06 - Sabrina

1152 Palavras
Sabrina Narrando Meu nome é Sabrina Reis, tenho vinte e três anos, sou baixinha, morena, dona de um gênio que muita gente não sabe lidar e estudante de Odontologia por pura paixão, não por obrigação. Muita coisa na minha vida foi decidida por outros, mas a minha profissão, não. Essa é minha, do meu jeitinho, conquistada no suor e paga pela pessoa que mais me ama nesse mundo: meu irmão, Sandro. Eu cresci em uma família classe média que nunca passou fome, nunca passou luxo demasiado, mas passou amor, até que o destino arrancou isso da gente cedo demais. Eu era uma criança quando meus pais morreram, e a única coisa que me lembro nitidamente daquele dia é do Sandro, desesperado, dizendo que ia cuidar de mim. Ele disse: — Você nunca vai ficar sozinha, pequena. Nunca. Ele cumpriu. Até hoje cumpre. Fui criada pelos meus tios, que eu chamo de pai e mãe. Eles me deram casa, educação, carinho e puxão de orelha quando precisei. Mas quem realmente arcou com a minha vida foi o Sandro. Ele pagou minha escola, paga a faculdade, paga o seguro e a manutenção do meu carro, e até o meu plano de saúde. E ele não deixa ninguém jogar isso na minha cara. Nunca deixou. — Minha irmã estuda porque eu quero, e porque ela merece. Quem não gostou, problema pra resolver com a parede. Foi o que ele respondeu uma vez pro meu tio. Meu tio não aceita a vida que o Sandro leva. Não aceita que ele esteja no tráfico, que ele seja o braço direito do chefe do PPG, que comande uma parte da movimentação do morro. E o Sandro, bom, ele não aceita ser questionado. São dois teimosos batendo de frente. Meu tio acha que ele ainda é um moleque deslumbrado, e o Sandro acha que meu tio é metido a santo. Não se bicam, não se toleram, mas se respeitam pelo meu bem. Eu? Fico no meio dessa guerra fria familiar desde sempre. E já aceitei: meus dois mundos nunca vão conviver em harmonia. Apesar de tudo, eu e Sandro temos uma relação que eu jamais trocaria por nada. Ele é meu tudo. Meu porto seguro. Minha fortaleza. O homem que me ensinou a dirigir, que me levou no primeiro dia da faculdade, que sentou comigo no chão da sala quando eu chorei por causa de um crush idïota. Sandro sempre esteve lá. O problema é que ele sempre está lá, demais. Principalmente na minha vida amorosa. Se dependesse dele, eu casaria virgem, de branco e com ele escolhendo o noivo. Toda vez que ligo pra ele animada, falando que conheci alguém, ele torce o nariz. — Quem é o infeliz? — ele pergunta. — Sandro, eu só falei com o cara… — E já falou demais. Se o rapaz tenta se aproximar, ele dá um jeito de espantar. Já teve um que literalmente saiu correndo da porta da faculdade quando viu meu irmão encostado no carro. Eu vivo dizendo: — Sandro, você vai me deixar pra titia! E ele responde: — Titia não, doutora. Homem nenhum presta, pequena. Ele diz isso, mas eu sei que um dia ele vai ter que aceitar que eu cresci, que eu vou gostar de alguém de verdade, que eu vou me apaixonar por alguém. Meu sonho é ter meu canto, meu consultório, meu apartamento cheirosinho, minha vida rodando no meu ritmo. Mas isso só depois da minha formatura. Não porque eu não quero independência agora, mas porque eu sei o quanto ele lutou pra me ver com o diploma na mão. Primeiro eu retribuo. Depois eu voo. Na faculdade, eu tenho duas amigas de infância, aquelas que cresceram comigo na escola, que dividiram meus aniversários, meus trabalhos, minhas crises, minhas fases. Liz e Andreza. Por muito tempo eu achei que nós três éramos inseparáveis, tipo um trio de novela. Eu confiava nas duas de olhos fechados, sem pestanejar. Liz, então… Liz é minha irmã de alma. A menina que tem coração tão grande que chega a ser injusto o mundo ser tão duro com ela. Filha única, criada como bonequinha de porcelana, mimada, controlada, empurrada pra dentro de um relacionamento que ela nunca pediu. Ela é dessas pessoas que você quer proteger. Que você quer guardar num potinho. Que você quer ver feliz, mas que vive cercada de gente que só quer lhe usar. O pai dela, principalmente. Já a Andreza… bom. A Andreza sempre foi divertida, extravagante, cheia de comentários ácidos, mas ultimamente ela tá demais. Tá estranha, tá distante, às vezes tá doce demais com a Liz. Comecei a sentir que tinha alguma coisa fora do lugar, alguma energia torta no ar. Eu nunca tive ciúme das minhas amigas, mas passei a ter uma sensação ruïm com a Andreza. Como se ela estivesse escondendo algo. Como se ela estivesse sorrindo demais. Mas eu não falei nada. Não tinha prova. Não tinha motivo concreto. Era só pressentimento. E faz tempo que aprendi a não acusar ninguém sem certeza. Até que a certeza veio. De um jeito que eu não esperava. Foi numa noite qualquer, depois de um jantar que eu tive com o Sandro em Ipanema. Ele estava de bom humor, conversando sobre a rotina, sobre a vida, sobre a faculdade, quando decidiu dar uma volta em Copacabana. Ele adora a orla à noite, aquele ar de liberdade. Eu estava olhando pela janela, ouvindo o som do mar misturado ao motor do carro, quando vi algo que fez meu estômago virar. Um carro estacionou em frente a um prédio chique. O carro eu conhecia. Muito bem. E quem abriu a porta do passageiro? Era a Andreza. Entrando no carro do Ramon. O noivo da minha melhor amiga. O mesmo Ramon que ela sempre chama de feio. O mesmo Ramon que ela dizia que não era homem pra Liz. O mesmo Ramon que ela vivia aconselhando a amiga a largar. Meu coração parou. Meu sangue ferveu. E naquele exato momento, eu percebi que o trio perfeito nunca existiu. E que a máscara da Andreza estava prestes a cair. Na mesma hora falei com o meu irmão, e o Sandro disse que ia desenrolar um investigador. E assim aconteceu, eu ainda alertei a Liz algumas vezes, sobre a Andreza, eu não queria falar nada sem provas. Todo mundo sabe que os pais da Liz, adoram ele, seria a minha palavra contra a dos traidores. Mas antes do investigador chegar, a minha amiga pegou os dois no flagra. Doeu muito, vê a Liz no estado que ela chegou. Mas antes de dizer para ela, que eu já sabia. Eu falei. — Aqui vai ser o primeiro lugar que ele vai vir te procurar, Então vamos para o apartamento do meu irmão. Ele não tá lá. Liz só viu o Sandro poucas vezes, mas ele sabe tudo sobre ela. E ela nem imagina, quem ele é.
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