CAP 4 - LÚCIO E AMÁLIA PARTE 2

3683 Palavras
Nicolau entra na sala já dizendo: - Finalmente alguém conseguiu domar minha filha megera! Lúcio tenta, mas não consegue se contar: - Não creio que Amália precise ser domada, mas sim, entendida e respeitada. Nicolau, cinicamente, fala: - Vejo qual sua estratégia vencedora. Aprecio muito isso, meu jovem futuro genro. Vamos tratar dos pormenores do casório. Os dois ficam conversando, enquanto Amália parece sonhar acordada em seu quarto, lembrando de Lúcio. A moça teme estar se apaixonando. Já acompanhava o rapaz pelas notícias locais, mas conhecê-lo mais de perto certamente lhe trazia encantamento. Nicolau e Lúcio assinam um contrato, feito e exigido pelo pai da moça. Mesmo contrariado, ele assina para garantir a liberdade de Amália daquela casa de loucos. Após assinar, Nicolau serve mais um porto: - Vamos brindar e comemorar. Agora que acertamos tudo, vou deixá-lo cortejar minha menina devidamente. Faça sua mágica e a mantenha suave e cordial, por favor. Quanto menos me incomodar com esse assunto, melhor. Lúcio finge entender suas palavras e concorda com a cabeça. Nicolau levanta-se e mostrando a porta, diz: - A tarde, venha buscá-la para passear. Temos terras lindíssimas e locais graciosos para um romântico piquenique. O casamento, conforme contrato, será daqui a um mês. Minha amada esposa cuidará dos preparativos e coisas de mulher. Lúcio vai para a casa para voltar à tarde. Amália está lendo um livro, deitada em sua cama. Clara entra delicadamente. Amália sorri, dizendo: - Entre, minha doce irmã. Clara: - É isso mesmo? Você vai se casar? Amália: - Parece que sim. Clara: - Mas faz cinco anos que está fugindo disso. Amália: - Justamente por isso. Papai não irá aguentar mais minhas rebeldias. Já estou, para o gosto popular, encalhada. Serei rifada pra qualquer velho babão. Assim sendo, prefiro alguém com caráter, como o senhor Lúcio. Clara, sentando na cama, diz: - Você confia nele? Amália fica pensativa e depois de segundos diz: - Sim. Algo nele me faz descansar a alma. Angélica estava ali. Fechou seus olhos e lembrava daquele momento, em que seu peito encheu-se de amor por Lúcio. Era a primeira vez que teve certeza disso. Clara: - Posso morar com você? Amália: - Meu bem, se pudesse te levaria. Clara: - Você pode. Não tenho utilidade para nosso pai. Amália: - Não diga bobagens. Clara: - Sabemos que, assim como te chamam de megera, me chamam de louca. Amália: - Não diga isso. Clara: - Sabe bem que é verdade. Amália abaixa o olhar. Sua irmã via espíritos. Para toda a cidade era tida como Clara a Louca. Seu pai tentara esconder, mas já tinha caído no gosto popular. a considerava um estorvo eterno. Ninguém jamais a cortejaria. Só mesmo teria futuro em um convento. Clara: - Bem sabe que irei para um convento. Prefiro ficar com você. Amália olha para sua irmã comovida. Ela diz, sem garantir nada: - Vou conversar com Lúcio, quando vier me cortejar. Clara a abraça feliz. Amália fala: - Não estou garantindo nada. Afinal, em nossa sociedade, o homem ainda define tudo. Creio que ele é diferente, mas ainda assim, preciso conversar com ele. Infelizmente terei que aprender a pedir permissão ao marido. Já foi difícil acatar o meu pai, mas terei que aceitar meu destino. Clara fala com cara de marota: - Está se acostumando rápido demais...acaso está apaixonada? Amália sorri e brinca: - Está sendo muito intrometida. As duas riem juntas e se abraçam. Clara vê Angélica, mas não diz nada. Amália praticamente criara Clara. Logo que suas esquisitices iniciaram, muito pequena, foi rejeitada pelos pais e irmãs. A única pessoa que a acolhia e entendia era Amália. Clara já havia visto Angélica antes. Parecia alguém familiar, mas não a reconhecia ser Amália, em um futuro. Com medo de aborrecer sua irmã, mesmo que nunca demonstrasse qualquer julgamento a respeito de suas visões, querendo muito morar com ela, resolve apenas se calar e guardar para si. As duas ficam conversando. A tarde chega e Lúcio vem para um piquenique, conforme seu futuro sogro definira. Na sala estão bordando: Clara, Amália e a esposa de Nicolau. Ele está fumando um charuto. Lúcio entra, cumprimenta tirando seu chapéu. Ele, gentilmente diz: - Vim buscar Amália para um piquenique. Nicolau levanta-se, demonstrando empolgamento: - Que ótima ideia. Aqui em minhas terras tem muitos locais lindíssimos para um piquenique. Amália olha para seu pai e depois para Lúcio: - Podemos levar Clara? Nicolau diz: - Minha filha, vejo que vocês dois tem muito o que conversar antes do casamento. Deixe sua irmã aprender o bordado com sua mãe. Lúcio, não querendo contrariar Nicolau, não diz nada. Amália guarda seu bordado e engancha em seu noivo. Os dois saem. Lúcio, querendo deixá-la decidir, para agradar-lhe, pergunta: - Tem algum lugar que queira ir? - fala ajudando-a a subir na charrete. Amália: - Tem sim. Logo mais adiante há um lago com uma vasta e frondosa árvore. Lúcio sinaliza para seu condutor. Chegando ao lago, ambos descem e arrumam tudo em frente ao lago, embaixo da tal árvore, com um vistoso pé de hibiscos cor de rosa. Eles conversam e Amália estava distraída olhando o horizonte. Percebe que Lúcio está na beira do lago, um pouco distante, fazendo algo. Ao olhar para o lago percebe uma flor do hibisco chegando pelas águas. Lúcio havia colocado lá e tentava fazer chegar até Amália com as mãos. Ela olha para a flor, depois para Lúcio e sorri. Então aproxima-se e pega a flor. Lúcio chega perto, tira a flor de sua mão e a coloca em seu cabelo, sentando-se do seu lado. Suavemente tenta aproximar-se e lhe dar um beijo, mas ela vira seu rosto. Ainda era muito cedo. Ele abaixa a cabeça e não diz nada. Amália inicia a conversa com ele: - Gostaria de conversar com você sobre um assunto delicado. Lúcio fala: - Você pode falar sobre o que quiser comigo, Amália. Amália faz uma pausa, aliviada e inicia a conversa: - Sabe os rumores sobre minha irmã Clara? Lúcio faz sim com a cabeça, demonstrando não concordar com o que falam. Amália: - Papai está conversando com os padres para colocá-la, ano que vem, em um convento. Lúcio: - Ela possui vocação religiosa? Amália sorri com a pergunta dele: - Desconfio que não. Lúcio: - Meu irmão Lucas é padre. Tem que se ter muita vocação. Vida religiosa não é um refúgio para nada. Antes é um encontro a serviço de Deus. Amália: - Concordo com você. A sociedade praticamente joga para a vida religiosa, pessoas que não correspondem às suas expectativas. Os excluídos. Muitos religiosos, se quer conhecem a Deus e ficam o representando da pior forma possível. Lúcio: - Justamente. Amália: - Sabendo da notícia do casamento…- ela faz uma pausa ensaiando. Lúcio já responde: - Pode sim. Amália, surpresa, diz: - Como? Lúcio: - Ela pode vir morar com a gente. Não é isso que queria me perguntar? Embora saiba que não precisa pedir minha permissão para nada. Não a quero diferente do que é. Amo você exatamente como é. Amália fica com suas bochechas rosadinhas. Nunca tinha escutado que alguém a amava, muito menos um homem. Ela sorri novamente. Era fato, aquele homem a encantava de uma forma inexplicável. Era como um sonho bom acontecendo. Lúcio sorri de volta e diz: - Hoje, ao te levar para casa, conversarei com seu pai sobre isso. Amália: - Espero que ele aceite. Lúcio: - Vou convencê-lo. Confie em mim. Amália confiava. Sabia que conseguiria. Repousava perto dele. Era como se lhe desse toda a paz do mundo em um só olhar, gesto ou sorriso. Os dois se olham nos olhos, demoradamente. Lúcio toma um pouco de suco de uva, seu favorito. Amália, pela primeira vez, em seu anel de formatura. Ela olha para sua mão e uma estranha sensação vem no seu coração. Reconhecia aquela mão, tanto quanto aquele olhar. Angélica fitava os dois. ao sentir a sensação de Amália, fecha os olhos, lembrando ser a primeira vez que gravou os detalhes da mão do seu amor. Ela também lembrara que a flor de hibisco lhe traria recordações em outra vida...de algo que sabia ter vivido. Depois de algumas horas conversando sobre livros, música e ideais, eles resolvem voltar do piquenique. Entrando na casa, Lúcio despede-se de seu amor e vai até o escritório de seu futuro sogro. Nicolau vendo o moço parado na porta, esperando consentimento para entrar, diz: - Vamos, entre. Você já é de casa. Lúcio entra e senta-se. Nicolau olha para ele e diz: - E então? Tudo certo? Lúcio: - Está quase… Nicolau, um tanto contrariado com a resposta diz: - Pelo amor de Deus, não está pensando em desistir? Lúcio: - Nem por um momento. Nicolau, olha seriamente por cima de seus óculos, perguntando: - Então o que há? Lúcio: - Gostaria que Clara viesse morar com a gente, após o casório. Nicolau sente-se surpreso. Fazendo rodeios, querendo negociar, vai até o licor de jabuticaba e, servindo-os, inicia uma conversa evasiva: - Estranho esse seu interesse pela minha outra filha Clara. Lúcio: - Não vejo estranheza alguma. Amália deixou claro a afeição por sua irmã. Gostaríamos que fosse morar com a gente. Prometo cuidar bem dela. Nicolau: - Clara iria para o convento ano que vem. Lúcio: - Entendo, mas gostaria de fazer uma proposta generosa, para provar ao senhor, ser seu destino melhor comigo e Amália. Nicolau finalmente chegara onde queria com a conversa. Parece que seu genro sabia entender-lhe bem e era direto, como seu pai. Ele diz: - Pois estou ouvindo. Lúcio: - Ofereço uma de nossas fazendas ao senhor. Aquela que o senhor tanto queria comprar de meu pai. Assim, Clara passa a ser de minha responsabilidade, por contrato, logicamente. Nicolau sente-se revigorado. Tinha feito um ótimo negócio com algo que achava não lhe render nenhum lucro. Ele ergue-se, serve mais um pouco de licor para ambos e diz: - Como sempre é um prazer fazer negócios com o senhor. Sempre muito justo e generoso. - Eles brindam e seguem a fazer e firmar contrato. Na saída, Amália estava na sala. Quando vê Lúcio, pelos olhos lhe pergunta se conseguiu. Ele pisca e sorri, dizendo: - Boa noite a todos. Todos se despedem e Lúcio sai. Amália está com cara de apaixonada. Eles jantam e ela vai deitar. Clara vai ao seu quarto. Amália sorri e bate no lado da cama. Clara deita-se abraçada na irmã. Clara: - Conseguiu? Amália: - Sim. Clara a abraça feliz. Ela vê novamente Angélica, olhando para as duas com carinho e saudade. Amália percebe que Clara está olhando para o nada e pergunta: - O que está olhando? Clara: - Nada. Só pensando em como será bom estar longe daqui.- ela não se sentia parte da família. Só se identificava com Clara. Amália: - Tenho certeza que ainda será muito feliz, minha irmã. As duas se abraçam. Lúcio está comendo um doce na sala com um café. Adorava uma sobremesa após a janta. Eram petit fours com doce de leite, seus preferidos. Micael olha para seu irmão com cara de feliz. Lúcio não era de contar tudo para todos. Ainda mais aos mais novos. Ele pergunta: - Está com uma cara de feliz, meu irmão. Lúcio: - Pois estou mesmo. Micael: - Aconteceu algo? Lúcio: - Aconteceu sim. - Ele chama todos os irmãos da casa. Seu tio Mauro vem junto, preocupado. Mauro: - Tudo bem, meu sobrinho? Lúcio: - Tudo sim meu tio. - Ele olha para seus irmãos e diz: - Meus queridos, daqui a um mês irei me casar. Todos ficam felizes e o parabenizam. Pedro, o mais novo e impulsivo, pergunta: - E quem seria a tal moça? Lúcio: - Amália. Pedro, sem se controlar diz: - A megera? Lúcio o repreende, como irmão mais velho: - Olhe a boca. Nesta casa ninguém irá referir-se a minha esposa nesses termos. Pedro abaixa a cabeça em respeito ao irmão. Lúcio continua: - E tem mais uma coisa. Todos olham. Lúcio: - A irmã de Amália, a senhorita Clara, virá morar aqui com a gente. - Antes que alguém diga algo, ele fala enfaticamente: - E não quero que utilizem o apelido louca com ela. Estamos todos entendidos. Todos concordam. Lúcio: - Pois vão se deitar. Ele senta-se e continua a tomar café com seus doces. Mauro senta-se do seu lado: - Sua cara realmente está feliz como nunca antes. Lúcio: - Ela é minha alma gêmea, meu tio. Mauro lembra-se de Madalena por uns segundos. Ele diz: - Que bom que a encontrou. Eles continuam a conversar. Lúcio vai dormir. Novamente está deitado em sua cama. Angélica olha para ele ao longe. Não queria lhe causar m*l-estar. Tinha percebido que sempre que se aproximava, ele ficava com frio e medo. Ela olha cada detalhe dele como se fosse a última vez. É incrível como perdemos tempo com bobagens. Se eu tivesse uma só chance de olhar para você novamente... gravaria cada pedaço do seu corpo e cada detalhe de sua alma. Se vivêssemos na terra longe do orgulho, vaidade e egoísmo… perdemos tempo com coisas tolas...e o tempo é a única coisa que se vai e não volta. Mesmo que um segundo só do seu lado...já faria toda a diferença...aproveitaria como se fosse um século. Saudade da sua pele, seu calor, seu cheiro, todo o seu corpo ali comigo... sim porque alma jamais sairá de perto... mas a presença da alma... ali... em corpo... aquilo é único... essa presença é que dá saudade... é que faz doer o coração de tal forma que enlouquece até a mais sensata criatura… Angélica olha seu amor dormindo. Só queria ter o olhar dele todo para ela novamente... seu sorriso para ela novamente... como tinha sido tola... colocando outras coisas na sua frente...se soubesse que levaria tanto tempo para ter novamente uma chance… Ela olha para o lado e percebe uma claridade. Olhando mais de perto e Clara sorrindo e chamando, Angélica resolve ir ao seu encontro. As duas saem dali e vão para um jardim. Clara: - Quem é você? Angélica não sabia se falava. Clara: - Te conheço de algum lugar...por favor, me diga de onde? Angélica afaga o rosto da menina, que não se assusta ou sente frio. Clara podia transitar entre os mundos, tempos e dimensões. Lidava melhor com isso do que com a vida junto aos vivos. Angélica: - Você sempre foi especial, Clara. Clara imediatamente a reconhece: - Amália, é você? Angélica sorri e faz sim com a cabeça. Clara: - Mas você está diferente...é de uma outra vida? Angélica faz sim com a cabeça, novamente. Clara: - Qual o motivo de estar aqui? Angélica fecha seu sorriso. Um peso torna-se visível em seu semblante. Clara diz: - Fale comigo. Seja lá o que for, se você veio de outra época, talvez ajude. Sempre algo pode ser mudado, resolvido… Angélica: - Algo terrível irá acontecer, minha irmã. Clara preocupada, questiona: - Como assim? Com quem? Diga, por favor. Angélica: - Com Lúcio. Clara se desespera: - O que irá acontecer? Angélica: - Ele precisa se afastar de sua vingança e da política. Está indo para o caminho errado. Era para ajudar a construir e salvar vidas...ele vai se perder no caminho do ódio e da vingança...irá confundir tudo… Clara fica pensando por segundo. Ela ergue sua cabeça e pergunta: - O que posso fazer? Angélica: - Avise Amália. Ele só irá escutá-la. Clara: - O que digo? Como faço para ela acreditar em mim? Angélica sorri e afaga o rosto da menina, dizendo docemente: - Ela sempre acreditou em você…. Clara: - Eu falarei com você. Prometo. Angélica: - Precisa dizer para ela não ser tola. Não deixar seu coração ficar cego com orgulho e egoísmo. Ela precisa confiar no seu amor por Lúcio e na bondade dele. Não importa o que digam ou o que aconteça, ela precisa ficar do lado dele, acreditar no amor dele... nele. Clara escuta tudo com atenção. Angélica: - Diga para ela que se envenenar seu coração com medo, raiva, desconfiança e insegurança...irá se perder dele por muito tempo...tempo demais para ela suportar… Clara sente um m*l-estar e arrepio. Seu corpo estava inquieto. Amália acorda e vê sua irmã tendo pesadelo. Ela começa a tentar acordar. Clara sente-se enfraquecendo e ficando invisível. Ela estende a mão para Angélica. Angélica vai ficando para trás e sua voz baixa. Clara vai sendo sugada para volta do seu corpo e escuta ela dizer: - Conte para ela, fale tudo… Clara acorda dizendo: - Eu prometo. Amália pergunta: - Promete o que? Clara acorda assustada. Ela olha para sua irmã. Clara olha para sua irmã assustada. Ela diz: - Se te contar algo, você promete não me achar louca como os outros? Amália olha da mesma forma que Angélica, sorrindo e passando a mão no rosto dela. Clara fecha os olhos e segura a mão da sua irmã, dizendo: - Aconteça o que acontecer, prometa que vai sempre confiar e acreditar em Lúcio? Que nunca vai duvidar do amor dele por você? Promete? - fala segurando firme a mão de Amália. Amália aflita diz: - O que está acontecendo? Fale para mim. Estou assustada. Clara aperta a mão de Amália: - Só promete e te conto. Amália diz: - Eu prometo. Clara então começa a chorar e diz: - Algo terrível vai acontecer com Lúcio e só você pode impedir. Ele não vai ouvir mais ninguém. Amália diz: - Fique calma. Diga tudo o que aconteceu. Clara: - Vi você de outra vida. Amália: - Como assim outra vida? Clara: - Isso não importa. Você me disse que se não confiar em Lúcio e o fizer desistir da vingança dele e da política, algo terrível irá acontecer e vocês vão se separar por muito tempo...muito tempo mesmo. Amália na hora sente uma forte dor no peito. Ele fecha os olhos e vê uma rua cheia de gente. Era outra origem... pareciam… indianos... ela se reconhece nos olhos de uma mulher muito sorridente. Do seu lado enxerga Lúcio em um corpo de cor também diferente, com lindos olhos castanhos. Sente um forte cheiro de jasmim, escuta uma música estranha naquele lugar, mas era familiar, mesmo sendo tudo diferente de tudo que conhecera... ela escuta um idioma totalmente estranho... seu corpo tinha desenhos. Era como se estivesse fora do corpo. Ela se vê nos braços de Lúcio em uma noite de amor. Estranhamente tinham fisionomias diferentes, mas eram eles. Ela sentia o medo da moça indiana, que era o seu, de nunca mais ficar com aquele jovem indiano...que era Lúcio. Lembrava de suas mãos percorrendo suas costas tentando segurá-lo para sempre ali naquele momento. Clara estava tentando acordar Amália, que parecia em um transe. Amália desperta como se tivesse saído do seu corpo... sente-se que teve um sonho. Ela volta assustada e pergunta para sua irmã: - Está sentindo cheiro de jasmim? Clara faz não com a cabeça. Amália: - O que dizia? Clara: - Por favor, Amália, prometa-me que sempre ficará do lado de Lúcio? Que nunca vai desconfiar dele? Amália, jamais prometeria algo que fugisse de sua lógica, não antes daquele estranho sonho real... Ela pensa por alguns segundos e responde firmemente com a cabeça um sim. Clara a abraça aliviada. Amália diz: - Só não entendo sobre política... O Papai é político e o pai dele também. Já Lúcio é médico. Não teria motivo para se perder na política… Clara: - Talvez ainda aconteça. Seja isso que deve evitar. Amália: - Pode ser. Clara: - Se souber de algo a mais te conto. Amália: - Faça isso, minha irmã. As duas voltam a dormir. Clara continua com sua irmã, abraçada. Angélica desperta em seu tempo e em sua cama. A enfermeira lhe estava ministrando soro intravenoso. A enfermeira docilmente diz: - Não se mexa querida. Estou lhe dando soro. Você está muito fraca. Angélica: - Quanto tempo dormi? A enfermeira: - Três dias. Angélica: - Não importa. Agora irei em paz. Enfermeira: - Não fale assim. Angélica: - Negar o óbvio não é saudável. Vamos ser realistas… A enfermeira era alguém que amava sua profissão e estava cuidando de Angélica há cinco anos. Sendo bem tratada e tratando bem, ambas se faziam companhia e eram já uma a família da outra. Angélica não tinha ninguém. Em seu testamento deixara tudo para ela. Não era muita coisa, mas o suficiente para que sua amiga tivesse amparo na sua velhice. A enfermeira, de nome Débora, nem desconfiava. Tinha tanto amor pela sua gentil amiga que só queria salvá-la por mais um tempo. Também não tinha mais ninguém. Eram elas e os cães. Vinte vira-latas que recolheram da rua. Debora cuidava agora sozinha de todos e da senhora. Tinha estudado enfermagem com a ajuda da amiga, quando ainda não estava doente. Se conheceram na igreja. Angélica procurava alguém para a companhia e para ajudar com seus cães. Estava começando a sentir dores estranhas no corpo, mas não sabia de sua doença. Era uma senhora bondosa, que fizera muito na comunidade como professora, mas não havia se casado. Todos da cidade diziam que tinha alguém do passado, em seu coração, que jamais esquecera. E respeitavam isso nela como se fosse viúva sem nunca ter se casado. Ela se comportava como tal. Seu olhar sempre distante fitando o horizonte e o céu estrelado, às vezes deixava-lhe escorrer lágrimas. Nunca namorara de fato e estava sempre pensativa, sentindo saudade de alguém...Tinha todo respeito, admiração e carinho. Havia ensinado muitos a ler e escrever. Amava poesia e ajudava quem quisesse aprender. Sua vida era educação e seus cães. Vivia recolhida em sua casa, plantando e colhendo. Saía apenas para a igreja e a escola. Os mantimentos, um casal de amigos lhe levavam, gentilmente. Ela era mulher de rotina e nunca trocava o que comprava...sempre mesma coisa e mesma quantidade. Vivia assim... simples, grata, gentil e com o olhar longe... buscando alguém... Debora ficava ali, sentada em uma poltrona direto, velando o sono da amiga. Precisava cuidar dessa perda de consciência.
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