Desde que decidira que eu tentaria reencontrar a mãe, Amon já havia imaginado centenas de vezes qual seria a reação dela ao escutar que o rapaz e a sua frente era seu filho, aquele que por algum motivo acabou crescendo longe dela. Mas de todas as reações que ele imaginou, a que estava acontecendo há poucos metros de distância definitivamente não era semelhante a nenhuma delas.
A rainha era um mulher que deveria ter entre quarenta e cinquenta anos, apesar de parecer ser no mínimo uma década mais jovem. Seu cabelo era de um tom de loiro escuro, já com alguns fios grisalhos entre os dourados. O rosto dela era anguloso e elegante, apesar do rapaz constatar que não havia nenhuma semelhança entre ele e a rainha, talvez por ter herdado praticamente 100% da sua fisionomia física do pai, Mamon.
A reação da inicial mulher foi arquear as sobrancelhas, surpresa, mas se recuperando de forma rápida logo em seguida. Longos segundo se passaram enquanto o bruxo encarava a mãe, que encara de volta com uma expressão indecifrável.
— Você... Não vai falar nada? — Perguntou Amon, engolindo em seco e dando um passo para frente, sem desviar os olhos dos da rainha, que eram de um azul frio e um tanto apagado. Assim que o bruxo estava perigosamente perto, a rainha deu um passo para trás, não vou estar com medo ou algo do tipo, até porque o seu olhar selvagem não expressava nada além de indiferença, mas sim porque ficou receosa ao ver o rapaz entrando no seu espaço pessoal.
— Vá embora, rapaz. Saia tão silenciosamente como entrou que não irei contar a ninguém sobre a sua presença aqui. — ela disse, desviando o olhar e dando batidinhas na bainha do vestido longo cravejado com jóias, como se estivesse tirando algum pó invisível dali e sequer suportasse continuar olhando para o bruxo.
— O que?! Você é minha mãe. — Amon engoliu em seco, sem conseguir acreditar nisso. Ele deu mais um passo para frente, e dessa vez Rose não se afastou no centímetro sequer, erguendo o queixo e desafiando o bruxo a tentar fazer alguma coisa.
— Vá embora antes que eu chame os guardas reais.
— Por que?! Eu só queria que você me explicasse porque me abandonou!! Eu sou seu filho!!
— Meu filho?! Você era só parte de um acordo, garoto! — a mulher rosnou de volta, fazendo o bruxo morder o lábio com tanta força que ele sentiu algo quente e um tanto viscoso escorrendo contra a sua língua. Amon não conseguia sentir o gosto metálico por causa do feitiço que retirou o seu paladar, mas não precisava de gosto nenhum para saber que sua boca estava sangrando devido à mordida.
A mulher deve ter visto nos seus olhos que ele não iria ao lugar nenhum sem ao menos ter uma explicação, porque soltou um suspiro irritado e começou a andar em direção a uma das muitas portas que haviam no corredor, indicando para que o bruxo a seguisse. Amon começou a andar atrás dela em passos pesados e irritados, com os punhos cerrados e uma fúria misturada com tristeza reverberando pelo seu corpo, deixando seu coração pesado.
O cômodo que se estendia diante dele era uma enorme biblioteca, e assim que passou pela porta, ela foi fechada atrás dele.
— por que me abandonou? Por que está me tratando assim? — exigiu saber, vendo a mãe caminhar até uma mesa que havia no centro da biblioteca, pegar uma garrafa de vidro escuro e despejar um pouco do conteúdo dela numa taça de cristal, antes de levá-la até os lábios beber tudo com o único gole, ainda com aquele olhar irritado no rosto.
— Como falei antes, você não passou de um acordo. — ela disse com tranquilidade, como se estivesse falando sobre o clima. O bruxo soltou um rosnado de indignação, tentando saber porque raios aquela mulher, que havia lhe dado à luz, estava o tratando daquele jeito.
Amon tentou controlar a fúria e a tristeza, inspirando e expirando diversas vezes, como se o ar que entrava e saía dos seus pulmões de forma profunda fosse mudar alguma coisa.
— V-você falou em "trato"? — ele perguntou, lembrando do que ela havia falado pouco tempo atrás. A rainha virou-se para ele, analisando o seu físico de cima abaixo e franzindo levemente as sobrancelhas, ainda com a expressão decifrável que emanava um pouco de irritação.
— vinte e um anos atrás, quando eu era uma jovem tola e que não tinha nada na vida, procurei um bruxo que pudesse me ajudar a invocar um demônio com quem pudesse fazer um pacto para ter uma vida bem sucedida...
— Você fez um pacto com um demônio pra conseguir ser rainha? — Amon a interrompeu, completamente incrédulo. A mulher na sua frente era definitivamente uma das pessoas mais estúpidas, arrogantes e dissimuladas que já havia conhecido, mesmo que só estivesse falando com ela por um pouco período de tempo. Agora já não importava mais se ela era sua mãe ou não. Amon percebeu que foi um grande erro ter ido ali perder o seu tempo, achando inutilmente que encontraria uma doce mulher, que iria pedir perdão por tê-lo abandonado e aceitá-lo como filho.
— ... Até que depois de algumas tentativas, um demônio assustadoramente pálido surgiu. — a rainha prosseguiu com a sua história, ignorando totalmente a interrupção do bruxo, que cerrou os punhos com força e deu um passo para trás, querendo sair dali o mais rápido possível. Ele sempre imaginou que Mamon e a sua mãe haviam tido um caso de uma noite só, quando o véu que dividia os mundos estava fino o suficiente para que o demônio conseguisse atravessar sem problema algum para o seu mundo. — Ele disse que me daria o que eu queria, riquezas, um título e um marido, mas em troca eu teria que dar para ele um filho, algo que ele desejava muito.
— U-um filho? — a visão de Amon escureceu um pouco de tanta surpresa, enquanto a informação infiltrava-se no seu cérebro como enxame de abelhas.
— Aquele demônio miserável sequer quis dormir comigo ou algo assim. Ele disse que eu era suja e asquerosa até para os demônios escravizados do seu mundo, e que jamais enfiaria o p*u em mim. Aquele desgraçado trouxe um pouco da própria p***a e disse para eu colocar em mim, e só nove meses depois, quando realmente tivesse certeza de que eu levaria a maldita gravidez até o fim, que a sua parte do acordo seria cumprida e eu teria tudo o que quisesse. — A rainha terminou de explicar, voltando a encher a taça até quase derramar com o líquido vermelho escuro que havia dentro da garrafa, tomando tudo de uma vez só como da primeira vez.
Amon absorveu as palavras como se cada uma delas fosse um tapa. Ele ainda não conseguia acreditar naquilo, e no quão e******o havia sido por ter ido atrás daquela mulher. A história explicava o porquê do pai sempre ter demonstrado sentir repulsa da rainha, e não querer nada além de distância dela. Mas por que raios ele nunca havia falado nada? Pensou Amon.
— Satisfeito agora, rapaz? Agora peço que vai embora e nunca mais me procure. Se você não sabia disso, deveria resolver com o seu papaizinho. — ela disse por fim, dispensando o bruxo com simples abanar de mão, como se estivesse afastando um insignificante cachorrinho para longe.
— Só tenho mais alguns à dizer pra você. — Amor disse, se aproximando da rainha em passos silenciosos e calculados dessa vez.
— Diga e vá embora.
— Você me dá nojo. — Respondeu ele, cuspindo aos pés da mulher, antes de virar e começar a caminhar em direção à porta.
[•••]
Amon inspirou fundo enquanto andava rapidamente pelo corredor, tentando se acalmar e encontrar uma janela próxima e que desse acesso às árvores do jardim, mas o bruxo sabia que como estava no último andar, dificilmente iria conseguir um dos vitrais que tivesse tudo o que ele queria. Além disso, o padrão que usou para conseguir entrar ultrapassando as barras e o vidro talvez nem existisse mais.
O bruxo fez uma curva brusca em um dos longos corredores, tão atordoado m*l que anotou o fato de estar praticamente em cima de outra pessoa, batendo com a cabeça em um peitoral duro e quase caindo de cara no chão.
— Quem é você? — outra voz arrogante perguntou pela segunda vez naquela mesma noite, a diferença era que essa era bastante masculina.
— Sai da frente. — rosnou o bruxo, erguendo lentamente o rosto para encarar o homem que estava na sua frente, que estava vestindo um colete preto sobre uma camisa branca dobrada até os cotovelos, além de uma calça preta feita sob medida para o seu corpo musculoso e sapatos brilhantes. Tudo naquele rapaz emanava riqueza, e Amon não precisava ter visto um dos príncipes antes para saber que aquele rapaz na sua frente era um deles. A julgar pela idade, aquele ali era o mais velho, pois aparentava ter cerca de 25 anos.
O príncipe tinha uma pele marrom claro, alguns tons mais clara que a de Tristan. Ele era estupidamente bonito para ser um dos filhos do velho gordo que todos chamavam de rei. Seu cabelo era preto e absurdamente liso, que foi penteado para cima, apesar de algumas mechas rebeldes insistirem em cair sobre a sua terça como uma cascata. O rapaz tinha um maxilar quadrado, sem barba, o que deixava mais evidente o seu queixo que possuía uma covinha. Além disso, o príncipe era alguns centímetros mais alto que Amon, que desviou rapidamente dele e começou a seguir pelo corredor, mas foi rapidamente segurado pelo braço e impedido de continuar.
— Quem é você? — repetiu o príncipe, encarando os olhos do outro por apenas alguns segundos, antes de levantar os olhos um pouco mais e encarar algo logo acima da testa de Amon, que percebeu inutilmente o seu erro logo em seguida, levando a mão até a cabeça onde o capuz deveria estar, mas que agora estava pendurado nas suas costas, deixando completamente à mostra as suas mechas brancas e luminosas que definitivamente não eram naturais para um simples humano.
Amon viu a verdade refletida nos olhos castanho escuros do outro, que eu abriu e fechou a boca uma dezena de vezes, com os olhos levemente esbugalhados. A cena seria um pouco engraçada se um calafrio de medo e nervosismo não estivesse subindo pela coluna do bruxo, que puxou bruscamente o braço, se livrando do aperto do outro.
O rapaz mais novo estava pronto para correr, mas foi rapidamente agarrado pela cintura pelo príncipe, que tropeçou para frente devido ao impulso do bruxo que já estava começando a ganhar velocidade. Os dois caíram contra o chão em um baque surdo, num emaranhado de braços e pernas.
— Sai de cima de mim! — Gritou o moreno, embora não fizesse qualquer menção de tirar as mãos da cintura do bruxo, que estava estatelado em cima dele, com uma perna de cada lado e deitado no seu peitoral.
— Me solta primeiro, c*****o!! — Rosnou Amon, tentando se libertar dos braços do príncipe, que parecia estar travando uma batalha interna entre querer se libertar do bruxo e mantê-lo preso alí para não deixá-lo escapar.
— E-eu... Eu... GUARDAS!! ME AJUDEM!! — gritou ele à plenos pulmões, ainda agarrando a cintura do bruxo com força. Uma onda de puro terror passou pelo corpo de Amon, que não poderia ser pego ali dentro, e que se soubessem que ele era um bruxo teria sérios, mais muito sérios, problemas.
— Cala a boca!! — Amon tentou dar um soco no príncipe, que desviou com facilidade e continuou gritando. Amaldiçoando o i****a debaixo dele, Amon tentou inutilmente se concentrar em algum padrão que o ajudasse a escapar dali, mas ele estava tão atordoado que não conseguia pensar com clareza o que queria direito, deixando os padrões completamente turvos e confusos, principalmente por causa do nervosismo e da gritaria que o príncipe causava.
— GUARDAAAAAAAS!!
— Cala a boca seu maldito!! — Rosnou Amon, tentando agarrar o pescoço do Príncipe com as duas mãos e matá-lo sufocado de uma vez por todas, mas o rapaz moreno era incrivelmente ágil, se esquivando e o impedindo de fazer isso.
Soltando um rápido suspiro de desgosto, Amon fez a primeira e definitivamente a coisa mais estúpida que veio a sua mente: ele levou os seus lábios contra os do príncipe com força, querendo silencia-lo de uma maneira ou de outra, nem que fosse com a língua.