Sebastian
Ela entrou no carro como quem atravessava o corredor da morte.
Passos lentos, hesitantes, os olhos brilhando por trás da raiva m*l contida. Quando a porta se fechou atrás dela com aquele clique seco, eu percebi: ela sabia que tinha perdido. Mas ainda assim… ainda assim ela queria lutar.
Isso me fez sorrir.
Fingi que olhava pela janela, mas na verdade, estava atento a cada movimento dela. As mãos tensas no colo. Os olhos fixos no vidro, como se pudessem encontrar ali uma saída que não existia. O silêncio dela era uma afronta — e, ao mesmo tempo, uma confissão de que estava tentando se manter de pé.
Ela era mais forte do que eu imaginava. E mais interessante também.
Não fazia o tipo submissa, nem histérica. Havia uma dignidade nela, mesmo envergonhada, mesmo acuada, que a maioria das mulheres que conheci não tinha. E isso… me divertia.
Porque cedo ou tarde ela ia quebrar.
Todas quebram, mas Ane Moretti ia dar mais trabalho. E talvez... talvez isso deixasse tudo um pouco mais interessante.
Desviei o olhar por um instante e encostei a cabeça no banco, observando de relance como ela mordia o lábio inferior — um gesto nervoso, inconsciente. A forma como tentava conter as emoções só deixava mais evidente o quanto estava à beira do colapso.
Ela achava que podia me enfrentar. Que podia ditar as regras.
Mas no nosso mundo, boas intenções não valem nada. Só poder. E eu tinha o dela nas minhas mãos agora.
Não porque ela quisesse. Mas porque o pai dela perdeu a aposta errada com o homem certo.
Fechei os olhos por um segundo, ouvindo o ronco dos motores dos carros à frente e atrás. Nosso comboio.
Como um cortejo. Mas em vez de um funeral, era um casamento forçado.
E ela era a noiva arrastada até o altar.
Mas que fique claro — eu não era um homem romântico. Não via beleza na tragédia. Só via oportunidade.
E Ane? Ela era a moeda. A jogada que meu pai iniciou e eu finalizei.
Mas, naquele carro, enquanto a noite caía sobre Manhattan e os faróis dançavam nos vidros escuros, comecei a me perguntar...
Será que ela valia mais do que parecia?
Ou será que, como todos os outros, ela acabaria se rendendo?
De um jeito ou de outro… eu descobriria, e não ia demorar muito.
A mansão surgiu no horizonte como uma lembrança viva de tudo o que conquistamos — com sangue, silêncio e estratégia.
As luzes acesas nas janelas de moldura dourada deixavam claro que ali não havia espaço para dúvidas.
Ali, o poder era lei. E eu era o único legislador.
O carro desacelerou ao entrar pelos portões principais. A chuva havia parado, mas o ar ainda carregava o cheiro da noite molhada. Desci primeiro, como sempre, e esperei. Ane demorou um pouco mais. Parecia pesar cada passo como se atravessasse o próprio destino.
Quando finalmente saiu, seus olhos percorreram a fachada com cautela. Tensão nos ombros, maxilar travado. Quase admirei sua compostura, considerando as circunstâncias.
Ela atravessou o hall de entrada em silêncio. O mármore sob nossos pés ecoava os sons suaves de seus passos, como se a casa absorvesse sua presença. Quase como se a testasse.
Era tudo grandioso demais, sufocante demais — exatamente como pretendido.
— Seu quarto é o meu — avisei, assim que o segurança subiu as escadas com a mala dela.
Ela me olhou de imediato. O olhar era claro, direto, desafiador.
Disse que não queria. Que não fazia sentido. Que não aceitaria.
Disse com firmeza, como se ainda tivesse escolhas.
Mas não discutimos. Apenas deixei claro, com poucas palavras, que aparências precisavam ser mantidas — e que não haveria i********e antes do casamento. Isso pareceu acalmá-la. Ou talvez só a derrotou um pouco mais.
Ane não voltou a insistir, subimos em silêncio, cada um carregando um universo diferente nos ombros.
Ela observava tudo como um animal enjaulado tentando memorizar a saída. m*l sabia ela que, naquela casa, todas as portas levavam ao mesmo lugar: onde eu decidisse.
A porta do meu quarto, nosso quarto, agora já estava aberta quando cheguei ao topo da escada. Claro que estava. Eu tinha mandado prepará-lo pessoalmente antes de ir buscá-la. Queria tudo exatamente como deveria ser.
Entrei sem olhar para trás.
O quarto estava do jeito que sempre fora: amplo, em tons escuros, minimalista e luxuoso. A cama king ao centro, lençóis de algodão egípcio impecavelmente esticados. Um segundo travesseiro e uma manta extra repousavam no canto, como um lembrete sutil de que a solidão agora seria dividida.
Fui direto para o banheiro, sem me importar se ela vinha atrás ou não. Tirei as roupas como se arrancasse o peso do dia. A camisa caiu no chão, seguida da calça, da cueca, dos pensamentos. Deixei tudo em um canto e entrei no chuveiro.
A água quente bateu nos ombros como um soco de alívio. Fiquei ali mais do que precisava. Lavando a raiva, a tensão… e talvez o gosto azedo de ter me tornado algo que sempre prometi não ser: um homem que aceita um casamento arranjado.
Mas não era apenas isso, era?
Terminei o banho e saí, pegando a toalha maior para secar o corpo, e uma menor para os cabelos.
Esfregava os fios ainda úmidos quando passei diante do espelho do armário. E então, vi.
Ela.
Ane estava parada na entrada do quarto, como se não tivesse certeza se devia entrar ou fugir. Mas o que chamou minha atenção foi seu olhar.
Ela me encarava. Sem piscar. Como se tivesse sido pega entre o constrangimento e a curiosidade.
Demorei um segundo para perceber que eu ainda estava completamente nu.
Sorri, de canto. Me virei devagar, proposital, deixando que ela visse o que quisesse ou o que não quisesse.
— Tá gostando do que vê, Moretti?
A cor subiu no rosto dela como uma chama acesa em silêncio.
Ela não respondeu. Só virou o rosto num movimento brusco, como se as paredes tivessem ficado mais interessantes de repente.
Não disse mais nada, mas, naquele instante, percebi duas coisas: Ela não era tão indiferente quanto fingia. E eu gostava da ideia de provocá-la mais do que deveria.