Júlio parecia sempre esconder algo. Mesmo quando não queria, sempre parecia estar com segundas intenções, preparado para dar o bote.
Mais uma noite sentado na plateia do bordel, esperando a apresentação de Yasmin. Agora sentava bem na frente para provocá-la.
Ela não se deixava intimidar. Quanto mais a despia com os olhos, mais se utilizava da dança para provocar.
Ele ficava olhando cada detalhe do seu corpo.
No final todos aplaudem. Yasmin sai do palco e Júlio pega em seu braço e a puxa para si. Outros levantam para tentar defender a moça, mas Júlio sinaliza para eles e diz: - Fiquem calmos, só quero conversar com a moça, se ele me permitir.
Yasmin não queria discórdia ali. Sabia que se continuasse ignorando o juiz, ele não desistiria. Ela olha para o seu braço, impondo a condição com o olhar de que ele a soltasse.
O que ele faz.
Ela senta-se à mesa junto com ele.
Ele tenta servir-lhe vinho. Ela não aceita, dizendo: - Não bebo nada com álcool.
Ele diz com seus olhos cheios de paixão: - Claro que não…
Ele pede água para um senhor que servia as mesas. Yasmim toma um gole para demonstrar boa vontade.
Ele observa cada detalhe seu, o que a deixa encabulada. Fingia não se importar, mas sentia em sua pele o desejo daquele homem. Era algo que tirava seu chão. Exatamente como quando jovens.
Júlio, de forma suave, o que era raro, diz: - Você é muito graciosa dançando.
A moça responde: - Sei o quanto deve ser difícil, para alguém como o senhor, utilizar-se de uma palavra tão educada e gentil.
Júlio sorri com ar de superioridade. Quanto mais ela o repelia, mas sabia que a teria, por bem ou por m*l.
Madalena aproxima-se preocupada: - Lamento Júlio, mas Yasmin é dançarina e não dama da noite, como já lhe expliquei em outras noites.
Júlio: - Não estou aqui para tratá-la como prostituta. Quero apenas conversar e conhecê-la. Percebo que tem péssimas ideias a meu respeito. Gostaria…- para olhando para Yasmin: - De apenas uma chance de modificar essa impressão.
Yasmin diz: - Creio que o senhor teria que nascer novamente.
Júlio sorri novamente com satisfação. Amava isso nela. Era como um animal selvagem... era isso...Yasmin era como uma presa e ele o caçador. Estava mais para um capricho que amor.
Madalena tenta interferir novamente: - Poderíamos ver Yasmin em mais um número?
Júlio diz: - Se após o número a dama me der mais uma chance de conversar.
Yasmin não sabia o motivo disso. Tudo nele comprovava não ser digno de sua atenção, mas sabia que não desistiria. Ela responde: - Com certeza, após a dança, vou lhe dar a chance de mais uma conversa. - ela levanta-se altiva, ele sorri satisfeito. Por bem, ou por m*l ela estava baixando a guarda…
Yasmin dança uma linda música: Good King Wenceslas.
Em sua apresentação, todos observam o juiz, sem esconder suas verdadeiras intenções. Sim, ele tivera uma ideia para conseguir finalmente a moça. Nada correto ou nobre, mas lhe daria o que finalmente queria.
Sofia estava contrariada. Ele nem tinha olhado para ela naquela noite. Estava o tempo todo em frente ao palco, babando para Yasmin, que o ignorava completamente.
Após a dança, Yasmin senta-se à mesa de Júlio, dizendo: - Pois bem, cá estou novamente.
Júlio: - Lembro de você dançando mais nova. Sempre gostou de dançar.
Yasmin: Sinto-me livre quando estou dançando.
Júlio suaviza por um momento seu olhar. Parecia aquele jovem doce de antes. Ele diz: - Lembro que queria viver na floresta. Plantar, e cultivar ervas, alimentos...vier isolada.
Yasmin: - Doce sonho de criança. Mas talvez um dia more distante. Infelizmente não podemos viver sozinhos.
Júlio: - Ainda gostaria?
Yasmin: - Se pudesse, sim. Se bem lembra...as pessoas me causam m*l estar. Sinto-me fraca diante delas, sem energia.
Júlio: - Lembro sim… éramos amigos, embora você não fosse muito de ter amigos… ao menos para mim você era uma amiga. - Na verdade ela sempre foi mais que isso.
Yasmin: - Você era meu único amigo, Júlio.
Ele olha para ela espantado. Como podia lhe dizer isso depois do que fez? Achava que nem o considerava ou o enxergava. Seu olhar era de confusão e dúvida.
Yasmin olha bem para os olhos dele e reafirma: - Sim. Você era meu único amigo... Não tinha modos, era muito antissocial, mas se tinha alguém que conhecia o meu melhor lado, mesmo ainda sendo arisco, era você.
Júlio sente seus olhos marejarem. Estava envergonhado. Não podia demonstrar sentimentos.
Yasmin percebe sua emoção e seu acanhamento diante dela. Sentia em seu coração uma ternura, lembrando de como ele era quando menino. Um pensamento lhe passava em sua mente: será que tinha sido a responsável por sua mudança?
Fugindo de si e dela, ele levanta-se, dizendo: - Eu agradeço nossa conversa. Foi muito gentil me dizendo tudo que falou…
Yasmin: - Fui verdadeira e sincera com você.
Ele saiu, visivelmente transtornado. Nem mesmo Sofia tentara conversar. Perdido em seus pensamentos tenta controlar-se. Sabia o que aconteceria se baixasse a guarda novamente. Ela certamente o humilharia novamente. Ou você domina ou é dominado. Essa era a única verdade da vida. Seus pensamentos estavam conflitantes. Uma parte pensava nela com carinho, cuidado e ternura. A outra lembrava de sua risada fria diante da revelação de seus sentimentos, e pensava nela com raiva, cobiça e malícia, sem sentimentos.
Ele sabia o que tinha que fazer. Um semblante carregado de maldade lhe tornara imune ao bom lado da moça. Ele entra em uma Taberna, conhecida como a pior da cidade. Ali, muitos homens de olhares assassinos. O local era frequentado por bandidos, homens sem caráter e sem escrúpulos. Estranhamente Júlio, o juiz, era bem recebido. Cumprimentando muitos, senta-se em uma mesa que parecia ser-lhe reservada.
Um senhor com uma toalha no ombro aproxima-se lhe servindo um vinho. Júlio agradece. O senhor sai e ele sinaliza para um homem com uma grande cicatriz no rosto. O homem toma toda a sua bebida, pede mais um copo cheio e vai até a mesa do juiz.
Sentando-se, Júlio diz: - Tenho um serviço para você.
O homem coça sua barba e dá um sorriso macabro, deixando mostrar seus dentes de ouro.
Após falar com o tal homem, Júlio alcança um saco de ouro para o homem, levanta-se, vai até o balcão e paga a bebida de ambos, saindo.
Ele andando na rua, diz em voz alta: - Você será minha, Yasmin. Isso lhe garanto. Nem que seja para lhe jogar na rua depois.
Madalena fecha o prostíbulo. Suas meninas ajudam na limpeza e todas vão deitar. Yasmin está em seu quarto penteando seus cabelos.
Madalena, bate na porta, dizendo: - Posso entrar?
Yasmin: - Não precisa nem perguntar.
Madalena pega a escova e começa a escovar os cabelos da moça: - Lembra quando você era pequena que não gostava?
Yasmin: - Você tinha que correr atrás de mim para tirar os nós que se formavam embaixo, perto da nuca.
Madalena fica ali escovando, pensativa.
Yasmin: - Vamos, diga o que quer.
Madalena: - Sou tão previsível assim?
Yasmin: - Transparente.
Madalena silencia uns instantes e diz: - Estou com medo.
Yasmin: - Você?
Madalena: - Pois é…
Yasmin: - Medo do que?
Madalena: - De Júlio.
Yasmin: - Ele late, mas não morde.
Madalena: - Ele não é mais aquele menino que saiu correndo quando você riu dele.
Yasmin: - Hoje vi exatamente aquele menino na minha frente.
Madalena: - Não se iluda. Aquele menino não existe mais.
Yasmin: - Talvez esse tipo de malvado sem coração seja apenas uma armadura para esconder o menino.
Madalena: - Bem se vê que não o conhece. Ele é capaz de tudo. Já o vi em seu pior momento.
Yasmin: - Vocês se conhecem bem... quando eu fui morar fora, vocês tiveram algo?
Madalena para de escovar os cabelos, dizendo: - Não, pelo amor de Deus!
Yasmin estranha a atitude, afinal sua mãe não era uma moça cheia de acanhamentos...Ela diz: - Qual o motivo da sua reação.
Madalena: - Júlio está mais para um filho.
Yasmin diz: - Acaso ele seria?
Madalena: - Pelo amor de Deus, não!
Yasmin: - Desculpe. Só não entendo seu cuidado com ele. Há um carinho, um zelo.
Madalena: - Há coisas entre nós que você não sabe.
Yasmin olha séria.
Madalena: - Nada de romance ou filiação.
Yasmin: - Acaso é o que?
Madalena: - Não posso falar, mas sinto afeição por ele, mesmo sendo quem é.
Yasmin:- Hoje até que consegui sentir uma por ela também.
Madalena fala enfaticamente: - Não se iluda. Ele não tem mais um coração.
Yasmin: - O que ele fez de tão r**m assim?
Madalena: - Basta você saber que é capaz de tudo.
Yasmin fica assustada.
Madalena: - Só prometa que ficará o máximo que puder longe dele.
Yasmin: - Eu tento, mas ele não me larga. Acho que é pior evitá-lo. Tentei hoje ser cordial e lembrá-lo de quem era.
Madalena: - Entenda que ele não vai ligar. Já não existe coração ali, nem bons sentimentos.
Yasmin: - Meus Deus, mas como pode isso? Algo bom tem que ter sobrado naquele homem?
Madalena olha para a filha. Admirava seu otimismo. Já havia lidado com a escória da sociedade...sabia o que estava dizendo.
Yasmin diz: - Vou tentar ficar longe, se acha que é o melhor, mas eu acredito que só vai piorar. Ele me quer como um troféu.
Madalena: - Sinto calafrios quando percebo o modo que ele te olha. Já tentei conversar com ele. Vou ter que pedir que Lúcio interfira, mas temo que seja pior.
Yasmin: - Por tudo o que me contou dos dois, creio que aí mesmo que ele irá piorar. Alguém como Júlio, o melhor é ter logo o que quer.
Madalena: - Ele quer você. É isso que quer? Ser dele.
Yasmin: - Não vejo outra forma. Assim perde a graça logo.
Madalena: - Ou a obsessão piora.
Yasmin: Prometo que ficarei quieta até você decidir o que é melhor.
Madalena o abraça dando um beijo na testa e depois limpando o batom: - Essa é minha menina. Sempre ouvindo sua mãe que tanto a ama.
Yasmin: - Sei que só quer meu bem.
Madalena ainda abraçada nela, diz: - Daria minha vida pela sua.
Júlio depois de beber um monte estava dormindo. sonhava que Yasmin dançava somente para ele em seu quarto.
Em seu sonho a moça sorria e o provocava, dançando bem pertinho quase lhe beijando. Ele sentia paixão em seus olhos e estava feliz e leve como quando jovem. Seu coração sorria novamente sem o peso de tudo que era m*l e confuso.
Finalmente eles se beijam e se amam de maneira ardente. Júlio acorda suado e na mesma hora que abre seus olhos sente o peso de ter sido apenas um sonho. Era mais que desejo, era amor. Seu corpo precisava dela mais que um capricho ou uma necessidade instintiva. Ele a amava e precisava dela por isso. Somente ela iria suprir-lhe sua fome e sede de amor. Tê-la não era apenas um capricho, era a única forma de se ter paz. Em sua cabeça o sonho se repetia. Ele pensava nos beijos, na sua pele, no seu cheiro e em como queria segurá-la em seus braços e sentir-se vivo, fazendo-a sentir-se viva.
Em uma fúria momentânea, diz para si mesmo: - Tolice. Ela o odiava e desprezava. Novamente lembrara das risadas, quando declarou seu amor. Ele não podia se entregar. Faria o que decidiu fazer. A teria de qualquer forma e a ilusão de algum sentimento simplesmente desapareceria. Era uma cisma. Precisava se vingar daquela menina tola que riu de seus sentimentos...era somente isso.
Ele tenta dormir, mas o sonho vem à mente. A sensação de tê-la em seus braços era muito boa. A melhor que tinha sentido durante toda sua vida. Mais uma tolice. Era apenas um sonho. Acaso um juiz, racional, cheio de si, daria importância a um sonho, como uma mulherzinha romântica que gosta de histórias tolas?
Ele precisava conter-se. Era imune ao amor, a sentimentos banais. Era forte, destemido, vencedor. Ele dominava e pegava o que queria à força, sem pedir para ninguém. Aguentava Lúcio. Ah, sim...ele entrava em sintonia, com seu lado sombrio, toda vez que lembrava do seu irmão. Se precisava acordar e ser ele mesmo, bastava lembrar de Lúcio e de sua cara sonsa e senso de justiça patético. Sempre querendo ser o mocinho, o herói. Como se o mundo fosse preto ou branco. Todos têm um preço até o i****a dele. E descobriria qual era o preço do seu irmão. Nesse momento pagaria o tal preço e o teria em suas mãos. O mundo era cinza e provaria para Lúcio...e para seu pai ...esteja ele onde estiver. Sim...os fins justificam os meios...essa era a verdade. Dois insuportáveis com suas regras morais e senso de ética ingênuo, que só mantinham para se sentirem superiores a todos. Provaria estar certo. O mundo era dos espertos como ele. Afinal quem estava no poder? Lúcio era um fraco.
Ele vai até a sala e pega uma garrafa de vinho, trazendo para seu quarto. Precisava dormir e tirar aquela rameira enrustida de seus pensamentos. Cigana maldita! Feiticeira! Bruxa! Era algo assim. Só podia ser feitiço. Iria procurar uma outra que lhe fechasse o corpo. Já sabia quem. Sofia lhe havia apresentado. Alguém que lidava com magia pesada, voltada para o m*l. Lidava com sacrifícios e o que tinha de pior. Duvido que não o protegesse daquela mulherzinha insolente e sem coração.
Ele já estava bêbado novamente. Quanto mais bêbado, mais agressivo. Chamava Yasmin de vários nomes, como se conseguisse tirar de seu coração todo aquele sentimento. Infelizmente não era forte para curá-lo de tanta dor e feridas. Júlio estava longe de Deus...já não o sentia ou o enxergava.
Júlio estava entregue e bêbado. Nada mais importava para ele...só a ideia de ter Yasmin de vez para ele... possuir e mais nada... sentimentos eram algo tolo... para fracos. Dentro do seu coração sentia amor...era algo ainda muito tosco.... precisando lapidar... mas era o melhor que havia naquele jovem tão cheio de um lado sombrio e sem vida. Lúcio construía da mesma forma que Júlio destruía. Era como se carregasse uma maldição dentro de si que acabava com tudo ao seu redor com força.