Sou acordada por um forte raio de sol.
– Acorde querida – mamãe diz ao pé da cama.
– Porque tão cedo?
Ela põe a mão na cintura e me encara.
– Você acorda cedo todos os dias, hoje não seria diferente. Ande, vamos logo! Precisamos ir a cidade comprar mantimentos para o jantar.
– Jantar? – indago pondo-me de pé.
– Sim, seu jantar de noivado com Benicio. Temos de oficializar o quanto antes – diz indo em direção a porta – aprume-se. Ah, passaremos na igreja também, precisamos nos certificar de que o padre já conferiu as datas.
Nunca vira mamãe tão feliz.
Aliás, já vira. Há muito tempo, mas, tal alegria fora tão rápida, que m*l tinha lembranças de que ela algum dia fora feliz ao lado de meu pai.
Também, depois de uma traição como aquela. Em seu lugar, eu jamais olharia em sua face novamente.
Lembrar dos fatos ocorridos naquele dia, me fazia faltar o ar.
A primeira coisa que me vinha a mente, eram os gritos. Papai de um lado, Henry do outro e mamãe entre eles.
E perto da escada, estava o pivô de toda discussão.
Olga.
Ela levantou a cabeça e sorriu sem jeito para mim.
Encarei-a seriamente, e novamente os berros começaram.
Papai partiu para cima de Henry, e neste momento Olga interveio. Acabou por apanhar em seu lugar.
Papai reteso, foi pego desprevenido. Henry tomou a a**a de sua cintura, e disse:
– Não casarei com a mulher que espera um filho de meu próprio pai!
Mamãe se afastou, e entendeu o que acontecia.
– Henry, dê-me esta a**a – papai ordena.
Henry aponta para Olga e a encara.
Papai o agarra e ele erra o alvo.
Olga corre para fora, e Henry, lutando contra papai, o empurra e corre atrás dela.
Lembro que suas últimas palavras, foram as mais profanas possível.
Ele gritou o nome daquela que ele tanto amou, confiou e se doou, para que fosse morto pelas mãos de seu amante.
Um forte estalo se ouviu, e logo depois o barulho de algo pesado caindo no chão.
Desci as escadas correndo, e vi Henry de joelhos. Ele fitava Olga que o olhava de volta.
– Vá – papai gritou, e assim ela sumiu na imensa escuridão da noite.
Henry caiu de cara no chão. De sua boca, jorrava o sangue mais vívido que já vira em toda minha vida.
Mamãe permaneceu estática, olhando para o corpo desfalecido de seu único filho homem. O filho mais adorado e mais amado.
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– Querida? – ouço a voz de mamãe.
– Sim?
– O que acha destas? – ela levanta um punhado de alcachofras e eu assento.
Logo depois das compras, seguimos para a igreja. Esperamos por nossa vez, e mamãe entrou sozinha primeiro. Disse que tinha de confessar.
Esperei por longos minutos, até que ela aparecesse na porta e me pedisse para entrar.
Para minha surpresa, dou de cara com o padre Robert.
– Padre Robert? – não consigo conter minha cara de surpresa.
– Olá Audrea, sua mãe já me contou a novidade, fico muito feliz por você.
Sorrio forçadamente.
Acomodo-me na cadeira e ouço mamãe falar pelos minutos seguintes.
Quando o assunto saiu do foco, aproveitei a deixa:
– O padre Albert lhe comunicou que temos pressa? – indago.
– Sim, ele me disse.
Esperava que ele dissesse o que tinha acontecido para ele estar ali, e não Albert.
– E será o senhor, que celebrará o casamento? – estava desesperada por uma resposta.
– Acho que sim. A data mais próxima é para daqui a duas semanas, e como estão com pressa, decidi marcar.
Duas semanas?! O que?!
– Esperava que fosse o padre Albert – mamãe me olha curiosamente – por ele ter sido informado e tudo mais, não é mamãe? Ele até participou de nosso almoço ontem, onde foi oficializado o noivado…
– É verdade, mas, claro, temos muito apreço por sua pessoa…
Olho impaciente para as paredes. Seria possível que eu fosse embora, sem ao menos saber onde ele estava?
– Muito obrigada por sua atenção padre – mamãe agradece.
Ele assente e ela sai na frente.
Espero um pouco mais, e tomo coragem.
– Padre Robert, desculpe perguntar, mas, o Padre Albert está? Trouxe um pedaço de bolo de fubá. Ele disse que gosta…
– Ele está recolhido. Está enfermo.
– Oh, de que?
– Uma virose o acometeu.
– Entendo… Espero que ele retorne logo.
– Ah, ele ficará bem.
Sorrio em agradecimento.
– Deseje-lhes melhoras – digo.
– Com toda certeza.
Saio e me encontro com mamãe.
– Mãe, ficarei um pouco mais. Quero fazer algumas preces, agradecer, pedir…
– Sim, claro. Mandarei outra carruagem lhe buscar. Mas, não demore, os pais de Benicio já estão na cidade, e se acomodarão em nossa casa.
Ela sorri e entra na carruagem.
Espero ela partir, e sigo para a porta lateral.
Entro sem fazer barulhos e sigo para a ala da cozinha.
Do outro lado do pátio, avisto uma escada. Presumo que o acesso para os quartos seriam por ali.
Atravesso o pátio rapidamente e me escondo atrás de uma coluna, quando a cozinheira aparece.
Ela entra na cozinha e eu subo as escadas.
Para minha sorte, era um corredor fechado, mas, haviam várias portas.
Uma porta entreaberta me chama atenção, ao me aproximar, observo pela frecha e não avisto ninguém.
Adentro e vejo uma pequena janela, por onde se permite um pouco de luz e uma cama no canto. Uma escrivaninha completava o ambiente simples.
Vejo o que parece ser um livro em cima da escrivaninha.
Aproximo-me e toco-o.
– Lendo meus segredos?
Deixo o livro cair no chão e encaro o dono da voz.
– Eu… – Albert arqueia a sobrancelha – padre Robert disse que estava doente. Vim ver como está.
Ele entra e vem na minha direção.
Parando ao meu lado, ele se abaixa e apanha o livro.
– Estou bem – responde pondo-se de pé.
Olho-o atentamente.
– Não parece doente.
Ele ri.
– Está fingindo? – ele me olha de desdém – porque?
– Audrea – ele diz meu nome, como se não fosse nada demais – o que está fazendo aqui?
Olho-o confusa. Ele tinha razão. O que eu fazia ali? Eu mesma pedira que ele se mantivesse afastado de mim, e onde eu estava?
Assento e sigo para a porta, mas, paro e torno a olhá-lo.
Ele me olhava de volta como se esperasse que eu dissesse algo.
– Posso fazer algo por você? – indaga.
– Porque está assim comigo?
– Assim como Audrea?
Baixo a vista rapidamente.
– Será que pode sair? – olho-o assustada – tenho algumas coisas para fazer.
– É assim que me trata?! Venho até aqui para saber se está bem e é assim que age comigo?!
Ele apenas me olha.
Dou-lhe as costas e saio.