Capítulo 03

1357 Palavras
Ane Assim que o carro passou pelos portões altos de ferro, senti o peso do mundo aumentar sobre meus ombros. A mansão à frente parecia ter saído de uma revista de luxo — ou de um filme sobre vilões ricos. Enorme, branca como mármore antigo, com colunas altas e janelas que pareciam olhos frios observando tudo. Cada detalhe gritava poder. O jardim era perfeitamente podado, como se nem as flores tivessem liberdade ali. Uma fonte no centro do pátio lançava jatos de água sincronizados, iluminada por luzes discretas que deixavam tudo mais imponente. O silêncio era sepulcral, quebrado apenas pelos pneus rolando devagar no cascalho. O carro parou. Um segurança abriu a porta para mim, e o ar úmido da noite me acertou como um t**a. Desci com cuidado, como se pisasse num campo minado. E talvez fosse exatamente isso. A porta principal da mansão já estava aberta. Outro homem de terno nos esperava, como se tivesse ensaiado a pose. Entrei. O interior era ainda mais sufocante. Um grande hall de pé-direito duplo se abria diante de mim, com lustres de cristal pendendo do teto como coroas congeladas. O chão de mármore brilhava tanto que minha imagem refletia torta nele. Tudo ali era grandioso, frio, impessoal. As paredes traziam quadros antigos e caros. Nenhuma foto de família. Nenhuma lembrança calorosa. Só ostentação. Era linda. E sombria. Como uma jaula banhada a ouro. — Você vai dormir no meu quarto — a voz de Sebastian cortou o ar atrás de mim, firme como uma sentença judicial. Virei de imediato, chocada. Um dos seguranças surgiu carregando minha mala — minha pequena mala, o resto ficou para trás como o resto da minha vida. — O quê? — perguntei, a voz mais alta do que pretendia. — Eu não vou dormir no seu quarto. Me recuso. Ele me encarou por um segundo, como se estivesse decidindo até onde podia me empurrar. Depois sorriu. Um sorriso frio, impassível, quase entediado. — Quem manda aqui sou eu, Ane. — Nós não estamos casados — rebati, mantendo a cabeça erguida. — E enquanto isso não acontecer, não faz sentido dividirmos um quarto. Não tem cabimento. Ele se aproximou devagar, cada passo ecoando no mármore como um aviso. Parou a poucos centímetros de mim. Alto. Imóvel. A sombra dele parecia me engolir. — Não tem problema — murmurou, com aquela voz baixa e perigosa. — Não vamos consumar nada antes do casamento. Eu sei seguir regras... quando me convém. Senti o rosto esquentar na hora. As bochechas queimaram, como se ele tivesse me arrancado a roupa só com as palavras. Mas eu não desviaria o olhar. Não daria esse gosto pra ele. — Ainda assim — insisti, tentando controlar a respiração —, eu mereço um mínimo de respeito. Ele soltou uma risada baixa, sem humor. — Isso é o mínimo. Você tem um quarto comigo. É mais do que outras mulheres nessa casa teriam, se houvesse outras. A forma como ele disse aquilo... não era ameaça. Era constatação. Frieza. Fechei a mão ao lado do corpo, tentando não demonstrar o pânico que crescia no meu estômago. Porque por fora, eu queria parecer firme. Mas por dentro, eu só queria correr. — Onde está o meu quarto? — repeti, como se isso fosse suficiente pra mudar as regras. Ele inclinou a cabeça, os olhos escuros fixos nos meus. — Onde eu disser que é. Meus dentes se apertaram. Minha vontade era gritar, empurrá-lo, fugir. Mas eu sabia que, ali, ele era o predador e eu a isca amarrada. Uma isca que precisava aprender a sobreviver. — Então me mostre o caminho — respondi, a voz baixa, firme, mesmo com a raiva me queimando por dentro. Ele deu um meio sorriso. Não de quem vencia, mas de quem já sabia que venceria. E começou a subir as escadas. E eu... fui atrás. Mas com cada degrau, eu prometia silenciosamente: eu posso estar andando para a boca do lobo, mas não vou me deixar devorar tão fácil. Sebastian Quando meu pai me chamou para uma “conversa de homens”, eu soube que vinha m***a. Ele só usava esse termo quando o assunto envolvia poder, sangue e sujeira. Nunca era sobre negócios limpos — até porque, na nossa família, negócios limpos não existiam. Só ilusões bem vestidas de terno italiano. Mas, dessa vez, ele se superou. — Você vai se casar com a filha do Moretti. Por um segundo, achei que fosse piada. Soltei uma gargalhada seca, atravessada pelo desprezo. — Você ficou louco? — encarei-o como se estivesse ouvindo um absurdo qualquer. — Desde quando a gente precisa de casamento pra fechar acordo? Estamos em 2025, não na Idade Média. Ele não riu. Nem moveu um músculo. A expressão estava dura, fria. O olhar que sempre misturava ameaça com convicção. Aquele mesmo olhar que eu cresci tentando decifrar — e superar. — A dívida dele é impagável — ele começou, com a voz baixa, quase didática. — Moretti apostou a própria filha. Está nas nossas mãos. E agora, essa união pode ser a chave para expandirmos nosso império para a costa leste. Clínicas, clubes, cassinos... tudo pronto para ser lavado. O sobrenome dela pode abrir portas que nem nosso dinheiro conseguiu arrombar. — Então você quer que eu use uma garota como fachada — resumi, me jogando no encosto da poltrona com irritação. Ele me lançou um olhar cortante. — Não é só fachada. Você vai oficializar isso. Vai dar um herdeiro. Vai fazer parecer legítimo. Ninguém suspeita de uma família em ascensão quando o Capo está de aliança no dedo e a esposa sorri nas fotos de caridade. Bufei. A velha hipocrisia dos Mancini. — E as mulheres do nosso bordel, pai? Vai colocar todas de luto agora? Ele deu de ombros, como quem fala sobre o clima. — Desde que saiba separar as coisas… e mantenha o nome Mancini limpo aos olhos do mundo... pode se divertir como quiser. Apenas certifique-se de que a esposa permaneça intacta. Decorativa. Silenciosa. E fértil. Quase ri de novo, mas algo dentro de mim queimava. Ele não via pessoas, via ferramentas. E agora esperava que eu fizesse o mesmo. Mas o pior? É que eu entendi a lógica dele. Casar com a filha do Moretti não era só estratégia. Era humilhação. Era mostrar que podíamos comprar qualquer coisa. Até a dignidade de um neurocirurgião premiado. E ao ver o desespero nos olhos de Charles Moretti quando perdeu a filha na última rodada... meu sangue gelou. De prazer. Aquele suor escorrendo pela têmpora dele. O olhar vazio. O terror contido quando percebeu que tinha vendido a própria filha para salvar a própria pele. Sim. Eu teria pagado só pra ver aquele olhar mais uma vez. ** Quando fui buscá-la, mandei que preparassem um quarto ao lado do meu. Pedi uma cama extra. Não por gentileza. Mas por estratégia. Ela viria contrariada. Ferida. Indignada. E eu não tinha tempo pra lidar com chiliques sentimentais logo de cara. Mas quando vi Ane Moretti pela primeira vez... algo saiu do script. Ela não era o que eu esperava. Não tinha cara de menina mimada. Nem de boneca criada em vitrine. Ela carregava nos olhos um tipo de fúria que eu conhecia bem — aquela que precede o ataque. Aquela que você não doma com presentes nem promessas. Ela me enfrentou com o olhar. Como se não me temesse. Como se eu fosse só mais um erro no mundo dela. E aquilo... me desafiou. Me provocou. Ela era bonita, sim. Mas era o jeito como ela me odiava em silêncio que mais me atraiu. Havia orgulho em cada linha do seu rosto. E dor. E raiva. Era uma tempestade disfarçada em jaleco branco e palavras afiadas. Ane Moretti era uma promessa de caos. E eu queria ver até onde ela ia resistir antes de quebrar. Talvez ela achasse que podia lutar contra mim. Que podia manter a alma intacta nesse casamento de fachada. Mas estava enganada. Porque neste mundo — no meu mundo — quem manda sou eu. E ela... era apenas o início de uma guerra que ainda nem começou.
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