2- Ressaca

1071 Palavras
Capítulo 2 Cleitinho narrando : Acordei com a cabeça latejando, ressaca do c*****o. Bebi demais. Me droguei mais ainda. A luz do sol entrando pela fresta da janela parecia navalha nos meus olhos. Olhei pro lado… Helena, pelada, jogada no colchão, o cabelo todo espalhado, a cara serena como se tivesse num paraíso. Do outro lado, uma morena que eu nem lembrava o nome. Merda. Nem sei o que fiz ontem. Lembro só dos copos, das carreiras, do som alto e das risada falsa. Depois, tudo virou borrão. Detesto dormir com p*****a. Não suporto acordar com corpo estranho do meu lado. Gosto do ato, não da presença. Levantei rápido, nu, com gosto de bebida vencida na boca. Olhei ao redor e reconheci o lugar, um dos barracos que uso só pra f***r essas v***a. Sem rastro, sem lembrança. Peguei minha calça no chão, vesti rápido. A camisa tava virada do avesso, mas caguei. Coloquei o cordão de ouro no pescoço, calcei o tênis com pressa. Passei o olho nas duas. Dormiam como se tivessem ganhado o mundo. Mas aqui ninguém ganha nada. Nem lembrança eu deixo. Peguei umas nota de cem na carteira e deixei ali do lado das duas. Bati a porta devagar, sem fazer barulho. Lá fora, o calor já fritava o chão, e o morro começava a respirar de novo. Mais um dia começando… e eu já com sangue nos olhos. Montei na minha moto e dei partida, motor roncando alto no beco apertado. O morro já tava acordado, criançada brincando na laje, rádio tocando funk antigo, e os olhos me seguindo em silêncio. Subi até o topo, onde só quem tem moral pisa. Parei na frente do meu barraco, e fui recebido pelos meus segurança de plantão. — Fala, chefe. — um deles levantou a cabeça. — Tranquilo, patrão? — outro já abriu o portão. Assenti com o queixo, frio. — Firmeza. Se liga que hoje o bagulho vai andar. Entrei. A casa cheirava a café passado e produto de limpeza. Dona Nena já tava na cozinha, com avental florido e o cabelo preso no coque. Era ela que cuidava do barraco pra mim. Fazia anos já. — Bom dia, Cleitinho. Vai querer café hoje? Fiz aquele pão com ovo do jeitinho que tu gosta. Dei um meio sorriso de canto, sem calor. — Valeu, Nena. Já desço. Subi pro quarto, tirando a camisa suada no caminho. Entrei direto no banheiro e fechei a porta. A água caiu gelada nas costas. Eu precisava lavar aquele cheiro de p*****a, de ressaca, de bagunça. Me esfreguei até a alma. No meu mundo, corpo limpo é mente alerta. Terminei o banho e fiquei uns segundos parado, olhando pro espelho embaçado. Aquele olhar vazio de sempre. Frio. Sem rastro de arrependimento. Me enxuguei devagar, vesti a bermuda preta, camisa da Lacoste, corrente de ouro pesada no pescoço. Peguei o rádio, deixei preso na cintura. Celular no bolso. Passei perfume, não qualquer um, aquele importado que gruda na pele e avisa que o chefe chegou. Calcei o tênis branco, limpo, sem um risco. Nada em mim anda bagunçado. Porque eu sou a ordem no caos. Saí do quarto com a postura reta. Desci as escadas devagar, sentindo o cheiro do café subindo. Na cozinha, Dona Nena botava a mesa, e a Cibele tava sentada ali, com o cabelo preso num coque, vestida simples, moletom e chinelo, lendo alguma coisa no celular. Tão fora do mundo que eu vivo, mas ainda assim… minha única ligação com algo que presta. — Bom dia, Cleiton. — ela falou, sem levantar os olhos. Ninguém me chama de Cleiton. Só ela. E Dona Nena quando tá brava. — Bom dia, Cibele — respondi, passando a mão na cabeça dela de leve. Ela virou o rosto, meio incomodada, mas eu sabia que era jeito dela. Não gostava do que eu fazia, nem fingia aceitar. Mas sempre me respeitou. — Vai comer? — perguntou, olhando pro prato vazio do meu lado. — Rapidinho. Só preciso mandar um rádio. Já sento aí. Saí pra varanda com o rádio na mão, olhando lá de cima o morro acordando. O sol já batia forte nas lajes, criançada correndo descalça, o cheiro de café e gás misturado no ar. Meu morro. Meu mundo. Apertei o botão do rádio e falei com voz firme: — Bolacha, qual foi do carregamento de hoje? A resposta veio rápida, com a voz rouca do outro lado: — Ainda não chegou, chefe. Tô de olho, mas tão atrasado. Tô ligadão. Franzi a testa. Atraso em carregamento? Estranho. Mas segurei o pensamento. Ainda era cedo pra estourar. Respirei fundo, deixei o rádio preso na cintura de novo e voltei pra cozinha. Dona Nena já tinha colocado meu prato: pão com ovo, café forte, e um copo de suco de caju gelado. Eu me sentei na ponta da mesa, onde sempre sentava. Cibele ainda tava lá, mexendo no celular, as pernas cruzadas embaixo da cadeira, toda na paz dela. Comi calado nos primeiros minutos, só ouvindo os sons da casa, sentindo o gosto do café cortando o amargo da noite passada. — Cleiton… — ela soltou de repente, sem tirar os olhos do celular. — Fala. — respondi, mastigando. — Queria ir no shopping hoje. Comprar umas coisas pra mim… Pousei o copo na mesa devagar, encarei ela. — Pode ir. Mas não sozinha. Vai com segurança. Tu sabe que não é bom ficar saindo do morro assim, Cibele. Ela fez uma cara meio contrariada, mas ficou quieta. — Poxa, Cleiton… eu não gosto de sair com esses caras atrás de mim. Parece que tô sendo vigiada. — E tá. — falei seco. — Minha função é essa. Te vigiar, te proteger, te manter viva. Tu quer comprar coisa? Compra aqui mesmo no morro. — Aqui não tem nada decente. Só roupa feia e batom vencido. Soltei um riso curto, sem graça. — Então tu pega os segurança, vai lá, compra o que quiser… e volta direto. Nada de esticar em praça, em cafeteria, em loja de maquiagem. Entendeu? Ela suspirou fundo, largou o celular na mesa. — Tá bom, chefe… Ela me chamando de chefe me dava uma pontada estranha. Como se ela tivesse aceitando a realidade dela, mesmo sem gostar. Terminei de comer em silêncio. Mas por dentro, aquela resposta do Bolacha ainda rodava na minha mente. Atraso no carregamento? No meu morro? Tinha algo errado. Continua ......
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