Cap 4

811 Palavras
Vasco narrando Desde ontem à noite não consigo tirar a cena da minha cabeça. Tô na contenção de novo, olhando o movimento, mas minha mente não tá aqui. Tá nela. Na Laura. Eu, que sempre fui firme, que nunca dei brecha pra nada mexer comigo, agora me pego pensando no jeito dela me olhou antes de descer da moto. Aquele olhar inocente, misturado com medo e… sei lá o quê. Algo que me deixou desarmado por dentro. Nunca fiquei com a Laura. Nunca sequer pensei nela dessa forma, até pouco tempo atrás. Pra mim, ela sempre foi “a irmã do Gustavo”, a menina que cresceu comigo correndo descalça no beco, que brincava de pique-esconde enquanto a gente ainda era só criança. Uma menina educada, diferente das outras daqui. Sempre respeitei, até porque o Gustavo é meu braço direito e eu nunca quis confundir as coisas. Mas agora… parece que tudo virou de cabeça pra baixo. A forma que ela tocou minha cintura quando subiu na moto… Eu senti um arrepio que não sentia fazia anos. Foi rápido, mas pareceu um choque atravessando minha pele. Não foi desejo apenas, foi algo maior. E isso me incomoda, porque eu não sou homem de sentir. Não desse jeito. Tô remoendo essa p***a porque não entendo. Nunca deixei espaço pra sentimentos, só pro comando, pro corre, pra manter a Rocinha no lugar. Mulher sempre foi só distração, nunca prioridade. Mas com Laura… não consigo encaixar ela nessa lógica. E o pior: aquela cena dela saindo do carro do Vinícius ainda queima na minha cabeça. Que diabos ela tava fazendo com ele? O cara pode ser só um colega da faculdade, como ela disse, mas só de imaginar ele perto dela, já me sobe um ódio. Isso não é normal em mim. Não sou ciumento, não sou moleque pra ficar marcando território. Mas é como se Laura tivesse acendido uma parte de mim que eu nem lembrava que existia. Respiro fundo, passo a mão no rosto, tentando me controlar. — O que tá acontecendo contigo, Vasco? — falo baixinho pra mim mesmo. Eu não tenho resposta. Só sei que tô envolvido num sentimento que nunca vivi. E, mesmo sem entender, uma certeza eu já tenho: Laura não vai ser de ninguém mais. Tô tentando me enganar, mas não consigo. A p***a do nome dela martela na minha cabeça o tempo todo: Laura. O jeito que ela baixou a cabeça quando me viu olhando, a mão dela na minha cintura, o cheiro do cabelo batendo no meu peito quando a moto cortava as vielas… Isso não sai de mim. E eu não posso dar mole. Não posso. Sou o Vasco, chefe da Rocinha, homem que manda e desmanda. Não existe espaço pra sentimento. Ainda mais por uma menina que cresceu comigo, irmã do meu braço direito. Se eu der brecha, vou mostrar fraqueza, e isso aqui dentro custa caro. Então decidi fazer o que sempre faço quando preciso esquecer: descer pro asfalto. Chamei uns dois seguranças, subi na moto e fomos pra boate mais estourada da Barra. Daquelas que tocam funk e trap até o chão tremer. Eu não costumo aparecer em lugar assim com frequência, mas quando vou, todo mundo nota. A casa inteira muda de clima. Entrei, e os olhares vieram. Mulheres me olhando como se eu fosse a solução da vida delas. Outras fingindo que não reparavam, mas eu sei quando tão de olho. No meu mundo, eu aprendi a ler pessoas. Bebi um copo de whisky, outro, depois mais um. O barulho, a luz piscando, o cheiro de perfume misturado com fumaça de narguilé. E, ainda assim, minha cabeça insistia em puxar a imagem dela. Uma garota se aproximou, dessas que se jogam porque sabem quem eu sou. Corpo escultural, vestido grudado, olhar cheio de malícia. Encostou no meu ombro e sussurrou no meu ouvido: — Tá sozinho hoje, gato? Olhei pra ela e forcei um sorriso. Puxei pela cintura, dancei um pouco, deixei ela se esfregar em mim. A música alta, o povo gritando, meus seguranças atentos no canto. Fiz de tudo pra me distrair. Mas a verdade? Enquanto essa mulher passava a mão pelo meu peito, tudo que eu via era a Laura. Enquanto ela rebolava, eu lembrava da Laura descendo da moto, mordendo o lábio nervosa. Enquanto ela tentava me beijar, minha mente buscava o gosto que eu nem sabia ainda, mas queria da boca da Laura. Soltei a mulher de repente, como quem perde o interesse. Ela ficou sem entender, mas não falei nada. Pedi outro whisky, virei de uma vez. Ali, no meio daquela boate lotada, com tanta gente querendo minha atenção, percebi uma coisa que me deixou puto comigo mesmo: nenhuma outra conseguia me fazer esquecer dela. E quanto mais eu tentava negar, mais claro ficava dentro de mim: Laura já era minha fraqueza.
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