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Lorrana
Eu sou a Lorrana, filha do pastor Luiz. Tenho 20 anos, cabelo cacheado, olho claro e uma vida que tá longe de ser perfeita como todo mundo pensa.
Hoje cedo eu tava ajudando minha mãe a arrumar os bancos da igreja pro culto da noite. Ela cantava baixinho enquanto limpava, mas eu via no rosto dela que já não tinha a mesma paz de antes.
Meu pai tava no altar, de Bíblia aberta, mas não tava orando. Eu conheço meu pai. Ele tava nervoso, a mão tremia, o olhar dele corria pra todo lado. Do nada, ele fechou a Bíblia e falou:
Luiz: Eu preciso sair. Tenho umas coisas pra resolver.
Nem olhou direito pra gente. Saiu praticamente correndo, como se tivesse fogo nos pés. Eu fiquei parada, olhando ele sumir pela porta, e uma coisa apertou dentro do meu peito.
Eu sabia que vinha algo errado por aí.
Luiz
Não, eu não podia deixar eles me matarem. Eu não podia deixar minha vida acabar aqui. Eu sei que errei, mas quem nunca errou? Mesmo assim, eu ainda sou um servo de Deus. Por mais que muita gente desacredite de mim, por mais que eu tenha me deixado viciar, eu ainda sou um servo de Deus. Eu sou um dos maiores pastores da Cidade Alta e não posso deixar nada acontecer comigo. Eu não posso deixar o inimigo me envergonhar. E eu não vou deixar, mesmo que, pra isso, eu tenha que fazer uma coisa muito errada. Mesmo que, pra isso, eu tenha que errar de uma maneira que talvez não tenha volta.
Saí do morro olhando pra todos os lados, pra ter certeza de que eu não tava sendo seguido. Eu tinha que pagar uma dívida de cinquenta mil, e é claro que eu não tinha esse dinheiro. Usei todo o dízimo pra poder usar droga numa boate ontem à noite e ainda paguei umas marmitas. Mas é claro que os meus fiéis não podem saber disso, porque senão, que tipo de pastor eu seria? Tenho uma mulher, tenho uma filha, e pra elas eu tava no monte orando. É nisso que todos têm que acreditar: que eu tava no monte orando, pedindo pela vida dos fiéis, dos viciados, dos homens que traem a mulher... homens como eu.
Cheguei na delegacia tremendo todo. Eu precisava dar um jeito de botar aquele desgraçado na cadeia. O Urso não é exatamente o tipo de homem que perdoa, e não vai ser comigo que ele vai perdoar. Aquele desgraçado trabalha pro demônio. Sempre trabalhou. E mesmo que eu peça em nome de Jesus, ele não vai me desculpar.
Entrei na delegacia feito um desesperado, atrás do inspetor Gomes. Ele tinha me procurado há alguns dias e falado que me daria um dinheiro se eu conseguisse alguma informação, qualquer coisa que levasse a uma carga. E ontem, quando eu tava com as minhas marmitas na boate, escutei um vapor falando que ia chegar uma carga. Escutei até por onde a carga ia chegar, e era só isso que eu precisava pra poder me livrar dessa furada.
Gomes: Pastor Luiz, pensei que o senhor não ia aparecer aqui, mas confesso que fico feliz em te ver. Me diz que você tem alguma informação quente pra mim.
Luiz: Você sabe o que eu vou te falar... Eu tô com problemas financeiros. Eu preciso de cinquenta mil reais pra pagar uma dívida que eu tô. Se você me der esse dinheiro, eu juro que te dou a informação de uma carga que vocês vão conseguir prender bastante traficante.
Gomes: Hahaha, seu Luiz, com todo respeito, eu até queria poder te ajudar te dando cinquenta mil, mas não é assim que as coisas funcionam. Então a única coisa que eu posso fazer é garantir que o senhor não vai sair daqui preso. Você me passa a informação da carga e eu finjo que você não veio aqui me passar informação em troca de dinheiro. O que o senhor acha?
Luiz: Mas quando a gente conversou naquele bar perto do morro, você disse que se eu tivesse as informações, você me daria dinheiro.
Gomes: Quando eu falei dinheiro, eu não tava falando de cinquenta mil, seu Luiz. Você acha que um inspetor de polícia consegue te pagar cinquenta mil por uma informação de carga? Claro que não. É claro que, se a gente conseguir apreender, talvez eles te deem um dinheirinho, mas não vai passar de cinco mil. Infelizmente, isso é tudo que eu posso te dar.
Eu comecei a tremer, porque eu não queria sair dali preso. Mas eu também não podia passar uma informação desse tamanho por causa de míseros cinco mil. Eu tava devendo os cinquenta... merda. Respirei fundo, olhei pra ele e falei:
Luiz: Quebra essa pra mim. Eu preciso de pelo menos vinte. Se não, os caras do morro vão me matar.
Gomes: E eu posso saber por que os traficantes matariam um pastor? Não que eu queira me meter na sua vida, mas essa situação é um pouco estranha, não acha?
Luiz: Coisas da igreja. Eu pedi um dinheiro emprestado pro Urso, e agora eu não tenho como pagar. E se eu não pagar, ele vai me matar, porque ele não é exatamente um homem bom.
Gomes: Se a informação for quente, eu posso te dar vinte mil. Mas eu só vou poder te dar esses vinte mil depois que eu pegar a carga do Urso. Então vai me falando por onde a carga vai entrar, por onde vai sair, a quantidade de vapores, tudo que você conseguiu de informação, pra eu ver se vale a pena. Eu vou passar pro meu superior e depois vai ficar tudo certo.
Comecei a passar as informações que eu tinha escutado na boate. Eu não sabia se tava fazendo uma coisa certa, mas eu precisava desse dinheiro pra pagar minha dívida e eu não tinha mais pra onde correr. Sem falar que, se eles prendessem o Urso, eu ia conseguir seguir em paz, sem ele no meu pé.
Saí da delegacia da mesma forma que entrei: nervoso. Voltei pro morro e entrei em casa. A minha mulher tava colocando o almoço. Eu me sentei pra comer e falei com elas do culto. Agora é só esperar a polícia pegar a carga. Eles vão me dar os vinte mil, eu vou pagar metade da minha dívida e vai ficar tudo bem. E se Deus quiser, se Ele for comigo, o Urso vai ser morto nessa operação.