Mamãe estava mais eufórica do que nunca.
O jantar parecia deixá-la sem medidas.
Olhava tudo de longe, não queria me envolver mais que o necessário. Ou seja, comparecer no jantar e sorrir forçadamente para meus futuros sogros, já era demais para minha cota de sanidade mental.
Por mais que tentasse me animar, não conseguia.
Subi e deixei que cuidassem de tudo. Tinha certeza de que, com minha mãe no comando de tudo, correria tudo bem.
Ando pelo corredor e fito a última porta. Aproximo-me.
Há anos não entrava ali.
Abri a porta lentamente e sinto um peso em meu coração. Estava tudo exatamente igual.
Henry era muito organizado com suas coisas.
Adentrei e incrivelmente, ainda podia sentir seu cheiro. Era uma mistura de terra molhada com capim.
O amor por cavalos, adotei dele. Ele que me ensinara a montar.
Olhando tudo que ali estava, reparei que meus pais nunca tocaram no assunto. Devia ser doloroso, principalmente para mamãe.
Foi ela quem mais perdeu. Foi traída, perdeu um filho. Entendia porque ela queria que as coisas fossem diferentes comigo.
– Sinto falta dele – diz uma voz atrás de mim.
Esperaria ouvir aquilo de qualquer pessoa, menos dele.
Continuo olhando seus objetos e me aproximo de sua escrivaninha. Ele adorava escrever artigos para um “suposto jornal”, que ele disse que lançaria em breve.
Eram história que ocorriam nos arredores de Salvatore. Pequenos acidentes com cavalos e pistoleiros que se enfrentavam.
– Audrea – encaro papai relutantemente – eu – ele põe as mãos no bolso e se aproxima da janela. Parecia pensar arduamente no que ia dizer – fico feliz que tenha tomado uma sábia decisão.
Ele estava de costas para mim.
– Não chame de decisão, o que lhe foi imposto de forma abrupta. Não tive escolha.
Ele se vira e me encara.
– Ele é um bom, aliás, ótimo rapaz.
– Eu sei, mas – respiro fundo – eu não o amo. E sei que nunca conseguirei.
– Jamais diga “nunca”. A vida é tão propensa a mudanças, do que nosso próprio humor. Digo por mim – sua voz soou diferente – eu e sua mãe, temos longos e árduos anos de casamento. Muitos momentos em que cheguei a pensar, que jamais teria seu perdão – ele me fitava – cometi muitos erros – ele olha para a cama de Henry – se pudesse, voltaria atrás e consertaria tudo.
Não sabia se era um sonho, ou uma realidade inacreditável. Meu pai, sentindo remorso.
– Para muitas pessoas, cometi erros irreparáveis, imperdoáveis.
– Para muitas pessoas – digo – menos para mamãe.
Ele sorri.
– Sua mãe é… – pela primeira vez em mais de dez anos, o via sorrir – é o amor da minha vida. Ela fez coisas que, talvez outras esposas preferissem morrer, do que perdoar.
– Ela tem um bom coração.
– Assim como você – ele se aproxima – Audrea, sei que, não tenho sido um bom pai. Tenho tentado, mas, falhado epicamente. Por favor, não encare isso como uma forma de reparação ou agradecimento por ter aceitado casar com Benicio. Seu casamento, a maior beneficiada, será você, pois, ele é um bom rapaz. Mas, encare isso, como uma forma de pedir perdão por ter falhado com você, com seu irmão e com sua mãe – disse enquanto tentava conter as lágrimas – sei que, depois da morte do Henry, tudo mudou. Admito que boa parte de minhas frustrações e negações, acabei por descontar em você. Acabei esquecendo que, quando tudo aconteceu, você era uma criança entrando na adolescência, que cometerias erros, e eu, como pai, deveria lhe orientar, mas, não fazer o que fiz.
Ele engoliu em seco. Tentava segurar as lágrimas.
Quando ia ceder, ele voltou para a janela.
Não sabia o que dizer. E não queria dizer nada.
Aproximei-me dele e o virei para mim. Abracei-o fortemente.
– Me perdoe filha. Estou ficando velho, e só tenho você… Não quero morrer com todo esse peso em meu peito.
Sorri para ele, ainda com lágrimas nos olhos.
– Não há o que perdoar.
Ele me puxou ainda mais para si e me afagou.
Perto do jantar, mamãe bateu a porta.
– Audrea – ela levou as mãos ao rosto – você está linda.
Seus olhos brilhavam.
– A senhora também está.
Ela vestia um enorme e rodado vestido cor vinho. Detalhes em branco faziam contraste com tamanha exuberância que estava ali exposta.
Já eu – ainda me olhando no espelho – tinha optado por um vestido, não muito rodado. Era dourado e repleto de rosas.
Suas mangas pareciam duas rosas abertas.
Prendi as laterias do cabelo e deixei escapar alguns fios na frente.
Passei o mínimo de maquiagem possível.
Respirei fundo e saímos do quarto.
Do alto da escada, já dava para perceber que o clima lá em baixo, parecia ser dos melhores.
Vozes rindo, conversando. Pareciam ter umas 100 pessoas ali. Mas, quando desci, deparei-me com um senhor alto e esguio, e uma senhora corpulenta.
– MaryMae – diz mamãe – esta é Audrea.
Ela me olhou de cima abaixo. Parecia admirar uma obra de arte.
– É um enorme prazer conhecê-la – diz sutilmente – Benicio falou muito de você.
Sorrio sem jeito e assento.
– Audrea querida, este é o Sr. Blat – indica mamãe.
Ele apenas me olhou e voltou sua atenção para meu pai, que logo o levou para seu escritório.
Só quando os dois saíram, que reparei que Benicio no ambiente.
Ele usava um colete azul-marinho, com um casaco preto. Sua blusa dourada se destacava por debaixo de todo aquele aparato.
Aproximei-me dele e sorri. Ele estava lindo.
– Boa noite.
– Você está incrível – diz.
– Você também está – sorrio.
Vi quando mamãe saiu de fininho com MaryMae.
– Então – diz tomando a palavra – ansiosa?
Não entendia sua pergunta.
Ansiosa? Pelo que? Por estar prestes a cavar minha própria cova, para que logo em seguinte eu me jogasse nela? Não! Não estava!
– Não sei se ansiedade é a palavra certa…
– E, como poderia descrever esse momento?
Aterrorizante! Inaceitável! Escrupuloso!
– Digamos que seja um começo…
Ele apenas me observou. Com certeza ele esperava que eu disse muito mais que só isso. Mas, não podia.
Estava feliz por “ter feito” as pazes com meu pai, mas, não podia lhe dar total confiança, uma vez que, mesmo que me dissesse que tal atitude de pedir perdão, não partira da vantagem que ele estava tendo, por me ver ali, aceitando fazer algo que dissera tantas vezes “não”.
Quando o jantar foi posto, mulheres ficaram de um lado, e os homens à sua frente.
A conversa na mesa ia desde, vestidos e joias, até compra de terras e cavalos. Estava parecendo uma disputa de quem falava mais, ou mais alto.
De vez em quando, Benicio me lançava alguns olhares, como se quisesse dizer, “não vai dizer nada?”, mas, contive-me. Era um direito meu ficar calada. Estava disposta a falar o mínimo possível.
Se essa era a oportunidade de que tanto precisava para recomeçar, deixando tudo de r**m que me acontecera para trás, deveria olhar para frente, e encarar meu casamento como uma válvula escape, até que ele se tornasse verossímil o suficiente, para que no dia em que eu dissesse a Benicio “eu te amo”, não somente ele acreditasse, mas, principalmente que eu acreditasse e sentisse que realmente o amava.
– Então – papai interrompe meus pensamentos – esta é uma noite muito especial. Não somente para nós pais, mas principalmente para nossos filhos, que estão dando um passo muito importante em suas vidas – ele me olhou – minha filha, minha amada e adorada filha; sei que, sempre tivemos nossas desavenças, mas, elas nunca foram maiores que meu amor por você. Tanto que, quando Benicio me procurou há algum tempo, soube na hora que ele seria o homem certo para você – reteso-me diante de tal comentário – sinta-se como um filho – diz se dirigindo a Benicio que se pôs de pé.
– Só tenho a agradecer, por toda hospitalidade, carinho, e principalmente por Audrea – ele pega uma caixinha de cor verde-musgo e abre – este anel foi de minha bisavô – era um delicado, mas caríssimo anel de ouro, com pequenas pedras de diamante ao redor. Em cima, uma linda pedra roxa – é herança de minha família, da qual você fará parte.
Ele veio até mim, e deu-me sua mão.
Levantei e ele se ajoelhou.
– Audrea Montez, conceda-me a honra de fazê-la a mulher mais feliz que este mundo já viu. Deixe-me retribuir, toda felicidade que já me proporciona – ele estava emocionado, e quando pôs o anel a postos de colocá-lo em meu dedo, ele demonstrou ainda mais sua ansiedade.
Então, ele ficou ali parado. Ajoelhado aos meus pés. Pensei em tudo e em todos. Seria a maior alegria que daria para minha mãe. Seria uma forma de acabar com tantas intrigas que vinham sendo acumuladas durantes anos com meu pai.
Olhei mais uma vez para aquele belo anel, que me encarava de volta, como se me cobrasse uma resposta urgente.
– Sim.
Benicio pôs o anel em meu dedo, e depois o beijou.
– Eu nunca vou decepcioná-la.
Taças foram levantadas, brindes foram feitos.
E em meio a um dos comunicados de meu pai, ele me surpreendeu mais uma vez naquele dia:
– Como havia lhe prometido – ele puxa um papel de seu bolso – as reformas começarão amanhã mesmo.
Era a escrituração do prédio no centro, onde ele disse que eu poderia fazer dele um lugar de ensino para crianças.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e por mais que todo resto, pudesse, não apenas parecer, mas ser f*****o; estava feliz.
Não poderia ser tão r**m assim, casar com Benicio. Ele era um bom homem, bonito, bem-sucedido.
– Benicio fez questão de pagar tudo – diz.
Olho-o e ele apenas sorri.
– Não sei o que dizer…
Todos sorriram.
Após o jantar, fomos para a sala, onde tomamos licor.
Percebi que Benicio parecia inquieto. Me olhava constantemente.
– Pai, poderia dar licença a mim e a Benicio?
Ele nos olhou e sorriu.
– Claro.
Indiquei a porta e ele me seguiu.
Caminhamos um pouco e ele permanecia com a mesma expressão.
– Nem sei como lhe agradecer – digo – acho que, apenas obrigada, não vai bastar.
– Não precisa agradecer – diz gentilmente – quando seu pai me contou, pedi a ele que me deixasse fazer isso. Queria muito lhe dar este presente.
Sorrio.
Ele parou quando nos afastamos o suficiente do casarão.
– Tem algo que queria lhe pedir – diz.
Nem precisava dizer o que era. Estava nítido.
– O que seria?
– Um beijo.
Tentei não parecer tão surpresa, mas também não muito indiferente.
– Há muito tempo quero fazer isso – diz se aproximando um pouco mais – tocar sua pele – diz passando a mão em meu rosto – você é tão linda Audrea…
Ele cobriu o espaço entre nós, e por mais que não quisesse sentir, lá estava eu, sentindo frio na barriga. Ansiosa.
Ele parecia analisar cada detalhe de meu rosto.
Quando finalmente se concentrou em meus olhos, pude ter noção de seu sentimento por mim.
– Eu amo muito você – diz e em seguinte uniu nossos lábios.
Era doce e gentil. Ele parecia receoso de que eu me afastasse. Então, num momento sem saber exatamente o que fazer, acabei por retribuir. E de alguma forma, gostei.
Sentido-se seguro, ele me puxou ainda mais para si. Pôs a mão entre meus cabelos e me acariciou.
Sua boca desceu para meu pescoço, e senti um calor subir.
Ele me cheirava e me beijava. Voltando pelo mesmo caminho, tornou a beijar minha boca, mas desta vez, com mais intensidade.
Sua mão estava em minha cintura.
Ele me segurava de uma forma, que parecia ter medo de que eu fugisse. Só aí percebi, que jamais teria isso com Albert. Todas as vezes ele me deixara ir.
Por um instante, esqueci Albert, papai, mamãe e todo resto; e concentrei-me apenas naquele belo homem que estava ali na minha frente, que, apesar de ter dito que seu eu não terminasse o quanto antes o que tinha com Albert – o que fora muito pouco, ou quase nada – ele contaria tudo. Mas, analisando a situação, afastar-me de Albert, era a melhor coisa a se fazer.