Capítulo 2 – Novas Oportunidades

1058 Palavras
O reflexo no espelho do arranha-céu era quase c***l. O sol se misturava ao azul do mar, e Hannah Beatriz Montenegro via a si mesma distorcida nos vidros espelhados da Internacional Blackwolf Corporation — uma gigante de poder e prestígio que parecia inalcançável para alguém como ela. Respirou fundo. Ajeitou o terninho emprestado da melhor amiga, tentando ignorar o cheiro de amaciante caro que não pertencia à sua realidade. O salto arranhado, o cabelo preso às pressas, o batom gasto — tudo nela gritava esforço, não elegância. Mas aquele seria o último dia do processo seletivo. E ela não podia desistir agora. “Isso é pra dar um futuro melhor pra eles… eu vou conseguir.” O pensamento soou como um mantra, um pedido, uma prece. Os filhos. O motivo de todas as noites m*l dormidas, dos turnos duplos e das lágrimas engolidas em silêncio. Cada passo que dava era por eles — e pela mãe, que andava adoecida, dependendo de tratamentos caros demais. Aquele emprego significava plano de saúde premium, vale alimentação alto, auxílio escolar com bolsa na melhor e mais conceituada escola da cidade, auxílio moradia. Coisas que pareciam pequenas para muitos, mas que, pra Hannah, eram sinônimo de sobrevivência. No saguão, dezenas de candidatos esperavam. Ternos impecáveis, perfumes caros, rostos seguros de si. Ela se encolheu em um canto, o coração batendo como um tambor descompassado. Segurou a bolsa com força, as unhas marcando o tecido. Tentava parecer calma, mas o nervosismo subia pelas veias como fogo. Uma recepcionista elegante chamava os nomes com voz firme e impassível. Quando o dela ecoou — — Candidata: Hannah Beatriz Montenegro. — o estômago virou, as pernas fraquejaram. Ela se levantou devagar, ajeitou a saia, respirou fundo e caminhou pelo corredor de piso branco e frio. As paredes de vidro refletiam sua imagem de todos os ângulos, e a sensação era de estar sendo julgada por mil olhos invisíveis. Cada passo do salto ecoava como um lembrete c***l: você não pertence a este mundo, mas precisa fingir que pertence. Quando entrou na sala, o ar pareceu mais denso. Um homem e uma mulher a esperavam. Ele — de terno cinza, olhar analítico, a presença firme como aço. Ela — de vestido vinho, sorriso gentil, mas olhos que avaliavam tudo com precisão cirúrgica. — Sente-se, Hannah — disse a mulher, cruzando as mãos. — Sou Rubi Montserrat, diretora de RH. E este é Miguel Blackwolf, um dos sócios da companhia. O nome a atingiu como um soco. Blackwolf. Hannah engoliu em seco, disfarçando o tremor das mãos. Aquele sobrenome tinha peso, história… e lembranças que ela preferia nunca revisitar. — Obrigada pela oportunidade — disse, com um sorriso tenso. Rubi abriu a pasta com o currículo e o analisou com atenção. — Seu histórico é interessante. Trabalhar e estudar por tantos anos… exige força, foco e coragem. Hannah apenas assentiu, tentando não revelar o quanto aquelas palavras a feriam. “Força”, “coragem” — palavras bonitas que ela tinha aprendido a carregar como fardos. Miguel permaneceu em silêncio, observando. O olhar dele era cortante, como se atravessasse camadas invisíveis. Por um instante, Hannah teve a sensação estranha de que ele a cheirava, como se pudesse sentir o medo e a determinação em sua pele. — Hannah — disse Rubi, rompendo o silêncio — vou ser direta. O coração dela disparou. A perna começou a balançar sob a mesa, e ela apertou as mãos no colo para conter o tremor. — Como você ainda está cursando advocacia, decidimos oferecer o cargo de Assessora Jurídica Júnior. É uma posição de entrada, mas com grandes possibilidades de crescimento. As palavras demoraram um segundo para fazer sentido. Quando finalmente entendeu, Hannah quase chorou. Ela quis levantar e abraçar Rubi, gritar, agradecer. Mas se conteve. Engoliu o choro e apenas sorriu — aquele tipo de sorriso que vem da alma cansada, mas esperançosa. — Eu… eu aceito! — disse, a voz embargada. Rubi sorriu, satisfeita. Miguel então se inclinou levemente, os dedos batendo ritmicamente sobre a mesa. — Há, claro, algumas condições — começou. — Aqui na Blackwolf prezamos pela lealdade. Nossos negócios envolvem… digamos, níveis muito altos de confidencialidade. Nossa espécie não tolera vazamentos de informação. Tudo o que acontece aqui, fica aqui. A frase pairou no ar. Nossa espécie. Duas palavras que fizeram o estômago de Hannah revirar. O coração acelerou, e algo primal despertou dentro dela — um eco distante, quase esquecido. Ela o encarou por um breve instante, e o ar pareceu mudar entre eles. Mas desviou o olhar rapidamente, disfarçando o desconforto. — Eu entendo — respondeu, tentando manter a voz firme. — E podem confiar. Eu assino o que for preciso. Já convivi com vocês antes… não será um problema. Miguel ergueu uma sobrancelha, curioso. Um pequeno sorriso curvou o canto dos lábios, mas ele não comentou nada. Apenas empurrou uma pasta espessa em sua direção. — O contrato está aqui. Leia com atenção. Uma cópia será sua. Mas Hannah nem hesitou. Abriu a pasta , pegou a caneta com as mãos trêmulas e começou a assinar. Folha após folha, seu nome se espalhava pelo papel — e, com ele, a promessa de uma nova vida. Quando terminou, soltou o ar em um suspiro longo. Rubi se levantou e estendeu a mão e com um sorriso acolhedor ela diz: — Bem-vinda à Blackwolf, Hannah Beatriz Montenegro, que seu futuro aqui seja promissor. Aquele toque de mão pareceu selar um pacto invisível. Ela sentiu vontade de chorar e rir ao mesmo tempo. A imagem dos filhos veio à mente — as risadas, as mochilas gastas, os bilhetes de escola pedindo contribuição pro lanche coletivo. Agora talvez ela conseguisse dar a eles o que nunca teve. Por um instante, tudo pareceu dar certo. Mas só por um instante. Quando ela se preparava para sair, Miguel falou novamente: — Mais uma coisa, Hannah. A voz dele a fez parar. Ela virou-se devagar, sentindo o coração bater mais rápido. — É sobre o lugar onde você mora atualmente. O sangue gelou nas veias. A respiração travou no peito. Um silêncio pesado tomou conta da sala. Droga… pensei que eles não iam se importar com isso. E foi assim, com o coração disparado e o medo voltando a pulsar nas têmporas, que Hannah percebeu: nada na Blackwolf vinha de graça.
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