Bianca Narrando
As pessoas gostam de fingir que dinheiro não é tudo. Quem fala isso é porque nunca teve o suficiente pra entender o poder que ele tem.
Eu sei o que o dinheiro faz. Eu vi o que ele fez comigo. E eu nunca vou abrir mão disso.
Quando conheci o Davi, ele já era o homem mais falado da cidade. Bonito, arrogante, dono de um império que parecia crescer enquanto ele respirava.
Todo mundo dizia que ele era frio, que não sabia amar, que só pensava em negócios. Mas eu nunca me importei com o amor, eu sempre gostei foi do resultado que ele traz.
Com o Davi, minha vida começou de verdade.
Eu passei de uma menina comum, que fazia festa de aniversário parcelada em três vezes no cartão, pra uma mulher que acorda com o som do mar batendo na varanda do apartamento de frente pra praia, com o café já servido, a bolsa nova no closet e o nome nas colunas sociais. Casar com ele foi o meu investimento mais rentável. E eu administrei cada detalhe pra não perder um centavo.
A gente sempre foi o casal perfeito ou pelo menos o que as pessoas viam como perfeito. Eventos, flashes, entrevistas, fotos de revista, o carro importado descendo a rampa do Copacabana Palace. Eu sabia posar, sorrir, falar as palavras certas, segurar o braço dele com aquela delicadeza que fazia parecer que eu o amava. Mas o que eu amava mesmo era o poder.
O brilho do sobrenome Montezano. O respeito que vinha quando eu entrava em qualquer lugar e os garçons se apressavam em servir, as mulheres cochichavam e os homens olhavam duas vezes.
Nos primeiros anos, era fácil. Davi vivia ocupado demais pra perceber o quanto eu gastava. Cartão corporativo, viagens, estética, presentes “pra caridade” que terminavam em joias. Eu sempre tive um talento natural pra inventar despesas convincentes. Um jantar beneficente aqui, uma causa social acolá e no fim, a causa era eu mesma.
Eu merecia. Afinal, ser esposa de um homem como o Davi exige trabalho, e paciência é um investimento que precisa render.
Mas o acidente o acidente veio como um rombo no meu equilíbrio perfeito. De repente, aquele homem que sempre esteve acima de tudo, o mesmo que impunha respeito só de entrar numa sala, estava preso numa cama. E o que todo mundo não entende é que isso também mudou a minha vida. Ninguém imagina o que é ser mulher de um homem que já foi o centro do mundo e agora não quer nem olhar pra própria sombra.
Eu fui ao hospital porque era o que esperavam de mim. A esposa exemplar, fiel, dedicada, sempre ao lado do marido. A imagem precisava ser mantida, afinal, as câmeras estavam lá, os jornalistas, os olhares. Entrei naquele quarto e quase não o reconheci. O homem que um dia fez o país inteiro se curvar agora m*l conseguia se sentar. E no lugar daquele olhar de poder, havia um vazio. Ele parecia um estranho, e pior um estranho que não me servia mais.
Eu sei que é c***l, mas é a verdade. O Davi sem o poder dele é só mais um homem. E eu não me casei com “só mais um homem”. Eu me casei com o império, com o nome, com o estilo de vida. E agora tudo isso corre risco.
Os acionistas começaram a questionar, os advogados ligam o tempo todo, o mercado quer saber quem vai assumir a frente da empresa. E no meio disso, eu preciso continuar representando a imagem perfeita da “esposa Montezano”, mesmo que, por dentro, tudo que eu queira é vender as ações que estão no meu nome antes que desvalorizem.
O problema é que o Davi ainda é vivo. E enquanto ele respirar, tudo o que é dele ainda é dele.
Claro que eu choro na frente dos outros. Claro que eu me mostro abalada. As pessoas amam uma mulher que sofre com classe é bonito, rende empatia, dá audiência. Mas entre nós? Eu não aguento mais olhar pra ele daquele jeito. A raiva que eu sinto não é por pena, é por medo. Medo de perder o que conquistei.
Ele nunca confiou totalmente em mim e eu também nunca fiz esforço pra provar o contrário. Meu papel sempre foi simples: sorrir nas fotos, representar bem o sobrenome, e garantir que minha conta bancária crescesse proporcional ao ego dele. Eu cumpri minha parte. E agora que ele tá assim, eu não pretendo sair de mãos abanando.
Se ele quiser me tirar da jogada, vai ter que brigar com um batalhão de advogados. Porque eu conheço os contratos, as cláusulas, as brechas. Tudo o que ele deixou passar por achar que eu era só “a mulher bonita da vitrine”, eu anotei. E se o jogo virou, eu ainda sei jogar.
Podem me chamar de interesseira, de fútil, do que for. Mas a verdade é que, no fim, ninguém sobrevive sem querer alguma coisa. E o que eu quero é simples: continuar vivendo como sempre vivi. Com luxo, com status, com o nome Montezano ainda no meu sobrenome. Amor? O amor foi o disfarce mais caro e mais bem pago que eu já usei.
A ligação foi há poucas horas. Eu lembro do som da buzina no fundo, o barulho de pneu, o grito cortado no meio da frase. Depois, o silêncio. E, por incrível que pareça, a primeira coisa que eu senti não foi medo. Foi raiva. Raiva porque, mesmo depois de tudo, ele ainda tinha conseguido me deixar desesperada. Mesmo de longe, o Davi ainda me controlava.
Eu cheguei cercada de olhares. “ Coitada da esposa”, “tão nova”, “tão bonita”, “tão fiel”. Eu ouvia os cochichos e sabia que metade daquilo era mentira. Mas eu também sabia atuar. Chorar em público é uma arte e eu sou boa nisso.
Quando o médico me levou pra sala e disse o estado dele, eu juro que a única coisa que eu consegui pensar foi: E agora? Não era “e agora, ele vai morrer?” — era “e agora, o que vai ser da empresa, do nome, da minha vida?”. O médico falava, falava, e eu só ouvia as palavras que me interessavam: acidente grave… reabilitação longa… sem previsão de recuperação total. A palavra “total” ecoou na minha cabeça. E eu entendi o que ela queria dizer.
O homem que me dava poder, status e segurança tinha acabado de quebrar e eu tava ali, com um vestido simples, maquiagem borrada, mas com a cabeça trabalhando a mil.
Eu entrei no quarto e quase não reconheci. O Davi, o homem que sempre entrou nas salas como se o chão fosse dele, tava ali, pálido, imóvel, com o corpo preso em fios e máquinas. O barulho do monitor era o único som, e aquele apito constante me irritava. Ele abriu os olhos devagar, e quando me viu, a primeira coisa que eu percebi foi o olhar.
Não era dor, nem medo, era raiva. Raiva por eu estar ali. Raiva por ter sido comigo a última ligação antes do inferno. E no fundo, eu senti orgulho. Porque até no estado que ele tava, eu ainda causava alguma reação.
— Você… — a voz dele saiu rouca, arranhando o ar — …veio fazer o quê aqui? Pra ver de perto o estrago que você ajudou a causar?
A enfermeira me olhou, assustada, mas eu mantive o sorriso. Eu sabia lidar com ele.
— Eu vim ver o meu marido — respondi com calma, cruzando os braços. — Acha que eu ia deixar o “senhor Montezano” aqui largado, sem supervisão?
Ele fechou os olhos, virando o rosto pro lado.
— Você devia estar em casa, fingindo que tá em luto, pra ver se a imprensa te fotografa chorando.
— Eu já fiz isso — falei, ajeitando o cabelo. — Mas, por algum motivo, achei que seria bom vir garantir que você ainda tá respirando.
A enfermeira tossiu, tentando disfarçar o desconforto. O médico voltou logo depois, e o Davi começou com aquele discurso todo de “não vou aceitar diagnóstico”, “eu pago o que for preciso”.
Eu fiquei só observando, em silêncio, vendo ele se debater, arrancar fio, gritar, bater nas próprias pernas. E por dentro, eu pensava: é isso, Davi, o império desmoronando na sua frente e você ainda achando que pode comprar até milagre.
Ele tentava se levantar, e o médico dizia que não podia. A mãe dele chorava, os enfermeiros corriam, e eu só observava fria, calculando o tamanho do buraco que aquilo ia abrir na minha vida.
Porque se ele não voltasse ao normal, tudo ia mudar. A imagem pública, o nome, as ações da empresa e o meu padrão de vida junto.
Quando o médico saiu, e a mãe dele foi atrás, o quarto ficou só com nós dois. Ele respirava pesado, os olhos marejados, a voz falhando.
— Você deve tá adorando, né? — ele sussurrou. — Me ver assim, quebrado. Você deve ter desejado muito a minha morte.
— Eu não tô adorando nada, Davi. Só tô tentando entender como um homem que se achava Deus foi parar aqui.
— Você nunca entendeu p***a nenhuma — ele rebateu, amargo. — Tudo que você quis foi o meu nome.
— E você sempre quis uma mulher que ficasse quieta e posasse bem nas fotos. Cada um cumpriu o seu papel, não foi?
Ele me olhou como se pudesse me matar.
— Sai daqui.
— Não posso, amor — falei, ajeitando o casaco e olhando pra câmera de segurança no canto da parede. — As pessoas tão vendo. Preciso continuar sendo a esposa perfeita.
Ele desviou o olhar e ficou em silêncio. Por um segundo, eu quase senti dó. Mas dó não paga conta. E se tem uma coisa que eu aprendi sendo mulher de Montezano, é que sentimento é luxo e eu só invisto em coisas que dão retorno.