melhor não... depois eu te explico melhor, tá?
Suspiro. Algo tá acontecendo, disso eu não tenho dúvidas.
[ Marina 👷🏼♀️ ] — Tudo bem... mas qualquer coisa, eu tô aqui. Sempre.
[ Jéssica 🌪️ ] - Obrigada, te amo!
[ Marina 👷🏼♀️ ] —Também te amo, meu amor.
Bloqueio o celular, coloco na cabeceira e fico encarando o teto. Minha cabeça começa a rodar cheia de pensamentos. O que será que tá acontecendo com ela? Por que esse mistério todo? Será que é problema em casa? Ou... sei lá, coisa pior?
Sem nem perceber, meus olhos vão pesando, e eu acabo pegando no sono.
( ... )
O barulho irritante do despertador me acorda. Procuro o celular tateando a cabeceira e desligo. Me espreguiço, levanto, vou direto para o banheiro fazer minha higiene. Desço meio sonolenta, mas o cheiro do café fresco invade meu nariz e me anima um pouco.
Quando chego na cozinha, só vejo minha mãe sentada, tomando café e mexendo no notebook.
— Bom dia, mamãe — digo, puxando a cadeira e me sentando. — Cadê o papai?
Ela me olha, dá aquele sorriso que tenta parecer tranquilo, mas eu conheço ela demais. Tá forçando.
— Bom dia, meu amor. Seu pai saiu cedo para procurar emprego — responde, passando a mão no meu cabelo. — Tá batalhando, sabe como ele é.
Assinto em silêncio. Meu peito aperta. Só Deus sabe o quanto eu quero que ele consiga logo alguma coisa.
Tomamos café meio quietas, cada uma perdida nos próprios pensamentos. Quando termino, pego minha mochila e vamos até o carro. Minha mãe me leva até a escola, como sempre.
Na porta, quando estou prestes a descer, ela me chama.
— Filha... — Ela segura minha mão. — Quando você sair da escola, passa lá no banco, tá? A gente almoça juntas. Seu pai não vai conseguir vir te buscar hoje.
— Tá bom, mãe. Bom trabalho pra você — respondo, dando um beijo no rosto dela.
Desço do carro e fico olhando ela ir embora. Respiro fundo e vou pra aula.
Mas, sinceramente, a escola hoje tá um porre. Sem as palhaçadas da Jéssica, tudo perde a graça. O tempo todo fico olhando para o lado, esperando ela aparecer do nada, gritando meu nome, me assustando, sei lá... Mas não. Só vazio.
As aulas se arrastam. Até que, finalmente, bate o sinal da saída. Pego o ônibus e desço perto do banco onde minha mãe trabalha.
Assim que vou atravessar a rua, meu olhar é puxado por um homem saindo do banco. Na hora meu coração dá um salto no peito. Ele não é só bonito… ele é absurdo de bonito. Alto, forte, pele morena, cabelo bem cortado, barba por fazer e um olhar... Meu Deus, que olhar. Um misto de perigo e mistério. Um olhar que arrepia até a alma.
Mas, ao mesmo tempo que ele me atrai, me dá medo. Sabe aquela sensação estranha? De que é melhor não se envolver? Pois é.
Me distraio tanto olhando pra ele que, sem querer, tropeço e esbarro no cara.
— Não aprendeu a andar direito, não? — ele rosna, me encarando sério.
Na mesma hora, meu rosto queima de vergonha e medo.
— Me desculpa... foi sem querer — respondo, abaixando um pouco a cabeça, sem ter coragem de encarar aqueles olhos intimidadores.
Ele abre a boca pra falar mais alguma coisa, mas antes que consiga, um outro rapaz chega, chamando ele:
— Bora, Malvadão. Já ficou tempo demais na pista, pô.
"Malvadão."
O sangue some do meu rosto. Malvadão? Será que é ELE? O Malvadão que vive aparecendo no noticiário? O temido? O dono do morro?
Na minha cabeça, ele seria um homem velho, barrigudo, careca… qualquer coisa assim. Nunca imaginei que seria... isso. Um homem jovem, bonito e, ao mesmo tempo, assustador.
Ele gira o pescoço pro lado, fuzila o cara com os olhos e responde irritado:
— Fala mais alto meu vulgo, seu filho da p**a, arrombado! — dispara, cheio de raiva.
Depois me olha de novo. E, juro, eu quase desmaio quando ele... pisca pra mim. Uma piscadinha debochada, cheia de malícia, como se soubesse exatamente o efeito que causa.
Sem esperar mais nada, ele vira e some, andando com aquele jeito seguro, dono de tudo, como se o mundo inteiro fosse dele.
Minhas pernas tremem. Meu coração tá disparado. Saio quase correndo, atravesso a porta do banco e entro, procurando minha mãe com os olhos. Fico lá, quietinha, sentada, tentando esquecer aquele encontro surreal.
Depois de alguns minutos, minha mãe aparece, toda sorridente.
— Vamos, filha?
— Vamos — respondo, segurando firme na bolsa, ainda meio aérea.
Fomos até o restaurante. Minha mãe fez nosso pedido e, enquanto esperávamos, ela começou a conversar comigo, meio séria.
— Filha, te chamei pra almoçar porque tô preocupada com seu pai — ela diz, segurando minha mão sobre a mesa. — Ele não lida bem com perdas. Por mais simples que sejam, isso abala muito ele. E dessa vez... tá pesado, né?
Suspiro.
— Também tô preocupada, mãe. Ele tá muito triste... dá pra ver no olhar dele.
Ela aperta minha mão com carinho.
— A gente precisa ser forte por ele, Marina. Juntos, nós três, vamos dar conta. Sempre demos, né?
— Sempre, mãe. A gente vai conseguir, eu tenho certeza.
Nosso almoço chega. Comemos, conversamos sobre coisas leves pra distrair, e depois ela me leva pra casa antes de voltar pro trabalho.
Chego em casa, faço as tarefas, tomo banho e deito um pouco. Mas não consigo relaxar.
Na minha cabeça, volta aquela cena. O olhar dele. A piscadinha. A voz rouca, carregada de perigo.
Será que ele é mesmo o Malvadão? E o que ele estava fazendo no banco?
Fico matutando por horas essas perguntas que ficam matutando a minha mente.