Capítulo 03

957 Palavras
Natalie narrando O voo foi cansativo pra caramba. Longas horas sentada, gente falando alto, criança chorando, e eu tentando me distrair com qualquer coisa que me fizesse esquecer o nervosismo. Mas nada adiantava. Desde o momento em que o piloto anunciou que estávamos sobrevoando o Rio de Janeiro, meu coração começou a bater mais rápido, como se reconhecesse o lugar antes mesmo dos meus olhos verem. Quando o avião finalmente pousou, senti uma mistura de alívio e ansiedade. Alívio por finalmente estar em casa. Ansiedade… por tudo o que me esperava. Foram dez anos longe. Dez anos tentando construir uma vida nova, tentando fingir que dava pra esquecer as raízes que me fizeram quem eu sou. Mas o problema é que o morro não sai da gente — ele dorme quieto, ali dentro, esperando o momento certo pra despertar. Peguei minha bolsa, prendi o cabelo num coque e fui em direção à esteira de bagagem. Enquanto esperava, fiquei observando as pessoas se abraçando, rindo, se emocionando. Famílias se reencontrando. E por um instante, senti um aperto no peito pensando em como seria o reencontro com o meu pai. Assim que vi minhas malas virem, respirei fundo. —Chegou a hora, Natalie.- pensei comigo mesma. Peguei o celular e abri o aplicativo do Uber, digitando o endereço que ainda conhecia de cor: Morro do Alemão. Esperei alguns minutos… nada. Primeira corrida, cancelada. Segunda, nem aceitaram. A terceira chegou a aparecer, mas o motorista desistiu antes mesmo de sair do lugar. Foram quase quarenta minutos nessa palhaçada. O aeroporto foi esvaziando, o sol já descia pelas janelas de vidro e eu ali, parada com duas malas enormes e um nó no estômago. Foi quando eu vi um táxi vindo. Levantei o braço, e o motorista encostou. Um homem de meia idade, com cara cansada e olhar desconfiado. Ele desceu, abriu o porta-malas e perguntou: — Pra onde a senhorita vai? — perguntou, colocando uma das malas lá dentro. — Pro Morro do Alemão. Na mesma hora, os olhos dele se arregalaram. Ele ficou alguns segundos me olhando, depois soltou o ar pesado. — Lá eu não subo não, moça. — disse já tirando a mala de volta. — E na rua de baixo? ou então uma rua antes? — perguntei com um sorriso que tentava disfarçar o desespero. Ele coçou a cabeça, pensou um pouco e respondeu: — Tá bom. Mas não vou chegar muito perto, viu? — Tudo bem, sem problema. — respondi aliviada, entrando no banco de trás. O carro partiu devagar, e eu me encostei na janela, deixando o vento bater no rosto. A cidade passava diante dos meus olhos como um filme antigo: os muros grafitados, os vendedores de rua, o som das buzinas, o cheiro de pastel vindo de uma barraca qualquer. Tudo isso parecia tão familiar que uma parte de mim queria chorar. Mas junto com a saudade, vinha o medo. Meu pai não fazia ideia de que eu havia voltado. E eu sabia bem o tipo de homem que ele se tornou pra manter o poder que sempre teve. O chefe. A lenda do Alemão. O nome que, mesmo do outro lado do oceano, ainda ecoava nos becos da minha lembrança. —Ele vai surtar quando me ver.- pensei, soltando um riso nervoso. O táxi foi subindo pelas ruas cada vez mais estreitas, e o motorista começou a ficar inquieto. O rádio do carro tocava uma música antiga, mas dava pra sentir o clima mudando. — Moça, não sei o que tá acontecendo, mas não posso passar daqui. — ele disse, diminuindo a velocidade. Olhei pra frente e entendi na hora: um ônibus atravessado no meio da rua, um grupo de pessoas correndo e, ao fundo, o som abafado de tiros. — Não tem problema. Pode me deixar aqui. Eu subo andando. — falei tentando parecer tranquila, mesmo com o coração batendo no pescoço. Ele me olhou com aquela cara de “essa menina é maluca”, mas parou o carro. Paguei a corrida, ele desceu, pegou minhas malas e colocou no chão. — Cuidado, moça. Isso aqui não tá com cara boa, não. — disse, antes de entrar no carro e sumir no trânsito. Olhei pra ladeira à minha frente e respirei fundo. O sol começava a cair, tingindo o céu de laranja e cinza, e eu sabia que aquela subida ia ser longa. Mas nada, absolutamente nada ia me fazer voltar atrás agora. Puxei as duas malas e comecei a subir devagar. Cada passo parecia mais pesado, e a cada esquina, o barulho aumentava. Primeiro foram sirenes. Depois, helicópteros. E então, os barulhos de tiros secos e rápidos dos fuzis ecoando entre as vielas. O som da guerra. Foi aí que eu comecei a entender por que as ruas estavam bloqueadas, por que ninguém queria subir. A polícia tava lá. E pelo jeito, não era pouca. Meu coração disparou de um jeito que me fez esquecer o medo por um instante. O morro estava em guerra, e eu ali, parada, no meio do caos, sem fazer ideia do que fazer ou para onde ir, até porque eu não tenho outro lugar para ir. — tá maluca car.alho, que por.ra você tá fazendo aqui ?.- um homem de moto fala Parando do meu lado. — eu... Eu moro aqui, não sabia que estava tendo invasão.- ele me olhou de cima a baixo — agora sabe, mete o pé daqui antes que você acabe sendo morta por uma bala perdida, ou esses arrombado te mate de graça. - ele fala dando meia volta com a moto e desce dali me deixando com o coração na boca. Tô começando a pensar que talvez não tenha sido uma boa ideia voltar dessa maneira.
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