Natalie narrando
O voo foi cansativo pra caramba.
Longas horas sentada, gente falando alto, criança chorando, e eu tentando me distrair com qualquer coisa que me fizesse esquecer o nervosismo.
Mas nada adiantava. Desde o momento em que o piloto anunciou que estávamos sobrevoando o Rio de Janeiro, meu coração começou a bater mais rápido, como se reconhecesse o lugar antes mesmo dos meus olhos verem.
Quando o avião finalmente pousou, senti uma mistura de alívio e ansiedade.
Alívio por finalmente estar em casa.
Ansiedade… por tudo o que me esperava.
Foram dez anos longe.
Dez anos tentando construir uma vida nova, tentando fingir que dava pra esquecer as raízes que me fizeram quem eu sou.
Mas o problema é que o morro não sai da gente — ele dorme quieto, ali dentro, esperando o momento certo pra despertar.
Peguei minha bolsa, prendi o cabelo num coque e fui em direção à esteira de bagagem.
Enquanto esperava, fiquei observando as pessoas se abraçando, rindo, se emocionando.
Famílias se reencontrando.
E por um instante, senti um aperto no peito pensando em como seria o reencontro com o meu pai.
Assim que vi minhas malas virem, respirei fundo.
—Chegou a hora, Natalie.- pensei comigo mesma.
Peguei o celular e abri o aplicativo do Uber, digitando o endereço que ainda conhecia de cor: Morro do Alemão.
Esperei alguns minutos… nada.
Primeira corrida, cancelada.
Segunda, nem aceitaram.
A terceira chegou a aparecer, mas o motorista desistiu antes mesmo de sair do lugar.
Foram quase quarenta minutos nessa palhaçada.
O aeroporto foi esvaziando, o sol já descia pelas janelas de vidro e eu ali, parada com duas malas enormes e um nó no estômago.
Foi quando eu vi um táxi vindo.
Levantei o braço, e o motorista encostou.
Um homem de meia idade, com cara cansada e olhar desconfiado.
Ele desceu, abriu o porta-malas e perguntou:
— Pra onde a senhorita vai? — perguntou, colocando uma das malas lá dentro.
— Pro Morro do Alemão.
Na mesma hora, os olhos dele se arregalaram.
Ele ficou alguns segundos me olhando, depois soltou o ar pesado.
— Lá eu não subo não, moça. — disse já tirando a mala de volta.
— E na rua de baixo? ou então uma rua antes? — perguntei com um sorriso que tentava disfarçar o desespero.
Ele coçou a cabeça, pensou um pouco e respondeu:
— Tá bom. Mas não vou chegar muito perto, viu?
— Tudo bem, sem problema. — respondi aliviada, entrando no banco de trás.
O carro partiu devagar, e eu me encostei na janela, deixando o vento bater no rosto.
A cidade passava diante dos meus olhos como um filme antigo: os muros grafitados, os vendedores de rua, o som das buzinas, o cheiro de pastel vindo de uma barraca qualquer.
Tudo isso parecia tão familiar que uma parte de mim queria chorar.
Mas junto com a saudade, vinha o medo.
Meu pai não fazia ideia de que eu havia voltado.
E eu sabia bem o tipo de homem que ele se tornou pra manter o poder que sempre teve.
O chefe.
A lenda do Alemão.
O nome que, mesmo do outro lado do oceano, ainda ecoava nos becos da minha lembrança.
—Ele vai surtar quando me ver.- pensei, soltando um riso nervoso.
O táxi foi subindo pelas ruas cada vez mais estreitas, e o motorista começou a ficar inquieto.
O rádio do carro tocava uma música antiga, mas dava pra sentir o clima mudando.
— Moça, não sei o que tá acontecendo, mas não posso passar daqui. — ele disse, diminuindo a velocidade.
Olhei pra frente e entendi na hora: um ônibus atravessado no meio da rua, um grupo de pessoas correndo e, ao fundo, o som abafado de tiros.
— Não tem problema. Pode me deixar aqui. Eu subo andando. — falei tentando parecer tranquila, mesmo com o coração batendo no pescoço.
Ele me olhou com aquela cara de “essa menina é maluca”, mas parou o carro.
Paguei a corrida, ele desceu, pegou minhas malas e colocou no chão.
— Cuidado, moça. Isso aqui não tá com cara boa, não. — disse, antes de entrar no carro e sumir no trânsito.
Olhei pra ladeira à minha frente e respirei fundo.
O sol começava a cair, tingindo o céu de laranja e cinza, e eu sabia que aquela subida ia ser longa.
Mas nada, absolutamente nada ia me fazer voltar atrás agora.
Puxei as duas malas e comecei a subir devagar.
Cada passo parecia mais pesado, e a cada esquina, o barulho aumentava.
Primeiro foram sirenes. Depois, helicópteros.
E então, os barulhos de tiros secos e rápidos dos fuzis ecoando entre as vielas.
O som da guerra.
Foi aí que eu comecei a entender por que as ruas estavam bloqueadas, por que ninguém queria subir.
A polícia tava lá.
E pelo jeito, não era pouca.
Meu coração disparou de um jeito que me fez esquecer o medo por um instante.
O morro estava em guerra, e eu ali, parada, no meio do caos, sem fazer ideia do que fazer ou para onde ir, até porque eu não tenho outro lugar para ir.
— tá maluca car.alho, que por.ra você tá fazendo aqui ?.- um homem de moto fala Parando do meu lado.
— eu... Eu moro aqui, não sabia que estava tendo invasão.- ele me olhou de cima a baixo
— agora sabe, mete o pé daqui antes que você acabe sendo morta por uma bala perdida, ou esses arrombado te mate de graça. - ele fala dando meia volta com a moto e desce dali me deixando com o coração na boca.
Tô começando a pensar que talvez não tenha sido uma boa ideia voltar dessa maneira.