O chamado impossível de se ignorar

2190 Palavras
SARAH Outro pesadelo em que um demônio a possuía horrivelmente de todas as formas possíveis, ele tinha uma aparência bonita, mas sempre conseguia vê-lo por trás da carcaça elegante. Seus olhos escuros se abriram e havia um rastro molhado em suas bochechas, apenas limpou as maças do rosto com a palma da mão, apática. Penteou com os dedos magros e delgados os fios para trás num tique, todavia, ele não balançou como antes e a cercou como um leque acolhedor do que poderia ter sido uma herança genética do seu pai ou sua mãe e um abraço mesmo que figurado deles. A moça soltou um suspiro tortuoso de lamento. Sentou-se na cama com os pés tocando o assoalho frio de madeira escura que reluzia de tão polido encarando os dedos pálidos que se destacavam contra a superfície na qual estavam depositadas as solas dos pés. Olhou pela janela que deixou aberta para entrar algum vento já que a noite era calorenta apesar de ser outono, contemplando a lua gigantesca e as estrelas, pensativa. Sempre o mesmo pesadelo. Sempre alguém a chamando para ir para casa, era algo bonito no início. Sempre o nome Demetria que a assombrava como se fosse um fantasma se materializando e a pertencia mais do que Sarah. E então, começava o pesadelo, o demônio dizendo que ela o pertencia e pedindo para ser libertado, a tocando, a seduzindo e a ofertando poder. Sarah socou o travesseiro, ignorando a cruz pregada na parede acima da cama e negou com a cabeça inconformada sabendo que não tinha uma casa. Quer dizer, nem sua família a quis e a abandonou naquele inferno de lugar. Talvez fosse seu carma. Ninguém a querer. Talvez tenha sido esse monstro desde que nasceu. Olhou para o céu revoltada. ― Eu te odeio criador perverso. Eu nem te pedi para nascer. E você em toda sua prepotência acha que tenho que te agradecer por estar vida? Ram.... Vai sonhando, ouviu? ― Rosnou. ― É raiva o que eu sinto, entendeu? ―Revelou sem forças. Uma dor pungente que era como repetidas facadas em seu coração apenas piorando e piorando e lágrimas desceram furiosamente de seus olhos. ―Dane-se você.... Droga! Vai se ferrar.... Eu.... Eu estou tão furiosa contigo. Eu desfigurei o rosto dela.... Oh Deus.... Oh Deus.... Oh Deus.... O que eu fiz? ― Repetiu atordoada. ― Eu sinto você mesmo quando as trevas me preenchem e chamam por mim. Por que? ― Gritou quase. ― Você é tudo o que eu tenho mesmo que eu esteja com raiva de você. Não me deixe! Um flash veio a sua mente junto a uma pontada de dor no centro da testa que a fez fechar os olhos e soltar um gemido doloroso. O emblema de uma fênix numa bandeira que voava com um vento num dia ensolarado, um rapaz loiro com uma espada tomando a sua frente como se a protegesse. Um dragão gigantesco e um homem o montando e a estendendo a mão apesar da expressão indiferente. Uma pedra brilhando dentro de uma cratera do tamanho de uma cidade. Arrepios a dominaram fervilhando algo como um fogo em sua alma. ― Eu não entendo. Essa é a sua maldita resposta? Outra incógnita. ― Riu insana. ― Que perda de tempo.... E pensar que eu quase me rendi a essa idiotice.... Sarah levantou-se zonza e ligeiramente fora de si para fechar a janela e as cortinas para ficar na escuridão total em seu quarto. Olhou pela janela alta contemplando lá embaixo por costume. A luz da lua parecia linda sobre uma árvore que quando ela era uma garotinha sempre a trouxe sombra a aterrorizando por algum motivo. E a sombra projetada no chão pela luz do luar agora a cobriria novamente apesar de ser quase uma adulta. Estremeceu, incrédula e atordoada contemplando a lua brilhando no céu obscuro com uma nova perspectiva. Então ao carvalho vendo a sombra projetada no chão. Os pelos de seus braços se enriçaram como os de um gato, mas não por pressentir uma ameaça era algo fervilhando dentro dela como se sua alma gritasse o óbvio. Atordoada, Sarah caiu de joelhos perante a cruz. Naquela noite foi a primeira vez em toda a sua vida que sentiu que tinha um propósito. Por mais impossível que parecesse. Dormiu sem os sonhos e os pesadelos que sempre a assolavam. Faltavam três dias para o seu aniversário e era como uma contagem regressiva de um homem que ia para forca. Isso porque havia feito um acordo consigo mesma o de que se mataria quando completasse dezoito anos. ... Na hora do café da manhã, pulou a missa, observou todas as noviças sentadas juntas numa das várias e longas mesas de madeira do refeitório e soltou um suspiro. Sarah procurou uma mesa vazia, sentou-se, analisou a bandeja com o mingau de aveia. Logo teria escola, ainda era cedo, seis e meia, tinha algum tempo já que o percurso andando era de mais ou menos uma hora. Não queria andar. A aula começava as oito e ia até as quatro da tarde. Não queria nem pensar do que os idiotas do colégio diriam do seu novo corte de cabelo, já a zoavam pelas roupas de segunda mão que as freiras ganhavam da caridade e que nem sempre eram do tamanho do seu diminuto corpo a fazendo parecer ser engolida. Quis chorar por algum motivo, porém, por alguma razão insana acabou rindo com os olhos repletos de lágrimas. ― Merda. ― Xingou, inconformada mexendo no mingau com a colher sem vontade de comer pelo embrulho que se formava em seu estômago. ― Se apresse em comer isso aí se quiser carona. A caminhonete já está saindo com as colheitas da horta. ― A abadessa surgiu literalmente do nada a apressando. Sarah apenas empurrou a bandeja para longe realmente contente que não teria que andar já que o ônibus escolar não ia até ali. Era raro que acontecesse e isso era só uma vez por mês quando a colheita acontecia. Havia mesmo perdido a fome. Levantou-se, ajeitou a alça da mochila que transpassava o meio dos s***s. ― Estou indo, tenha um bom dia, senhora. ― Apesar do rancor gritante, a voz de Sarah ainda emanava respeito pela mulher que a acolheu. ― Termine de comer primeiro, criança. A irmã Inês ainda está carregando a caminhonete. ― Estou sem fome. ― Argumentou a jovem de cabeça baixa. ― Certo, certo.... Só vá de uma vez então. ― Mandou a idosa irritada. A garota virou-se de costas e ia começar a andar. ― Sarah. ― Chamou-a mulher de rosto severo e cheio de rugas. A jovem virou o rosto, curiosa, mirando-a com o que seria ligeira impaciência. ― Seu cabelo ficou bom assim também. Pelo menos agora dá para ver seu lindo rosto. ― Elogiou gentil. ― Não lamente mais. Apenas forçou-se a agradecer com a cabeça segurando as lágrimas que se formaram em seus olhos com uma mordida c***l no lábio inferior. Saiu andando a passos duros pelo corredor de paredes amarelas cor de areia sem graça cheio de cruzes penduras, quadros da santa ceia e freiras e noviças zanzando. Chegou à porta que dava ao jardim e a horta. Caminhou rápido pelo gramado bonito e bem cuidado vendo os vários canteiros em cercadinhos feito com pedras brancas. Por algo mais forte do que ela, parou no carvalho gigantesco cuja sombra a cobria e contemplou-o lembrando-se do que havia presenciado noite passada. Uma de suas grossas e fortes sobrancelhas que trazia um formato bonito aos olhos escuros se arqueou quando saiu debaixo dele e contemplou o sol. Um sorriso se emoldurou em seus lábios. ― Sarah, você vem ou vai ficar parada aí? ― A freira que cuidava da horta a apressou, carregando sem dificuldade um caixote de madeira cheio de morangos e outro de alfaces. A menina correu até a horta, vendo a traseira da caminhonete pela metade de caixotes e arregaçou as mangas da camisa. Começou assim a ajudar a mulher a encher a caminhonete para ser mais rápido. ― O que você estava fazendo olhando para o carvalho? ― Questionou-a a irmã, interessada ― Coisas pagãs. ― Sarah foi maldosa apenas por sentir sua privacidade ser invadida ― Ainda bem que a igreja não queima mais pessoas. ― Debochou c***l. ― Isso foi há muito tempo e realmente foi uma idiotice sem tamanha da nossa parte. ― Inês começou calma, passou a mão pela testa a limpando do suor e o seu avental sobre o hábito sujo de terra. ― Pare de falar asneiras. Jesus não pregava esse tipo de coisa. Acredito que se ele tivesse na época da inquisição também seria queimado por sua mensagem ser bem diferente das dos religiosos da época. ― Isso não impediu a igreja de fazer isso no nome dele....― Revidou, mostrando os ombros. ― Eu sei que você sabe que pessoas sempre distorceram a mensagem pura dele. Sempre há idiotas assim. Mas advinha, nós minha querida não somos esses idiotas. — Inês especificou contente sorriu para Sarah. KALAHAN ( Na fronteira de Dragomir Um dos oito reinos que formam Tretagon) A correria o deixava atordoado, não sabia bem para onde ir e cortava caminho pelos campos queimados e cheio de corpos carbonizados tentando alcançar o rápido homem a sua frente que ia até o dragão que parecia adormecer pelo ronco suave. Kalahan não entendia o que estava acontecendo ao certo, se perguntando quando sua vida se tornou tão complicada. Quando começou a ser caçado por Alexander, decidiu que procuraria ajuda com o maldito príncipe draconiano tornando-se então um cavaleiro e defensor do príncipe a mando no reino do estandarte do Dragão. Só que quem disse que o maldito príncipe i****a precisava da proteção dele? Teve a vida salva pelo maldito tantas vezes que era vergonhoso se chamar de cavaleiro ou protetor. Os olhos verdes de Kalahan pairaram no imponente e incrível príncipe de longo cabelo liso e escuro, trajado numa túnica e sobre ela uma armadura, acariciando o focinho do monstro. Os trajes do homem eram diferentes da calça de couro e da camisa bufante com uma capa que era o traje fenicense. Apesar do príncipe possuir uma enganosa delicadeza, a habilidade dele com a espada superava em muito a sua, ele parecia um monstro imparável no campo de batalha e nunca se sujava mantendo sempre uma maldita elegância prepotente. Iker montava um dragão gigantesco chamando Fedrer, cujas asas cobriam uma cidade e o bater delas causava um vendaval. A b***a era também conhecida como temor da noite pelo fogo que cuspia e que acabava com tudo a sua volta num alaranjado tom que mesmo otimista para quem fosse cidadão de Dragomir significava a morte dos inimigos. Ele tinha uma couraça que parecia ouro. Um dragão dourado. ― Logo eu trarei vossa noiva.... ― Kalahan tentou um assunto com o insondável homem enquanto o dragão abria os olhos amarelos gigantescos e começava a assisti-los. ― Então protegerei os dois. ― Eu não tenho tempo a perder com isso. O tio dela é um traidor nojento e está querendo tomar o meu reino. Acha que tenho disponibilidade para uma garota que nem foi criada em Tretagon? ― Ela foi banida quando bebê, não teve opção. ― Justificou Kalahan num limpar de garganta, piedoso. Queria atiçar a curiosidade do príncipe a respeito de sua monarca, porque também estava ansioso para conhecê-la e estava chegando o tempo de ir buscá-la. ― Quando eu a trouxer, vocês se casarão e você se tornará o rei de dois territórios mesmo que não oficialmente. Essa guerra contra Fenit agora é sem sentido. Vai mesmo destruir com fogo tudo o que será seu? Você matou milhares hoje. ― Qualquer maldito que ache que pode ordenar a minha pátria que nos submetamos as suas vontades, levará fogo de dragão para aprender com quem está se metendo. ― Informou Iker imutável. ― Agora cale a boca, Sir Kalahan. ― Alteza, eu passei minha infância sendo treinado pelos homens de Alexander. Me tornei seu copeiro, antes de conseguir uma vaga no exército dele. ― Tentou argumentar Kalahan. ― Como você, ele é um estrategista nato, ele é tremendamente assustador por ser inescrupuloso. O cara matou o próprio irmão. Tenho certeza que ele o está atraindo para uma armadilha. Acredite em mim. Ele deve saber alguma fraqueza gigantesca de Dragomir para declarar guerra contra vocês. ― Não temos fraqueza. E ele não pode contra o fogo do meu dragão, pode? Kalahan mordeu o lábio inferior com força, para não dar uma resposta desrespeitosa ao i****a apesar de saber que era uma pergunta retórica. ― Alteza, somos do estandarte da fênix. Isso quer dizer que mesmo que nos destrua, para bem ou m*l, ressurgiremos das cinzas. ― Kalahan tentou botar juízo naquele cabeça dura, o xingando mentalmente e aproveitando que o homem estava de costas para si, para socar o ar e imaginando estar batendo nele. Olhou para cima pedindo piedade e paciência a Fênix que era seu patrono. ― Apenas tome cuidado. Seu dragão voa e sua queda pode ser pior por achar estar nas alturas.
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