Capítulo 1

1338 Palavras
Lyla 3 semanas desde que a máquina chegou Outra noite mergulhada em café e códigos intermináveis. Sentada na fria e silenciosa sala de desenvolvimento, tudo que se ouvia era o som do teclado e o barulho da forte chuva lá fora. A tempestade envolvia o edifício com um toque monótono, e o som do trovão ocasionalmente iluminava minhas ideias, apenas para logo depois serem apagadas pela mesma frustração. Àquela altura, mesmo o clima parecia zombar de mim. Era como se o universo conspirasse contra qualquer avanço. O relógio marcava 3 da manhã, e eu já havia rodado a aplicação pela vigésima vez naquela noite. A mensagem de erro piscava na tela com um brilho insuportavelmente vermelho, como se gritasse: "Você falhou de novo!" — Droga. — murmurei para mim mesma, sentindo a familiar onda de irritação subir. Levantei-me e atravessei a sala até a cafeteira, meus passos ecoando no piso vazio do escritório. Peguei uma cápsula de café intenso e esperei a bebida ser preparada. O cheiro forte e reconfortante invadiu minhas narinas, uma pequena faísca de alívio num oceano de aborrecimentos. Tomei um gole sem açúcar — amargo como a noite que vinha enfrentando. Suspirei. Estava tão cansada, mas o que realmente me corroía por dentro era o sentimento sufocante de frustração. Quando fui designada para o projeto, jamais imaginei que seria assim. Claro, sabia que seria complicado. Afinal, uma máquina do tempo não era um aplicativo qualquer de celular, ou mesmo o software de automação mais complexo. Mas algo dentro de mim — um misto de ambição e ingenuidade — achava que, com o tempo, tudo ficaria mais claro, mais fácil. Tolice. Encarei a máquina física parada no centro da sala. O design futurista e brilhante fazia parecer que ela pertencia a algum filme de ficção científica, e não à nossa pequena equipe de desenvolvimento de software. Ao lado dela estava minha bagunçada workstation, cheia de notas rabiscadas e diagramas confusos. Meus olhos foram parar no relógio na parede. — Três da manhã… Que merda. — sussurrei baixinho ao esfregar os olhos. Virei o restante do café e comecei a desligar os equipamentos. Era hora de encerrar a noite. Enquanto conduzia o carro pela cidade deserta e chuvosa, o som dos pneus cruzando as poças formava uma trilha sonora sombria para meus pensamentos. Por mais que todas aquelas luzes piscantes da chuva refletissem algo nostálgico e até bonito, meu humor não me permitia apreciar o cenário. Quando cheguei à garagem do meu prédio, estacionei em minha vaga e deixei o motor morrer antes de suspirar profundamente. O elevador parecia um confessionário silencioso enquanto me encostava na parede, cruzando os braços e encarando meu reflexo no espelho. O cansaço era evidente: olheiras profundas, cabelo bagunçado preso em um r**o de cavalo desleixado e as roupas ainda cheirando a café. Assim que a porta se abriu no meu andar, segui até o apartamento 142. Larguei sapatos e a blusa de frio na entrada e me arrastei diretamente para o quarto, tirando as roupas no caminho, até finalmente encontrar meu leito de descanso. Joguei-me na cama sem cerimônia. Mas, é claro, não consegui dormir. Eu já deveria saber que a cafeína faria efeito. Revirei-me de um lado para o outro, o som da tempestade agora parecia um lembrete c***l da minha exaustão, mas o sono simplesmente não vinha. Por fim, olhei para o relógio no criado-mudo: 5 da manhã. Com um pesado suspiro, peguei meu celular e liguei para Lucian. Sua voz atendeu no primeiro toque, desperta e alerta, como sempre. — Ly? — perguntou com suavidade. — Não consigo dormir… — minha voz saiu trêmula, embora eu tentasse manter firme. Senti um nó se formar em minha garganta. — Estou frustrada pra c*****o. Houve uma pausa antes que ele falasse. — Não conseguiu nada de novo ontem? — Seu tom carregava uma pitada de decepção, misturada com algo que soava como preocupação. — Consegui avançar um pouco… mas nada significativo. Passei horas enfrentando aquele mesmo erro maldito. — Quer que eu vá até aí? — Sim. — Chego em dez minutos. — E ele desligou. Lucian sempre sabia quando eu precisava dele, mesmo que eu não dissesse as palavras. Ele era meu porto seguro nesse furacão chamado "trabalho impossível". Quando Lucian entrou no apartamento, eu já estava terminando meu café da manhã — cereais com iogurte, que comia lentamente, entre bocejos. Seus olhos me encontraram assim que cruzou a porta, e ele me lançou um meio sorriso enquanto me avaliava. — Você está horrível. — debochou, um brilho travesso dançando em seu olhar. — Bom te ver também. — murmurei com sarcasmo, sem energia para qualquer resposta mais elaborada. Ele riu e foi até a pia, pegando um copo d’água. Eu o observei enquanto ele se aproximava e puxava uma cadeira ao meu lado. Seus gestos tinham um certo modo despreocupado, mas eu podia sentir a energia que ele trazia consigo. Era como se ele carregasse uma força capaz de arrastar qualquer peso consigo — até a minha frustração. — Quanto por seus pensamentos? — perguntou com um leve tom de brincadeira. — Procurando o prédio perfeito pra me jogar. — ironizei, e ele gargalhou. Logo senti sua mão quente repousando sobre a minha, um gesto carinhoso e sincero que fez minhas palavras parecerem menos duras. Nossos olhos se encontraram, e por um momento, fui puxada para uma lembrança nostálgica. Era verão quando nos conhecemos. Eu estava começando no emprego, cheia de expectativas e nervosismo. Rapha, um colega da empresa, me apresentou a equipe e o ambiente, até esbarrarmos com Lucian no corredor. Desde aquele primeiro olhar, ele me cativou — seus olhos castanho-acinzentados tinham um brilho que eu não conseguia decifrar. Ele rapidamente se tornou meu mentor e, com o tempo, também meu amigo mais próximo e… algo mais. Sorri com a lembrança, e Lucian notou. — Pensando em mim, princesa? — provocou com aquele ar de quem acha graça em tudo na vida. — Essa carinha de apaixonada tem que ser por mim, porque se não for, teremos problemas sérios. Revirei os olhos, mas acabei lhe dando um selinho rápido. Ele sorriu satisfeito. — É, na verdade eu estava pensando no dia em que nos conhecemos. — confessei. — Ah, o início de uma linda parceria… e ainda melhor, o início do "nós". — seus lábios se curvaram num sorriso leve, mas havia algo em seu tom que parecia mais intenso. Tentei mudar o foco, antes que as coisas ficassem muito emocionais. — Sério, o projeto tá me matando. Passei horas tentando consertar o bug. Achei que tinha conseguido avançar, mas acabou sendo a mesma mensagem de erro de sempre. Ele riu baixinho, balançando a cabeça. — Ly, quantos desses projetos já fizemos juntos? E quantas vezes você já achou que estava no limite? Relaxa, você vai resolver isso. Sempre resolve. — Eu sei… — suspirei. — É só que, dessa vez, parece diferente. Parece que estou no meu primeiro ano de faculdade, sofrendo pelo TCC. Ele gargalhou agora, e o som trouxe uma pequena fagulha de leveza ao ambiente. — Típico. Mas, calma, princesa. A gente vai dar um jeito, como sempre. Ele se inclinou e me beijou, um gesto cheio de paixão e carinho. Seu toque foi intenso e delicado ao mesmo tempo, mas enquanto nos beijávamos algo dentro de mim pesava. Eu sentia uma ponta de culpa por não conseguir corresponder ao que ele esperava. Por mais que Lucian fosse incrível e que nossa química fosse inegável, eu sabia que não conseguia oferecer tudo o que ele merecia. — Algo errado? — ele perguntou ao se afastar, notando minha hesitação súbita. — Não… só… vamos deitar um pouco antes de você ir. — Claro. Fomos para o quarto e nos deitamos. Ele passou os dedos por entre meus cabelos, um gesto que sempre me fazia relaxar, mesmo quando minha mente estava cheia. Finalmente, sob seu toque, comecei a fechar os olhos e, pela primeira vez naquela noite exaustiva, deixei o sono me alcançar.
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