Pré-visualização gratuita PRÓLOGO
PRÓLOGO – A FAVELA É PALCO, MAS TAMBÉM É COVA
A primeira coisa que se ouve no Morro Azul não é o som da música. É o silêncio entre os tiros.
O segundo é o sussurro do nome dele.
Kevão.
Não é um apelido qualquer. É sentença. É ameaça. É o som que faz até o portão ranger mais devagar quando ele passa.
Dizem que ele não sorri desde que enterrou o pai. Dizem que já matou homem com um piscar de olho. Dizem que nasceu pra ser rei. Mas ele sempre soube que, naquele chão, só se reina com sangue na sola e pólvora no peito.
O Morro Azul tem dono. E esse dono tem olhar de predador, tatuagens que contam histórias que ninguém sobreviveu pra desmentir, e a calma de quem aprendeu cedo que gritar não assusta — quem cala é que mete medo.
---
Na outra ponta da cidade, longe do cheiro de pólvora e do comando do tráfico, uma mulher dança.
O nome dela é Rebeca dos Santos.
Ela dança com os olhos fechados e os punhos cerrados. Porque ali, no movimento do corpo, ela expulsa o que o mundo tentou enterrar dentro dela.
Ela não dança só com o quadril. Ela dança com a raiva. Com a memória do irmão estendido no asfalto. Com a voz da mãe pedindo força. Com as cicatrizes de quem ouviu a vida inteira que não era suficiente.
Rebeca é gorda. Morena. Brava. Linda do jeito que incomoda. O tipo de mulher que não pede espaço — ela toma.
E vai tomar mais ainda. Porque amanhã ela volta.
Não pro palco. Pro campo de guerra.
---
Entre os becos da favela, o nome dela começa a se espalhar. Como fofoca. Como provocação.
— “A irmã do Fábio.” — “Aquela que quer dançar na escola.” — “A que fala grosso e veste justo.” — “A que acha que vai mudar o mundo com passinho.”
Kevão ouve isso deitado numa cadeira de plástico, fumando devagar. Rato vem falar no ouvido, Canela dá risada, os menor da boca imitam rebolado pra zoar.
Mas ele não ri.
Só trinca o maxilar e solta:
— “Se ela quer dançar… então que dance na beira da cova.”
Kevão não tolera desafio. Não aceita brilho que ele não acendeu. E mulher que sobe o morro com peito estufado, pra ele, é igual vela em dia de vendaval — só dura até ele soprar.
---
Só que Rebeca não é vela. É fogueira.
E o fogo dela foi aceso com gasolina e humilhação.
---
Desde pequena, Rebeca aprendeu que sua existência era uma afronta. No colégio, riam do corpo. Na igreja, pediam pra ela se cobrir. Na rua, os olhares vinham antes das palavras.
Mas em casa… Em casa tinha o Fábio.
O irmão que dançava com ela no corredor. Que dizia: “tu é linda, Becas. Gorda é tua força.” Que sonhava tirar os dois do morro e abrir uma academia.
Fábio morreu com três tiros nas costas. E Rebeca dançou no enterro. Não por falta de dor. Mas porque era o único jeito que conhecia de não morrer junto.
Desde então, prometeu: Se for pra viver num mundo que odeia corpo livre… então que meu corpo vire guerra.
---
Kevão herdou o comando da favela como quem veste armadura. Não porque quis. Mas porque foi moldado pra isso.
Cresceu vendo o pai arrancar verdade com soco. Aprendeu que quem sente… apanha. E quem chora… perde.
Então ele não sente. Ele reage.
Com ferro. Com medo. Com ordem.
E agora, uma mulher vai subir o morro com o nome do irmão morto e um projeto da prefeitura.
Vai subir dançando.
Vai subir falando.
Vai subir com brilho.
E isso, pra Kevão, é heresia.
---
Mas o que ele não sabe — ainda — é que Rebeca não dança pra ele. Nem contra ele.
Ela dança porque é o que a mantém viva.
Ela dança pra provar que funk não é bagunça. Que raba não é convite. Que mulher não é freio. Que o corpo dela carrega história demais pra se esconder.
E quando ela pisar naquele chão marcado por bala, luto e terror…
O morro vai tremer.
Não por causa do crime. Mas porque, pela primeira vez em muito tempo… alguém vai subir com mais poder no peito do que na cintura.
---
Esse não é só um romance. É um confronto.
É a história de um homem que nunca soube o que é ser recusado. E de uma mulher que passou a vida sendo rejeitada — até perceber que quem se recusa a abaixar é quem mais incomoda.
E agora…
Eles vão se cruzar.
Na quebrada. No olhar. Na dança. Na guerra.
E quando o baile estourar, o silêncio vai acabar.
Porque o morro tem dono.
Mas a rua também.
E às vezes, o trono… não é de quem impõe medo. É de quem dança por cima dele.
Ela subiu o morro pra ensinar…
Mas vai é dominar.
E o terror da favela?
Vai acabar rebolando no ritmo dela.
Não perca.
Vai ser ela no comando.
E ele… no colo.
POR QUE ESCREVER “FAVELADA & PESADÃO?
Porque não é sobre mim.
É sobre elas.
Sobre as mulheres que cresceram ouvindo que o corpo delas era problema.
Que eram "grandes demais", "ousadas demais", "intensas demais".
Que não combinavam com o amor.
Nem com o protagonismo.
Nem com o final feliz.
Eu não passei por tudo isso.
Mas sei que muitas passaram.
E doeu em mim também.
Doeu ver mulher gorda sendo tratada como piada.
Sendo escondida nas histórias, silenciada nas capas, ignorada nas fantasias.
Então eu escrevo.
Escrevo pra dar voz, corpo e trono pra quem sempre tentaram calar.
Pra quem cansou de esperar por representatividade e resolveu criar a própria.
Rebeca é isso.
Não é só personagem. É símbolo. É resposta.
Ela sobe o morro, sim. Mas não pra pedir licença — pra mostrar que o espaço também é dela.
Ela dança com raiva.
Fala com marra.
E encara o “dono do morro” sem medo.
Porque às vezes, o terror da favela… vira só mais um cara quando encontra uma mulher que sabe quem é.
Favelada & Pesadão é por cada mulher que já se sentiu apagada.
Por cada uma que foi excluída de cena.
Por cada corpo que tentaram esconder.
Eu escrevo porque eu vejo vocês.
E essa história é de vocês também.
Essa história não é só um livro.
É uma resposta.
É um grito com batida.
É um rebolado na cara de quem duvidou.
Porque já passou da hora de ver mulher gorda sendo protagonista.
Não a amiga.
Não a piada.
A dona da p***a toda.
Ela dança com ódio.
Fala com verdade.
E pisa onde disseram que ela nunca ia chegar.
“Favelada & Pesadão” não é romance fofo.
É tapa.
É funk.
É favela.
É fogo.
E quem achou que ia mandar nela…
Vai acabar no pé dela.
Dia 01 de maio ela sobe o morro.
E o morro nunca mais vai ser o mesmo.
Adiciona na tua biblioteca.
Não perde uma linha.
Porque quando essa mulher chega,
ninguém fica de pé.
Uma obra minha.
Pra incomodar.
Pra marcar.
Pra f***r com o sistema.