Gustavo narrando
Eu sou Gustavo, tenho vinte e oito anos. Sou o sub do morro da Rocinha, braço direito do Vasco. Aqui, eu resolvo tudo. Já passei por muita coisa, já vi de tudo nesse chão, e mesmo quando o caldo engrossa, eu mantenho a cabeça fria.
Esses dias, o morro até tava calmo. Movimento controlado, o dinheiro rodando, os meninos tudo no ponto. Nada fora do lugar.
Eu tava no QG, resolvendo umas pendências de entrega, quando subi pra boca e vi o Vasco do lado de fora, encostado no portão, fumando. Ele parecia com a mente longe, olhando pro nada.
Cumprimentei rápido, trocamos umas palavras sobre o carregamento que tinha chegado, e eu nem percebi nada de estranho.
Foi quando o celular vibrou no bolso.
Olhei a tela e vi o nome da minha irmã: Laura.
Atendi com um sorriso no rosto — fazia tempo que ela não ligava durante o dia.
Mas o sorriso morreu no mesmo instante em que ouvi o som da voz dela… chorando.
— Alô? Laura?! Fala comigo, o que aconteceu?! — perguntei, já sentindo o corpo esquentar.
Ela só conseguiu dizer entre soluços:
— Vem pra casa, Guga… por favor…
Não pensei duas vezes.
Subi na moto e voei pra casa. Quando cheguei, ela tava no quarto, pálida, os olhos inchados, e o jeito que ela me olhou… me destruiu.
E quando ouvi o que tinha acontecido na faculdade… eu me transformei.
O sangue subiu, a raiva tomou conta. Senti o peito ferver, a respiração pesar.
Eu, que sempre resolvi as coisas com calma, ali não consegui.
Abaixei a cabeça, respirei fundo e disse pra ela ficar em casa.
Depois saí, sem olhar pra trás.
Desci o beco com o coração pulsando forte, as mãos tremendo. Eu precisava saber quem tinha feito aquilo.
No meio do caminho, vi a Bia, a melhor amiga da Laura. Ela vinha subindo com uma sacola na mão, e quando me viu, parou.
Cheguei perto, o olhar pesado, a voz seca:
— Diz tu, Bia… quem foi o desgraçado?!
Ela empalideceu na hora, a sacola quase caiu da mão.
— Gustavo… eu… eu não sei direito… — gaguejou, tentando desviar o olhar.
— Não mente pra mim! — gritei, a voz firme. — Tu tava com ela, tu deve saber alguma coisa! Quem foi o cara, Bia? Fala logo!
Ela olhou pro chão, nervosa, e eu via que segurava as lágrimas.
— Ela não quis me contar, Guga… só pediu pra eu não deixar tu ir atrás. Ela tá com medo…
Fechei os olhos por um segundo. O nome dela ecoou na minha cabeça.
Laura.
Minha irmã.
Abri os olhos de novo, o rosto quente, o coração explodindo no peito.
— Então reza, Bia… porque eu vou descobrir. E quando eu descobrir… ninguém vai segurar.
Montei na moto e subi acelerando, o motor gritando pelas vielas.
A raiva já não era só raiva — era promessa.
E no fundo, eu sabia que o Vasco ia querer saber também.
Desci pra boca com o sangue fervendo. A cabeça a mil, o coração acelerado.
Eu só pensava na Laura, no jeito que ela me olhou, no medo nos olhos dela.
Não era só raiva — era desespero, era impotência, era vontade de quebrar o mundo.
Quando cheguei, o Vasco tava lá, sentado na mureta, o cigarro quase queimando até o fim, o olhar perdido no escuro.
Os meninos tavam quietos, ninguém ousava falar nada.
Parei na frente dele, e ele levantou o olhar devagar, como se já soubesse o que vinha.
— Vasco… — comecei, a voz embargada de ódio — aconteceu um bagulho pesado, mano… minha irmã, a Laura, passaram a mão nela lá na faculdade…
Antes que eu terminasse, ele jogou o cigarro longe, o maxilar travado, os olhos vermelhos de raiva.
— Eu fiquei sabendo. — disse baixo, mas com uma firmeza que fez o beco inteiro se calar.
Eu franzi a testa, sem entender.
— Como assim tu ficou sabendo?
Ele respirou fundo, olhou pro chão, e soltou:
— Irmão da Bia… do asfalto… já tá no colo do d***o.
Por um segundo, eu congelei. As palavras bateram fundo, ecoando dentro da minha cabeça.
Irmão da Bia.
A melhor amiga da Laura. Aquela que tremia quando eu perguntei.
Senti o corpo inteiro ferver.
— Irmão da Bia?! — gritei, quase sem acreditar. — E ela não me disse nada… ela me olhou na cara e não falou!
Passei as mãos na cabeça, andando de um lado pro outro, sem saber se a raiva era maior do cara ou dela por ter escondido.
Continua...