**Capítulo 4**
**Ester narrando**
Eu vejo meu irmão saindo de fininho com um dos traficantes, até que é bonitão, mas não consigo ver pra onde eles vão. Aí, vou pro bar e pego uma bebida. Fico ali, observando o morro. Não é muito diferente dos lugares que eu costumava frequentar. O som alto, a batida da música, as luzes piscando... É como se o tempo parasse e eu estivesse em um daqueles momentos onde nada mais importa. Mas, ao mesmo tempo, sinto uma pontada de inquietação no peito, algo que não consigo ignorar. Uma parte de mim sabia que estar ali não era só mais uma noite de diversão.
Por causa da minha família, acabo tendo poucos amigos de verdade. Tenho conhecidos da noite e das festas, mas amigos... esses são raros. Meu irmão também não ajuda, já que a galera tem medo dele por causa das suas trambicagens. Sempre estive cercada por pessoas que se aproximavam por interesse ou medo, nunca por quem eu realmente sou. Mas eu tava sempre aprontando e me divertindo, era o que eu podia fazer para não me sentir sufocada nessa vida que, na verdade, nunca escolhi. Eu odiava estudar, tinha pavor e sempre fui assim. Era mais fácil me perder na noite do que enfrentar a realidade que me cercava.
— E aí, você é nova por aqui? – Uma mulher morena se aproxima e eu a encaro, tentando decifrar suas intenções.
— É, sou. Tô acompanhando meu irmão – eu respondo, tentando soar casual, mas algo nos olhos dela me faz ficar alerta.
— Alana – ela se apresenta, com um sorriso que não chega aos olhos.
— Ester – eu sorrio de volta, mas já pressinto que essa conversa vai além de uma simples apresentação.
— Seu irmão é quem? – ela pergunta, o tom casual, mas eu percebo que ela já sabe a resposta.
— João Pedro – eu respondo, observando a reação dela.
— Ele tá aqui? – ela pergunta, me dando um olhar rápido, como se procurasse alguém.
— Tá, tá conversando com um homem que eu não conheço – eu falo, apontando na direção deles, tentando parecer despreocupada, mas meu coração começa a acelerar.
— Joca – ela fala, como se o nome carregasse um peso – é tio do Sampaio.
— Quem é o Sampaio? – eu pergunto, tentando soar curiosa, mas a verdade é que o nome me dá um calafrio.
— Você não conhece ninguém aqui? – ela pergunta, a surpresa evidente.
— Absolutamente ninguém – eu respondo, sorrindo – só tô acompanhando ele.
— Então ele é seu irmão? – ela pergunta, como se confirmasse algo.
— Dizem que sim – eu falo, tentando aliviar a tensão, mas ela me encara com seriedade.
— Seu irmão não é bem-vindo aqui – ela diz, o tom agora sério.
— Como assim? – minha voz sai mais alta do que eu pretendia, e eu percebo que minha calma começa a se dissipar.
— Ele tá devendo grana aqui no morro e, sinceramente, é melhor você vazar daqui – ela fala, me olhando nos olhos – porque se o Sampaio chegar e encontrar ele aqui, vai acabar com vocês dois.
Ela se afasta antes que eu possa reagir, deixando-me sozinha com o peso das suas palavras. A ficha começa a cair e a bebida no meu copo de repente parece amargar na minha boca. Eu olho na direção do meu irmão, e uma mistura de raiva e preocupação toma conta de mim. O que ele estava pensando? O que eu estava pensando ao seguir ele até aqui?
— João Pedro – eu chamo, com uma urgência na voz que não consigo esconder, fazendo ele e o tal de Joca me olharem.
— Agora não, Ester – ele fala, tentando me dispensar como se eu fosse apenas um incômodo, mas não vou deixar pra lá.
— Vamos embora – eu digo, a voz firme, quase uma ordem – já sei que você deve dinheiro aqui no morro, já falei, vamos embora – eu me viro para sair, mas o cara me segura pelo braço, e meu coração dispara.
— Me solta – eu exijo, o olhar fixo nele – quem você pensa que é pra me segurar assim?
— Daqui você não sai – ele fala, com uma calma que me deixa ainda mais nervosa.
— Como é? – eu pergunto, sentindo uma onda de pânico começar a crescer – do que você tá falando?
— Seu irmão acabou de pagar a dívida dele – ele diz, como se isso explicasse tudo.
— Com que grana, João Pedro? Com a nossa herança? – minha voz é quase um grito, e eu já não consigo disfarçar o medo.
— Com você – Joca responde, e eu fico meio tonta tentando entender o que tá rolando. As palavras dele ecoam na minha cabeça, mas parece que meu cérebro se recusa a processá-las.
— Que merda é essa? – eu questiono, nervosa e brava – que merda é essa que estão falando? Como assim ele pagou a dívida dele comigo? Isso é uma loucura – eu esbravejo de raiva, tentando me convencer de que isso não pode estar acontecendo.
— Sim – João Pedro fala, sem nenhuma vergonha – você só me dá dor de cabeça e precisava pagar essa dívida.
A raiva dentro de mim explode de uma maneira que nunca senti antes. O sangue ferve nas minhas veias, e eu não consigo controlar o impulso.
— Eu não sou pagamento de dívida de ninguém – eu grito, jogando a bebida que tava no copo nele – fica você como pagamento e sendo a mulherzinha desses traficantes de merda. Aqui eu não fico, pode me matar, mas eu não fico. Ninguém manda em mim – eu empurro o Joca com toda a força que tenho e saio correndo do camarote e do baile. Mas, ao sair, sou surpreendida por dois homens armados.
O medo me paralisa por um segundo, mas a adrenalina não me deixa pensar. Tento correr, mas um deles me agarra por trás e coloca um pano na minha boca, me fazendo desmaiar. E a última coisa que penso antes de perder a consciência é que eu nunca devia ter confiado em João Pedro.
**Capítulo 5**
**Joca narrando**
Fico vendo os vapores levando a garota desmaiada pra minha casa. Divido o lugar com o Sampaio e ela vai ficar lá até receber a herança dela daqui a alguns meses. Depois, ela passa a grana e some. Mas uma parte de mim sabe que isso não vai ser tão simples. Algo nos olhos dela, na forma como ela enfrentou a situação, me diz que Ester não vai se conformar em ser uma moeda de troca.
— Então a dívida tá quitada – diz o João Pedro, com um alívio que me irrita.
— Por enquanto – eu respondo, sem conseguir esconder o desprezo – se ela não receber a grana, deixo o Sampaio te cobrar.
Ele faz um gesto despreocupado, como se não tivesse jogado a própria irmã aos leões.
— Relaxa – ele fala – Ester tem mais dinheiro pra receber do que eu. Vou nessa, boa sorte.
Eu vejo o moleque descendo o morro e acendo um baseado, tentando afastar a irritação que ele me causa. Não consigo deixar de pensar em como ele tratou a própria irmã. Heitor chega e a gente se encara.
— Os vapores disseram que ela já tá dormindo – ele fala, mas seu tom de voz revela que ele sabe que isso é apenas o começo de um problema.
— Sabe que o Sampaio não vai gostar nada disso – ele acrescenta, a preocupação evidente.
— Sei – eu respondo, tragando profundamente – dou um jeito nisso depois.
— Beleza – ele fala, mas percebo que ele ainda está tenso.
Eu tento não pensar muito no que Sampaio vai dizer quando descobrir. Eu sei que ele não gosta desse tipo de coisa. Ele tem um código, mesmo que torto, e prender alguém contra a vontade não faz parte do jogo dele. E eu também não consigo tirar da cabeça o olhar de Ester. A raiva, o desprezo... como se ela já estivesse me condenando.
— A Alana tava conversando com ela, não? – eu pergunto, tentando desviar a mente.
— Tava – ele confirma, mas eu percebo que ele também está desconfiado de como isso vai acabar.
— Foi depois disso que ela foi falar com a gente. Alana deve ter contado sobre o irmão.
— E você acha que essa garota não sabe do irmão? – ele questiona, como se duvidasse que alguém pudesse ser tão inocente.
— Sei lá, o João Pedro é um cretino – eu digo, lembrando das atitudes dele – duvido que ele tenha contado alguma coisa pra ela.
A gente se encara, mas fica em silêncio. O Sampaio realmente vai pirar quando ver ela, mas não tem outra forma de evitar uma guerra nesse momento. E no fundo, eu sei que estou jogando com fogo.
Falando em Sampaio, ele me manda uma mensagem dizendo que tá voltando porque não achou nada sobre o Kaue. Isso é o suficiente para aumentar minha ansiedade. Sampaio pode ser imprevisível quando as coisas não saem como ele quer.
Vou pra casa e fico esperando a garota acordar. A tensão no ar é quase