Dário
O ronco do motor esportivo quebra o silêncio da madrugada de Nova York. Tudo está muito propício para testar a nova peça da minha coleção, meu novo brinquedinho que me custou uma boa quantia.
A noite está numa temperatura gostosa, algo em torno dos vinte e sete graus. Céu estrelado e ruas quase desertas.
Piso fundo no acelerador. Degusto a sensação benéfica de acrescentar mais um item cujo modelo é exclusivo; poucos exemplares, poucos donos e somente os do alto escalão possuem meios para obtê-los.
O assento macio se adequa ao meu peso. O conforto é inenarrável. Aprecio cada segundo, cada fração de tempo. Gosto disso, desse momento de descontração. Abaixo rapidamente o meu olhar e miro a minha arma que está repousada no meio das minhas pernas; minha outra grande paixão que possuo.
Ao longo da vida, venho colecionando armas de todo tipo e modelo; algumas mandei fabricarem suas coronhas, e o P e F são gravados com a profundidade de dois milímetros. Muitas das vezes, recebem diamantes.
Reduzo a velocidade para poder entrar na garagem subterrânea do meu prédio, que fica no condomínio na West 57th Street (Central Park).
O meu apartamento é amplo, possui janelas de quinze metros de altura que vão do chão ao teto. Os três pisos do apartamento estão conectados por uma escada em espiral.
Tendo o meu pai cuidando diretamente dos negócios do cartel, pude mudar um pouco a rota; vir para os Estados Unidos foi mais do que me afastar dos olhos dos meus pais, que sempre estavam monitorando, mesmo que sutilmente, a minha vida. Foi enxergar três vezes à frente do que todos que estavam se empenhando para semear o cartel de Cali em outras vertentes.
Estou expandindo nossas conexões. Há muito somos um poderoso império e temos de olhar o mercado com uma visão ampla. Não podemos ficar para trás. Por isso, incrementei os nossos negócios. Temos a venda de produtos ilícitos e também lançamos nossos tentáculos nos comércios de alimentos e nos setores de transporte, que são negócios originalmente legais, mas operados de forma ilegal pelo meu clã.
Minha intenção é estender nossas digitais pelos países bálticos, dominar as vendas de insumos e entorpecentes na Eurásia e comandar integralmente o setor imobiliário e de segurança na América. Neste último, os passos já tinham tido início há cinco anos e tudo está fluindo de vento em popa.
Se tem algo que prezo e gosto de estar sempre a par da situação, são as transações que andam correndo em Cáli. Pode ser um simples trato comercial, uma cobrança de dívidas ou uma disputa territorial; não importa.
Nessa minha mudança, abri mão do meu corpo de guardas. Não poderia surgir transitando em Manhattan com um pelotão de sessenta homens cuidando da minha proteção; por isso, trouxe comigo apenas aqueles que são da minha inteira confiança: meu braço direito, Alejandro; Arvin, um exímio atirador de elite do meu clã; e alguns seguranças, que não passam de cinco pessoas ao todo.
Javier não gostou muito da minha decisão, contudo, respeitou. Meu líder é mais do que meu pai; é meu mentor. Trouxe-me o conhecimento diante de grandes responsabilidades e lapidou-me com afinco para que eu pudesse tomar a frente de todo o nosso império, de todo o poder que está em suas mãos há anos. Aos meus vinte e oito anos, sou escasso de uma das virtudes que o ser humano possui. Essa virtude, baseada no autocontrole emocional, nem sempre é minha aliada.
Principalmente em alguns tipos de situações que me causam incômodo e desagrado. Isso faz com que eu desencadeie uma série de reações imprevisíveis, sendo extremamente perigosas para terceiros. Rememoro alguns acontecimentos que foram provocados por esse meu ímpeto incontrolável; nenhum deles terminou bem.
Desembarco do meu novo brinquedinho. Embarco no elevador, precisando de um banho quente e uma dose de bebida. Olho para Arvin, que mantém a postura padrão de um profissional de segurança: cabeça levantada, sem parecer arrogante, mas sim confiante, com os ombros para trás e a coluna ereta. Fisionomia fechada e olhar atento.
Sendo perfeitamente capaz de detectar, responder e "corrigir" uma provável ameaça à minha integridade física.
Antes que eu possa adentrar meu apartamento, Alejandro faz a vistoria de segurança. Arvin mantém contato com os demais; sempre que estou fora, dois dos soldados ficam de guarda no prédio. Quando estou próximo de chegar, Arvin avisa e aquele que é responsável da vez faz a vistoria em cada cômodo e na garagem.
_ Tudo certo, senhor! - ouço o aviso de Alejandro.
Dou um meneio de cabeça.
— Obrigado, Alejandro. Arvin e você podem retirar-se — informo, uma vez que não vejo motivos para mantê-los por perto; adentro, afrouxando o nó da minha gravata.
Se existe algo que prezo é o momento em que sou a minha própria companhia. Degusto dessas ocasiões com parcimônia, tragando um bom charuto cubano e sorvendo alguns goles de um destilado ao som de uma música clássica.
É o instante em que o inferno recebe uma gota de água porque o d***o não está.
Ando pelo apartamento de 17 mil metros quadrados. Retiro minha pistola do cós da minha calça e sigo para o segundo piso.
Entro no meu quarto. Depois de um banho quente, repouso meu corpo no colchão macio, pretendendo usufruir de algumas horas de sono. O que acontece dentro de poucos segundos, porém isso não significa que meu instinto, sempre alerta, me permita cerrar pesadamente as pálpebras.
Depois de muito treino, aprendi a ter o sono leve. Por muitas vezes, meu pai, ou seus soldados, invadiam meu quarto na calada da noite. Eu tinha que lutar para me livrar das mãos apertando meu pescoço e dos sacos enfiados em minha cabeça com o intuito de cessar o meu respirar. O mais leve desse treinamento massacrante e pesado era a água gelada sendo despejada em jatos sobre o meu rosto. Por isso, qualquer mínimo barulho me desperta.
O vibrar de algo faz com que eu desperte e procure pelo causador do trepidar que emana pequenas ondas pelo meu travesseiro.
Passo minha mão por debaixo da grande almofada e sinto o metal frio da minha pistola e, em seguida, o meu celular, que continua a emitir vibrações.
Pisco algumas vezes antes de mirar a tela do aparelho. Estranho ver o nome do meu pai na tela. Um telefone de Javier às quatro da madrugada definitivamente não é algo bom.
Meu pai raramente mantém contato comigo por telefone, uma precaução para não sermos rastreados por nenhum desafeto ou por agentes federais de algum governo.
_ Hola, papá. ¿Qué sucedió? (Oi, pai, o que aconteceu? - pergunto piscando lentamente.)
_ Hola, hijo. ¿Cómo estás? (Oi, filho! Como estás?) - pergunta, e percebo que protela a entrar no assunto; sonda o terreno para saber como anda o meu humor.
_ Bien, papá. (Bem, pai) - respondo.
_ Hijo, tu padre te llama porque necesita lidiar con una situación molesta. (Filho, teu pai liga para você porque precisa falar sobre uma situação irritante) - pela ligação, pude ouvi-lo estalar a língua.
Seja o que for que esteja acontecendo, está tirando a paz do Javier. Prevejo que a situação seja extrema.
_ Hablas, papá. (Fala, pai) - peço.
_ Te envié algo a tu celular. Cumpueba, por favor. (Enviei algo para o seu celular. Verifique, por favor) - sua entonação vocal indica que vêm problemas para cima de mim.
Coloco a chamada em espera, deslizo o meu polegar no visor do aparelho. Em seguida, visualizo uma notificação de mensagem recebida, clico em cima e a aba abre-se.
Toco e o vídeo carrega rapidamente. O conteúdo que me foi enviado vai além de qualquer situação que eu pudesse imaginar.
Aperto o celular com força ao ver de quem é o registro de imagem: minha noiva, Ravana.
A gravação tem pouco mais de dois minutos e exibe uma fedelha totalmente embriagada dançando em cima da mesa de uma boate. Segurando uma garrafa de bebida alcoólica em uma mão, totalmente sem equilíbrio, a garota tentava rebolar, o que fazia com que o curto vestido de cor preta e cheio de brilho subisse e mostrasse metade das suas nádegas e os fundilhos das calcinhas minúsculas que usava. A menina fazia caras e bocas para quem filmava; a auréola do seu seio esquerdo estava visível aos olhos de qualquer um. Uma pequena plateia de moleques rodeava a mesa, com os olhos presos na garota.
Fechei o vídeo e, antes de retomar a ligação, preciso respirar profundamente, uma vez que minha cabeça começa a latejar. Levo dois dedos à frente da minha testa e faço movimentos circulares para tentar atenuar a dor pungente.
— O que tem a me dizer sobre isso, papá? — questiono, voltando a minha cabeça na direção das imensas janelas, cujas cortinas estão abertas. Observo o céu escuro da cidade de Nova York.