Ane
Eu não esperava por aquilo.
Juro que não.
Subi as escadas com o coração ainda acelerado, tentando ignorar o fato de que estava prestes a passar a primeira noite na mesma casa — no mesmo quarto — que Sebastian Mancini. Já era humilhante o bastante ter sido praticamente vendida como uma peça num tabuleiro de xadrez. Eu não precisava de mais um motivo para perder o pouco controle que me restava.
Mas então… eu vi.
A porta do quarto estava escancarada, a luz acesa. Ele devia ter entrado direto, e, pelo barulho do chuveiro, imaginei que estivesse no banheiro. Suspirei, tentando manter a compostura, e entrei devagar. Precisava organizar minhas coisas, fingir que aquela era só mais uma noite normal.
Foi quando ouvi a água se desligando e... ele apareceu.
Sebastian saiu do banheiro como se fosse a coisa mais natural do mundo. Sem toalha. Sem roupas. Sem pudor.
Totalmente nu.
Por um segundo — só um segundo — eu congelei. Meus olhos seguiram o contorno do corpo dele antes que eu pudesse evitar. Ombros largos, peito firme, músculos definidos. Ele parecia esculpido à mão. E o pior… ele sabia disso.
Foi só quando nossos olhares se cruzaram no espelho que percebi o que estava fazendo. Eu o estava encarando.
Senti meu rosto pegar fogo.
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele se virou lentamente e soltou, com aquele sorriso arrogante:
— Tá gostando do que vê, Moretti?
Afastei o olhar no mesmo instante, envergonhada, fingindo que a parede atrás dele era fascinante. Virei de costas e murmurei algo ininteligível, como se minha dignidade estivesse tentando se reerguer do chão.
Caminhei até a cama onde haviam colocado minha mala, tentando me recompor. Tirei alguns livros de dentro dela e os deixei sobre a colcha — mais por reflexo do que por necessidade. Peguei minha nécessaire e minha bolsa com roupas, e fui direto para o banheiro. Longe dele. Longe daquilo tudo.
Fechei a porta com um pouco mais de força do que o necessário. Tirei a roupa devagar, sentindo a pele arrepiar, e entrei no box ainda tentando apagar da mente a imagem que acabara de ver.
Mas era inútil.
A água quente escorria pelas costas e, mesmo de olhos fechados, tudo que eu conseguia ver era o jeito despreocupado com que ele tinha caminhado pelo quarto. Como se minha presença não mudasse nada. Como se estar nu diante de mim fosse só mais um detalhe.
E o pior?
Meu coração ainda batia rápido.
Era raiva. Eu queria que fosse só raiva.
Mas uma parte de mim… uma parte muito pequena e traiçoeira... se perguntava como seria se tudo aquilo tivesse acontecido de outra forma.
Se eu tivesse escolhido estar ali.
Fechei os olhos com mais força e respirei fundo. Era só o começo. E eu precisava ser forte.
Porque viver sob o mesmo teto que Sebastian Mancini exigiria muito mais do que autocontrole.
Exigiria que eu não me perdesse completamente.
Saí do banheiro sentindo o vapor ainda grudado na pele, os pensamentos tão embaralhados quanto os fios úmidos do meu cabelo.
Vestia a única camisola que havia colocado na mala às pressas. Uma peça de cetim vermelho que, até aquele momento, me parecia comum. Não era vulgar, mas... definitivamente não fora feita para ser usada diante de um homem. Muito menos de Sebastian Mancini.
E eu nunca, nunca, imaginei que teria que dividir o mesmo quarto com ele naquela noite. Ou em qualquer outra.
A toalha estava enrolada em meus cabelos, e tentei segurar o tecido da camisola contra o corpo, como se isso pudesse cobrir mais do que realmente cobria. Respirei fundo antes de sair, ainda tentando entender como minha vida havia virado esse completo pesadelo.
E foi então que o vi.
Sebastian estava sentado na beira da cama, vestindo apenas uma boxer branca. Seus músculos estavam relaxados, mas ainda assim pareciam tensos, como se estivessem sempre prontos para o ataque. Ele segurava um copo de uísque entre os dedos, girando o líquido com aquela calma irritante — como se nada fosse novo ou desconfortável para ele.
Quando me viu, levantou uma sobrancelha, e os olhos percorreram meu corpo com uma lentidão que fez meu estômago revirar.
— Já que vamos dividir o mesmo quarto... — falei, limpando a garganta, tentando soar mais firme do que me sentia — você poderia, sei lá, se vestir um pouco melhor.
Ele sorriu. Um sorriso preguiçoso, cínico. E se levantou.
Com um passo de cada vez, se aproximou até ficar a poucos centímetros de mim. Seu corpo exalava calor, força, controle. E eu odiei — detestei — o fato de não conseguir desviar os olhos. O perfume dele me envolvia como uma armadilha. Tudo em mim dizia pra correr... mas eu não conseguia.
Ele se inclinou até meu ouvido, sua voz baixa, arrastada:
— Quem manda aqui sou eu, Ane. E como em breve vamos nos casar, é melhor você começar a se acostumar com o que vê. Acredito que não seja tão... incomum assim pra você.
Senti meu rosto arder.
— Isso... isso não é normal — murmurei, tentando me afastar, mas minhas pernas pareciam presas ao chão.
Ele se afastou só o suficiente para me olhar nos olhos, e então, com um brilho provocador no olhar, soltou:
— Me diga uma coisa... ainda é virgem?
Meu coração deu um salto. Senti o calor subir até as orelhas, e tudo em mim gritou por fuga.
— Isso não te diz respeito — disparei, a voz trêmula de vergonha e indignação.
Sebastian sorriu de lado, como se tivesse acabado de vencer algum tipo de jogo silencioso.
— Vai dizer isso agora... mas quando eu te ouvir gemendo meu nome, talvez pense diferente.
Virei o rosto, engolindo a raiva e o constrangimento, enquanto uma parte de mim lutava para não ceder ao medo. Ou à confusão. Ou — pior — ao desejo inexplicável que me arrepiava a pele.
Eu tinha que resistir. Mesmo que tudo naquele quarto, naquela noite, dissesse o contrário.
Depois daquilo, eu precisava de ar. Ou de coragem. Talvez dos dois.
Sebastian voltou a se sentar na cama, como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse acabado de invadir minha bolha com palavras que queimavam mais do que deveriam. Ele tomou outro gole de uísque e pegou o celular, indiferente à minha presença. Ou fingindo estar.
Fui até minha cama — a que tinham colocado do outro lado do quarto — e tirei a toalha da cabeça com um suspiro contido. Me encolhi entre os lençóis, de costas pra ele, como se a distância de três metros fosse um escudo contra o desconforto. Contra ele.
Mas não era.
O quarto estava silencioso, exceto pelo tilintar do gelo no copo dele e o som baixo da sua respiração. Fechei os olhos, tentando pensar em outra coisa, qualquer coisa. Mas tudo em mim estava alerta. Cada centímetro do meu corpo parecia ciente demais da presença masculina do outro lado.
Era como dividir o quarto com um animal selvagem que fingia domesticidade.
A cada movimento dele, meu corpo reagia. Não por desejo — ou pelo menos era o que eu insistia em acreditar — mas por instinto. Medo. Tensão. Vulnerabilidade.
Ou talvez fosse tudo misturado.
Puxei o lençol até o queixo, como se isso pudesse me proteger de algo maior do que o frio. E então, no escuro, ouvi sua voz:
— Está com medo de mim, Ane?
Engoli seco, sem me virar.
— Estou tentando dormir. — Minha voz saiu baixa, firme o suficiente.
— Essa camisola não parece roupa de quem quer dormir tranquila — ele provocou, e eu senti minhas bochechas queimarem de novo.
Não respondi. Não ia dar esse gostinho a ele.
Alguns minutos depois, ouvi o som do copo sendo colocado na mesa de cabeceira, e passos lentos pelo quarto. Prendi a respiração, esperando... mas ele foi até o interruptor e apagou a última luz acesa.
Ficamos mergulhados na penumbra.
O colchão dele afundou quando ele se deitou, e então o quarto ficou em silêncio novamente.
Mas o que me matava era o que não acontecia. Nenhum comentário. Nenhum toque. Apenas... presença. Pesada, densa. Como se tudo estivesse à beira de explodir e nenhum dos dois quisesse ser o primeiro a acender o fósforo.
Fechei os olhos mais uma vez. Repeti para mim mesma que aquilo era temporário. Que eu só precisava aguentar mais uma noite. E depois outra. E outra.
Até descobrir uma forma de escapar.
Até me lembrar de quem eu era antes de tudo isso.
E, principalmente, até conseguir olhar para ele — Sebastian Mancini — sem sentir que estava prestes a perder o controle.