Lorena
O que eu mais gosto no convento? A paz.
Mentira. Eu odeio essa paz. Paz demais me dá crise de ansiedade. Acordar todo dia com sino, sem café com leite, sem pão francês com manteiga... só com oração e tarefa. Tarefa essa que hoje foi lavar o banheiro do lado da capela com uma escova de dente e um pano furado.
Eu tava deitada na minha cama dura, já de pijama (uma camisola horrorosa que parece uma cortina de 1970), quando ouvi um barulho estranho.
“TÁ! TÁ! TÁ! TÁ!”
Primeiro achei que era a madre batendo com o chinelo em alguma freira sonâmbula. Depois, achei que era a irmã Tereza roncando em línguas. Mas aí o barulho ficou mais forte, tipo de porta sendo arrombada.
Foi aí que me deu um frio na espinha.
É o Biel.
Eu levantei da cama como um raio, botei o chinelo torto, olhei pela janelinha do quarto e vi… nada.
Mas o barulho aumentou.
ABRE ESSA p***a!
Meu coração foi parar no joelho. Biel tinha me achado. O desgraçado deve ter seguido alguma pista. Eu vou morrer. Eu vou virar mártir. A santa Lorena da Maré, assassinada por babaca armado e vingativo.
Abri a porta do quarto bem devagar. E então escutei gritos. Passos. Correria.
Uma freira passou na minha frente com o véu voando, gritando “o apocalipse chegou!”. Eu juro que ela nem encostava no chão.
Outra veio atrás carregando a imagem de São José como escudo.
Eu travei. Fiquei parada no corredor tentando processar.
Foi então que ouvi uma voz que definitivamente não era do Biel.
Morte: CADÊ A MADRE, c*****o?! SE ESCONDER NÃO VAI ADIANTAR!
Eu congelei.
Que p***a era essa?
E aí ouvi outro:
Fantasma: Morte, calma. Tem gente inocente aqui, p***a. Tem uma freira ali orando de verdade. Tô quase convertendo.
Outro grito:
Tartaruga: JESUS TÁ AQUI, MAS EU TÔ SAINDO!
Meu Deus.
Eu não sei o que foi mais assustador: a invasão, o fato de estarem invadindo um convento ou o outro homem correndo, segurando uma vela como se fosse uma granada sagrada.
Me escondi atrás de uma coluna e olhei pra capela principal. E foi aí que eu vi: um grupo de homem tudo armado até os dentes, fuzil no ombro, cara fechada, rádio chiando, e um no meio, com uma presença de dar medo.
Ele. O Morte.
Eu só sabia de quem ele era porque o Biel sempre falava dele. Dizia que o Morte não era gente, era praga. Que ele estava tentando eliminar. p**a que pariu, eu tô no Dona Marta.
E ele tava aqui.
Dentro do convento.
Com cara de quem ia matar uma noviça e roubar um cálice.
A madre apareceu na escadaria, segurando o crucifixo gigante dela como se fosse proteção.
Madre: Aqui é casa de Deus! O que vocês estão fazendo aqui, seus demônios!?
Morte: Cala essa tua boca, desgraçada. Tu vai direto pro inferno sem direito a oração.
Madre: Eu sou serva do Senhor!
Fantasma: A senhora vai precisar de um bom advogado no céu, madre. E eu recomendo levar sua Bíblia aberta no Salmo 91.
Morte: PEGA ELA!
Dois vapores subiram correndo, agarraram a madre que esperneava igual um demônio em filme de exorcismo. Ela gritava, cuspia, dizia que o Senhor ia pesar a mão.
Madre: Deus vai castigar vocês, seus filhos do cão!
Morte: Tomara que Ele tenha mira, porque eu vou mandar tua alma pra lá agora.
E, sem pensar duas vezes, ele puxou o facão da cintura e, diante de todo mundo inclusive eu, que assistia de trás da parede em choque, meteu a lâmina no pescoço da madre.
FOI UMA LAPADA SÓ.
A cabeça rolou pro chão, bateu nos degraus, quicou duas vezes e parou aos pés da imagem de Jesus.
Tartaruga: AÍ, ELA DESGRUDOU, MANO! A CABEÇA DELA DESGRUDOU! EU VI!
Fantasma: Mano, por que tu descreve tudo que tu vê?! Fica quieto, c*****o!
Eu me segurei pra não vomitar. Ao mesmo tempo que a cena era horrível… ela parecia surreal. Tipo, quem caralhos invade um convento e decapita a madre?!
Eu me encolhi mais ainda, tentando sumir. E foi aí que escutei uma parada que me fez gelar.
Morte: Vasculha essa p***a toda. Se tiver mais algum X9 aqui dentro, vai morrer também.
X9?
A madre era X9?
É por isso que eles estão aqui?
Meu Deus, eu tava no meio de um campo minado com véu na cabeça. O que eu tô fazendo da minha vida?
Fantasma: Morte, vamo nessa, mano. Já fez o que tinha que fazer. Isso aqui não é um baile, é um convento. Tô sentindo energia r**m já.
Morte: Não, p***a. Vamos revistar tudo e eu quero os documentos dessa vagabunda. E outra coisa: vamos tacar fogo no convento.
Tereza: Pelo amor de Deus, eu não sei o que a madre fez, mas nós somos esposas do Senhor. Entregamos a nossa vida a Ele!
Quando ela terminou de falar, ele meteu um tapão na cara dela que quase que eu caí junto.
Fantasma: Tá bom, tá bom… mas vamo começar a bater nas madres não, pelo amor de Deus. Eu tenho medo do inferno — ele falou, ajudando a irmã Tereza a levantar — Desculpa, ele tá irritado.
Os vapores começaram a sair um por um. E depois foram voltando com gasolina.
Morte: Saiam todas daqui se não quiserem morrer queimadas, bora — ele gritou, e as irmãs começaram a chorar. Se eu achava o Biel o cão, esse homem é o d***o em pessoa. Jesus...
Tereza: Por favor, tenha piedade. Nós não temos para onde ir. Várias meninas aqui foram abandonadas, foram agredidas, e escolheram a Deus como salvação. Eu sei que você está com raiva e tem seus motivos, mas nós não temos culpa do que aconteceu, por favor!
Todas elas começaram a ficar de joelhos na frente dele, e eu continuei escondida porque eu não quero tomar um tapão na cara e nem quero morrer, porque o cara é doido. E olha que eu achei que eu era maluca.
Morte: Eu quero todas elas fora daqui.
Tereza: Se você quiser tacar fogo no convento, vai ter de fazer isso com a gente dentro. Porque eu não vou abandonar minha casa. Se for pra morrer em nome de Deus, protegendo o meu lar, eu vou fazer isso.
Morte: Que assim seja.
Fantasma: Que isso, irmão, tá doido? Cadê o teu medo do julgamento final?
Morte: Vou enfiar ele no teu cu se você não começar a jogar gasolina nessa p***a agora. Eu estou deixando elas saírem. Não tô? Mas se elas querem encontrar com Deus, que assim seja. Vamos logo.
Eles começaram a jogar gasolina, e eu fiquei com pena. Foi aí que eu tive a brilhante ideia de gritar.
Lorena: Calma! Vamos negociar!
Ele me encarou sério, e eu quase fiz xixi no pijama feio.