CAPÍTULO 07

2171 Palavras
Os acontecimentos seguintes foram tão rápidos que Amon praticamente não acompanhou metade deles. Ele tinha total ciência de que ainda estava beijando o príncipe quando uma enxurrada de guardas apareceram no corredor, acompanhados pelo próprio rei, que aparentava ter entre cinquenta e sessenta anos, careca e assustadoramente feio. A língua do bruxo ainda estava entrelaçada com a moreno quando a gritaria começou, fazendo eles se separarem rapidamente. Demorou alguns segundos para pequena multidão assimilar a cena que estava acontecendo há poucos metros. O bruxo viu o olhar de espanto e surpresa ao notarem seu cabelo, e alguns dos guardas deram um passos para trás, como se o bruxo pudesse fazê-los virar pó com um simples estalar de dedos, e na verdade ele podia, mas isso teria um preço a pagar bastante alto. — Benjamin? — o rei rosnou, encarando o príncipe e observando a cena, completamente estupefato. Ele com certeza havia visto o beijo, além de que Amon ainda estava sentado em cima dele com as mãos do moreno ao redor da sua cintura. — O que você está fazendo?! Com esse... Essa coisa?! — Pai... — Começou ele, com os olhos escuros arregalados, mas foi interrompido com um urro furioso do rei: — PEGUEM O BRUXO!! PEGUEM OS DOIS E TRAGAM ATÉ MIM AGORA!! — a voz estridente e estupidamente irritante do rei ecoou pelo corredor como se fosse amplificada a cada metro percorrido. Amon sabia que ter relações com pessoas do mesmo sexo era algo tão condenado quanto a bruxaria, e para um príncipe ser visto beijando outro rapaz, e esse rapaz ainda por cima é claramente um bruxo... Amon percebeu que havia criado sérios problemas para o príncipe i****a que não o deixou sair enquanto podia. Mas Amon decidiu que nunca iria ser capturado por aquele bando de idiotas e sujeito a uma das milhares de atrocidades que eles tinham em mente. O bruxo aproveitou os segundos em que os guardas hesitaram após a ordem do rei, pois estavam com medo o suficiente dele para não atacar logo de cara, embora as espadas empunhadas fazerem o rapaz engolir seco. Amon impulsionou o corpo para cima com toda a força que tinha, livrando-se do aperto de benjamin, que ainda parecia completamente atônito com a ordem do rei de caça-lo também. O bruxo levantou em passos cambaleantes e começou a correr pelo corredor oposto, agradecendo internamente os metros de vantagem que a distância dos guardas lhe proporcionava. Ele estava tão focado em continuar correndo e fazendo as curvas certas pelo corredor que sequer notou que o príncipe estava correndo perigosamente atrás dele. Não correndo 'atrás dele', mas sim correndo 'junto com ele'. Fugindo dos guardas assim como Amon estava fazendo. O príncipe sabia muito bem que ser acusado de sodomia era algo poderia levá-lo a ser julgado e morto. Ele queria parar e tentar convencer o pai de que tudo não passou de um m*l entendido, mas conhecendo o homem, ele sabia que o pai simplesmente iria ignorar isso, já que estava buscando motivos para se livrar do príncipe mais velho de forma sorrateira depois de inúmeras brigas e desentendimentos. — A culpa é sua!! — Rosnou o moreno para o bruxo, que só então percebeu a presença do príncipe ao seu lado. Amon sabia que não havia tempo explicações, além de que também não iria pedir desculpas pelo acontecido, pois foi o príncipe que tentou agarra-lo primeiro. Benjamin fez uma curva brusca no corredor seguinte que se bifurcava em três direções diferentes. Amon considerou se separar dele e continuar seguindo uma direção diferente para despistar os guardas, mas então lembrou que ele não fazia ideia de como era a planta do lugar e que estava apenas correndo às cegas, então escolheu a alternativa mais viável: seguir o príncipe, que havia morado ali por bastante tempo e sabia de todos os corredores e lugares por onde podiam fugir. Se Benjamin notou que o bruxo ainda estava o seguindo, não demonstrou nenhuma reação e sequer apareceu ligar. Os dois estavam tão focados em manter a própria pele a salvo que tentavam ignorar totalmente a presença um do outro. O príncipe era mais alto e tinha as pernas mais longas, mas Amon era incrivelmente rápido e não ficava muito atrás, apesar de sentir o músculo das suas coxas e das panturrilhas protestando a cada passo absurdamente veloz dado. Ele conseguiu ouvir os gritos dos guardas se aproximando, mas que ainda estavam longe o suficiente para deixá-los um tanto aliviados. Os dois fugitivos desceram as escadas para um andar logo abaixo em saltos de três em três degraus, agarrando nos corrimãos de madeira para terem onde segurar caso escorregassem. Alguns minutos depois, Amon percebeu que estavam descendo para o primeiro andar e indo até a parte dos fundos do castelo, onde havia a encosta da montanha repleta de árvores e longe de qualquer outra casa ou construção. Os dois passaram por uma cozinha escura e completamente deserta até chegar em uma velha porta de madeira grossa, que estava trancada com um cadeado enferrujado do tamanho do punho de Amon. — Merda, merda, merda! — o príncipe exclamou, tentando inutilmente arrancar o cadeado com os próprios dedos e abrir a porta. Pelo som, os guardas já estavam perigosamente perto, e apesar dos dois terem feito várias curvas para despistá-los, era só uma questão de tempo até serem encontrados. — Eu vou tentar. — Amon empurrou o Benjamin para longe com o ombro, para assim ter acesso à porta. Ele se concentrou no cadeado e fechou os olhos, buscando um padrão que o abrisse na sua mente. O bruxo não estava com tempo, então usou o primeiro padrão que apareceu na sua mente, e seria pago com dor. O problema é que o bruxo aceitou o padrão com tanta pressa que sequer se atentou a saber qual seria o grau ou o tipo de dor, e assim que o cadeado se abriu e caiu no chão com baque surdo, o rapaz sentiu uma fisgada absurdamente dolorosa no dedo indicador, e quando olhou para a mão esquerda, encontrou o dedo completamente arroxeado e em um ângulo estranho. — A-ai... — Ele gemeu baixinho e tocou o dedo quebrado, tentando ignorar completamente a dor e respirar fundo. O príncipe, que assistia a cena toda de perto, arregalou os olhos e abriu a boca para dizer alguma coisa, mas então percebeu que ambos estavam perdendo tempo ali dentro e deu um chute forte na porta, abrindo-a por completo e sendo recebido por um vento gélido e flocos de neve. Os dois começaram a correr para fora, cambaleando na neve espessa que estava acumulada no chão e chegava até o seu joelhos, mas naquela parte da floresta sequer havia luzes, e depois de entrar entre as árvores por pouco mais de vinte metros, os dois rapazes já estavam completamente escondidos na escuridão. O vento da madrugada era insuportavelmente frio, fazendo um calafrio subir pela coluna de Amon, que pegou um punhado de neve no chão para comprimir contra o dedo quebrado, apoiando as costas numa árvore e tentando manter em silêncio. — A-a culpa é toda sua! Seu bruxo!! — o príncipe se aproximou dele e apontou para sua cara, a sua expressão estava mais para assustada do que irritada, e olhar para ele fez Amon involuntariamente lamber os lábios. — Vai se f***r, cara. — respondeu o bruxo, sem tempo ou vontade de explicar justamente para aquele homem, que estava dando praticamente um chilique bem ali na sua frente. Amon definitivamente não precisava explicar porque beijou o príncipe, já que foi ele que o segurou e o impediu de sair do castelo, isso tudo depois do desastre que foi tentar conversar com aquela mulher que um dia chamou de mãe. Amon ignorou totalmente as acusações do príncipe e começou a andar pela floresta escura, contornando à uma distância segura o castelo e tentando estabelecer um mapa mental sobre como ele deveria voltar ao seu chalé, arrumar suas poucas coisas e dar o fora daquele maldito reino o quanto antes. A única coisa que o prendia ali era a chance de rever a mãe, mas agora, Amon queria o máximo de distância possível naquele lugar e se arrependeu arduamente de não ter ido com Tristan para o Leste, buscar novas aventuras por lá. Amon só percebeu que o príncipe estava o seguindo quando o rapaz moreno tropeçou em uma raiz e caiu de cara no chão quase aos seus pés. A noite nublada estava tão escura que o bruxo só conseguiu ver um vulto esparramado no chão, praguejando e praticamente invocando todos os demônios do inferno com todos os seus julgamentos. — O que você tá fazendo? — Amon pegou outro punhado de neve para pressionar contra o dedo quebrado e observou de relance o outro se levantar do chão, dando batidinhas na roupa chique para se livrar de todos os flocos de neve que haviam grudado nela. Amon percebeu que o príncipe estava praticamente congelando, já que as suas roupas não era feitas para o frio, pois o interior do castelo onde ele vivia era absurdamente quente. — Eu não tenho pra onde ir. — E o que eu tenho haver com isso? — Amon apressou o passo, fazendo o seu companheiro indesejado começar a andar mais rápido também. Os passos do bruxo eram incrivelmente silenciosos contra a neve fofa e profunda, enquanto os príncipe eram absurdamente pesados e brutos, como se apesar de toda agilidade, ele não conseguisse ser sequer silencioso. — A culpa é sua!! Você... Você me beijou!! — Exclamou o Príncipe, tentando segurar o braço de Amon, que se desvencilhou facilmente e continuou caminhando sem olhar para trás. A dor do dedo quebrado estava diminuindo, e agora não passava de um latejar insistente que reverberava pelos ossos do seu carpo e subiam pelo seu braço. Talvez fosse o frio quem estivesse diminuindo a dor, mas era justamente ele que causava um desconforto sobrenatural em cada centímetro de pele exposta do rapaz, que puxou o capuz sobre a cabeça para tentar conter e pedir as suas orelhas de praticamente congelarem. — Vai explicar para o seu papaizinho que eu ataquei e enfeiticei você, assim ele vai deixar você voltar para sua caminha confortável e ser paparicado pelos seus empregadinhos. — Amon não deixou de ser sarcástico, revirando os olhos. Para alguém que parecia ter vinte e cinco anos, aquele cara a um passo logo atrás dele parecia ser incrivelmente infantil. — Eu... Acredito que ele não vá acreditar nisso. Não nos damos muito bem. — o príncipe respondeu, apesar do seu tom deixar bem claro que ele não queria falar sobre o assunto. Amon soltou uma risada baixinha e cruzou os braços para esquentar as mãos debaixo das axilas, mesmo que isso fizesse o dedo quebrado latejar com ainda mais vigor. — Que bela família essa, ein? Vocês não passam de um bando degenerados malucos. A querida rainha que boa parte das pessoas adoram fez um pacto com o demônio para conseguir ser rica e casar com aquele velho gordo que parece um javali. E o senhor barril que todos chamam de rei se livraria do filho na primeira oportunidade. — a graça do pensamento fez o bruxo soltar outra risada amarga, desejando ter magia o suficiente para conseguir explodir aquele castelo inteiro. Ou melhor: ter coragem de dar em troca coisas importantes da sua vida para conseguir realizar tal feitiço, Já que é poder era algo que não faltava para ele. O príncipe ignorou propositalmente a alfinetada do bruxo, que agradeceu internamente por isso, porque não iria explicar nada para aquele rapaz que sequer conhecia direito. Amon considerou fazer um feitiço que apagasse benjamin por alguns minutos, apenas por tempo suficiente para ele está um pouco longe dali e não ser possível mais encontrá-lo, mas o bruxo sabia que você fizesse isso era bem provável que o príncipe morresse congelado, e apesar de não ser uma das pessoas mais honestas e certinhas do mundo, Amon definitivamente não mataria alguém sem que fosse realmente necessário. — Então... O que você vai fazer agora? — o bruxo perguntou depois de alguns minutos, quando a curiosidade finalmente venceu o desejo de continuar calado. Ele queria seguir o seu próprio caminho sozinho, mas o príncipe não parecia sequer saber para onde ir ou como sair daquele emaranhado de árvores na encosta da montanha. — Não sei. — Respondeu benjamin, olhando por cima dos ombros como se ainda conseguisse ver o castelo cinzento e absurdamente alto, apesar dos dois já estarem bastante adentro na floresta, há uma boa distância de lá. Amon não sabia se os guardas ainda estavam procurando por eles, mas a resposta provavelmente seria sim, já que bruxaria e sodomia eram os crimes mais graves para os humanos, que com sua burrice estagnada, não conseguiam entender a naturalidade das duas coisas. Amon e benjamin continuaram caminhando por longo tempo em silêncio, focados nos seus próprios problemas e tentando não entrarem no espaço pessoal um do outro.
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