Pré-visualização gratuita Jardim de Maus Começos
Era uma vez não era a maneira correta de se começar uma boa história, pelo menos, era assim que Changkyun pensava. Os livros de romance nunca foram os seus favoritos, e ele jamais se sentiria como uma Bela, pronta para amar a Fera independente de sua grosseira, nem uma Cinderela, ouvindo calado afrontas de uma madrasta e irmãs postiças, e muito menos como uma Branca de Neve, se deixando enganar tão facilmente por qualquer um. Changkyun não se via como um donzelo em apuros esperando pelo seu príncipe encantado, vindo montado em um cavalo branco com suas mexas loiras ao vento, e talvez fosse esse o tormento de sua mãe.
— Nós viemos na intenção de que conheçam alfas de boas famílias. — a matriarca repetia seu discurso aos sussurros entredentes, em um canto qualquer do salão e fora das vistas dos demais convidados, praticamente encurralando os três filhos ômegas no canto da parede coberta por uma cortina em vermelho escarlate — Então sorriam, não tagarelem muito e sejam discretos e gentis quando se aproximarem de vocês!
O mais novo, tomado pela falta de vontade de estar ali, revirara os olhos, m*l se dando ao trabalho de responder no uníssono dos irmãos mais velhos.
— E Changkyun. — ela sempre usava um tom ríspido quando se referia a ele — Tente não agir como um animal selvagem, o que a família real pensará de nós se o virem com essa carranca no meio de uma festa tão bonita?
O ômega conhecia bem o temperamento eufórico de sua mãe quando o assunto era o futuro de seus filhos, a ômega já perdera o marido e agora se via na desagradável situação de ser sustentada por um sobrinho alfa que herdara todas as terras do falecido, foram instantes desconfortáveis para ela e seus três filhos, sendo obrigados a receber o rapaz e seu esposo em casa, tendo que viver somente do que lhes era concedido pelo mesmo. Changkyun ainda era muito jovem quando isso veio a acontecer, então fora o que menos notou a diferença, já a mulher, parecia se tornar mais insatisfeita a cada dia que se passava.
— Tenho certeza que o príncipe se encantará pela beleza de meu amado Minhyuk. — a mais velha ajeitava os fios pretos do filho mais velho, que era de longe o mais querido para ela, algo que nem sequer fazia questão de disfarçar ou negar, mas que de certa forma não era algo que importasse tanto para os outros filhos, que apenas reviraram os olhos em cada demonstração de afeto e preferência a mais — Vamos, em breve o príncipe descerá pelas escadas e devemos estar lá para o prestigiar.
Os ômegas se espalharam pelo salão, que brilhava tanto ao ponto de tudo ali parecer ser de ouro, e era bem provável que fosse mesmo, tons de vermelho eram vistos por toda parte, e haviam boatos de que tudo o que se direcionava ao príncipe possuíam esse tom por ser sua cor favorita, algo sabido por sua mãe, que vestira Minhyuk em um conjunto vermelho que chamaria a atenção de qualquer um que tivesse olhos em bom estado.
Sua mãe tinha visões distorcidas sobre o que era discrição.
Tudo parecia monótono ao ponto de lhe acarretar sono, a música lenta tocada pelos instrumentistas mais se parecia com uma canção de ninar aos seus ouvidos, e as bebidas servidas em primeira instancia não lhe agradavam ao paladar, as considerando fracas demais, assim como era costumeiro em começos de festas, o rei desejava que todos estivessem bem sóbrios no começo da noite.
Mas já era sabido que essa sobriedade só durava até os ômegas se retirarem em cansaço, e então os alfas passavam a beber de forma desenfreada, e a fazer coisas que não fariam diante dos olhos de seus esposos. Ao seu ver, a sociedade era muito injusta com os ômegas, lhes dando espaço apenas para serem apresentados como fantoches no braço alheio, e parideiras prontas para dar filhos aos alfas.
— Mamãe continua o olhando, sugiro que sorria vez ou outra, nem que seja para o nada. — Kihyun, seu irmão do meio, lhe aparecera em algum momento, segurando uma taça pela metade e pelo hálito que apresentava, aquela não era a primeira — Se divirta um pouco, Chang, isto é uma festa!
Talvez Kihyun estivesse com a razão, e ele devesse pelo menos tentar, de qualquer forma, independente do que fizesse ou deixasse de fazer, acabaria recebendo uma bronca de sua mãe, simplesmente por não ser quem ela tanto queria que ele fosse.
Observava os servos do castelo entrarem e saíram pela mesma porta, imaginando ser ali o caminho para a cozinha, queria se divertir, mas os mesmos não o deixavam pegar bebidas consideradas mais fortes, por serem destinadas apenas para alfas, o obrigando a ficar apenas com o que considerava ser água com gotas de álcool misturadas. Nunca fora bom em seguir regras, mesmo sendo sabedor de que não podiam ultrapassar o limite de nenhuma daquelas portas que davam para fora do salão de festas e mais para dentro do castelo, o ômega optou por seguir alguns dos servos na direção da adega.
Tentou ser o mais discreto possível, a maioria dos servos eram ômegas ou betas, então nem notariam que havia mais um ali, e caminhando por entre eles, passou pela porta lateral, os seguindo pelo extenso corredor coberto por quadros estranhos ao seu ver, até chegar à porta que dava para a sala onde as bebidas que seriam servidas na noite estavam sendo armazenadas.
Haviam muitos barris com furos tapados apenas por rolhas, que facilitavam na hora de buscarem por mais, e também muitas jarras cheias e já prontas para serem levadas para o salão em bandejas de prata, até mesmo a adega apresentava o mais puro luxo, luxo este que sempre fora muito comentado pelas cidades e principalmente na Cidade Capital.
Quando muitos pareciam distraídos no que faziam, o rapaz se serviu de uma taça bem cheia de uma bebida de cheiro muito forte, a qual, sendo ômega, jamais teria acesso, o líquido de cor amarelada tomava uma beleza indiscreta quando servida em taças de prata, algo de extremo agrado do Im.
Mas infelizmente, antes que seus lábios tomassem posse dos cantos da taça, a mesma foi retirada de sua mão de uma forma tão rápida e simples que o ômega demorou um pouco para se situar do que havia ocorrido.
— Acredito que esta bebida seja amarga demais para a doçura de um ômega. — Changkyun ouvira as palavras calmas do homem à sua frente, o semblante ameno não era o de quem estava ali para o repreender por aquilo, o rapaz loiro e bem vestido apenas o encarava de forma pacifica.
Uma passividade que não se encontrava no Im, que azedara naquele instante.
— Acredito que não lhe dei permissão para decidir o que é amargo demais ou de menos para mim. — o ômega, que era naturalmente menor o loiro, que havia constatado ser alfa, tentou pegar a taça de volta, falhando miseravelmente em sua tentativa, após o mesmo a erguer em uma das mãos — Não brinque comigo!
Irritado, o menor dera uma pisada forte no pé esquerdo do alfa, o fazendo se desequilibrar e consequentemente derrubar a taça que estava em sua mão encima de si mesmo, sujando toda a camisa de tons claros na qual estava vestido.
— Bem feito para vocês alfas que sempre acham que podem mandar em nós ômegas!
Dito isto, e parecendo satisfeito com o que havia feito, o mais novo se pôs a correr de volta para o corredor, voltando para o salão de festas, onde julgava ser mais seguro. Olhava para trás o tempo todo, na esperança de que o alfa viesse atrás de si, e isso causasse uma confusão grande suficiente para serem mandados embora daquele lugar tedioso.
Mas o alfa não foi atrás dele.
E perdido naquele imenso salão, Changkyun se perguntava se já havia conseguido escapar dos olhos de águia de sua mãe, para assim poder se sentar em uma cadeira qualquer e passar o restante do tempo apenas observando a falta de criatividade de alguns para chamar atenção. Francamente, os ômegas mereciam bem mais do que isso, e não deveriam se rebaixar daquela forma para conseguir um marido considerado... bom.
Alias, o que realmente significava ter um bom casamento? Na cabeça de sua mãe, um bom casamento só existia quando envolvia o herdeiro de uma herança gorda, e o mais novo da família Im não se sentia na esperança de encontrar alguém que fosse se encaixar nisso. Pra falar a verdade, ele sequer tinha a pretensão de se casar um dia, a ideia de viver submisso a alguém parecia absurda demais.
— Venha, Changkyun. — em algum momento, sua mãe aparecera, o olhar bravo e os lábios chispados já faziam parte do arsenal de expressões que ela tinha para ele — O príncipe irá descer as escadas.
O Im via aquilo como algo tosco e fútil, onde todos se perfilavam no salão, deixando apenas um espaço como um corredor estreito para que o príncipe passasse por eles na direção do trono, onde se sentaria com seu traseiro real e passaria o restante da noite analisando a todos e os julgando com seus olhos.
Haviam boatos de que naquele ano, o então herdeiro do trono, escolheria a pessoa com quem se uniria, o que fazia com que todos os ômegas solteiros se animassem e fizessem de tudo para serem notados. Mas Changkyun não era todos.
— Vossa majestade, o príncipe Jooheon!
A voz do anunciante foi ouvida por todo o salão, enquanto todos se espremiam para estar mais à frente e então poder vê-lo mais de perto. Os olhos de todos, o que incluía o ômega Im, se voltaram para o alto da escada, onde vestido com uma manta n***a e botas no mesmo tom, o príncipe herdeiro descia com a leveza e majestade que alguém da família real obrigatoriamente tinha que ter.
Os olhos de Changkyun se alargaram, encontrando naquele sorriso até então visto como encantador, uma passagem direta para a guilhotina. Não havia passado tempo o suficiente para que pudesse esquecer daqueles traços tão marcantes, e nem daqueles fios dourados que aparentava serem tão sedosos e bem cuidados ao ponto de trazer inveja até para as flores.
Era ele, o mesmo alfa a quem outrora pisara-lhe o pé, e se condenando mais ainda, o fizera derramar bebida em suas roupas. Seu pescoço estava por um fio.
Passara o restante da noite tentando se manter neutro em meio aos outros, e sempre que o príncipe descia para tirar um ou outro ômega para dançar, o mesmo se escondia e ficava o mais distante possível. Já era sabedor que afrontas diretas à família real era considerado o pior dos crimes, e ele não estava pronto para perder a cabeça por causa de um errinho que ao seu ver havia sido algo tão bobo.
Em momentos assim que ele dava razão ao que sua mãe dizia “Não saia provocando as pessoas”, seria humilhante demais que no dia de sua execução sua mãe aparecesse dando um discurso de que aquilo só estava acontecendo porque ele nunca a ouvia.
Por algum motivo, estava próximo aos seus irmãos, emburrado por sentir seus pés cansados e mesmo assim sua mãe se recusar a deixa-lo voltar para casa. Tentava se distrair em pensamentos próprios, e talvez devido a essa distração não tenha visto a aproximação do príncipe, que parara subitamente ao lado da cadeira em que estava sentado e que se recusava a levantar.
— Me daria o prazer desta dança? — seus olhos duplicaram de tamanho quando a mão do príncipe se estendeu para ele, o fazendo recuar o rosto centímetros para trás.
Sua reação era negar o que apelidara de “dança da morte”, sendo que provavelmente seria a última que faria em vida. Mas os olhos fixos de sua mãe em si o fizeram temer mais a ela do que ao próprio príncipe.
Fora tirado da mesa sob o olhar invejoso e nada discreto de seu irmão mais velho, Minhyuk, podia ver sua mãe o olhando de forma estranha, como se ditasse tudo apenas com seus olhos, ele praticamente podia ouvir o seu costumeiro “não estrague tudo”.
— Não tenho sequer o direito de escolher com quem ter a minha última dança?
— Acho que isso já lhe seria bondade demais. — o mais alto respondera no mesmo tom irônico do ômega.
— Devo me preparar para ter uma morte pública ou tenho alguma chance de conseguir fugir? — Changkyun já lera isso em um livro, onde os valentes ironizavam situações de perigo, como se dessa forma pudessem ocultar o medo que assombrava suas almas.
Ou apenas acreditava que se sua história chegasse a ser contada um dia, como o ômega que não baixou a cabeça para o príncipe, aquelas palavras soariam mais galantes e inspiradoras.
— Acredito que ganharia mais tendo uma última refeição digna e fazendo preces para ser aceito no céu.
O ômega acenou com a cabeça como quem aceitava o seu destino sem protestos. Sentia a mão do príncipe pressionando sua cintura e o trazendo para mais perto de seu corpo, era inevitável que seus hormônios de ômega fossem atingidos por aquilo, ainda mais por não estar acostumado a sentir o cheiro de um alfa tão perto, e muito menos ser tocado por um.
— Meus pés cansados estão ansiosos por uma pausa. — o que não era mentira — Por que a vossa majestade não tira o meu irmão para uma dança? Tenho certeza que ele seria uma companhia bem melhor do que a minha.
Mesmo com seu pedido para que parassem, o próprio Changkyun não havia movido musculo nenhum em prol disso, seus olhos ainda estavam grudados nos do alfa, e certamente culparia a aproximação de seu cio por estar tão sensível quanto a esse tipo de contato.
— Eu tenho uma cama muito confortável para se descansar.
Precisou engolir a seco aquela resposta, a mais ousada resposta que já recebera em toda a sua curta passagem pela Terra. Um pequeno desespero tomara conta de si naquele exato segundo, seus pés estavam até mesmo formigando, os olhos do príncipe transmitiam a sua malícia, causando arrepios no rapaz.
— Um ômega puro possui mais chances de entrar no céu. — foi a única resposta que conseguiu dar, uma frase ensaiada que já ouvira de uma de suas professoras quando mais jovem.
Soltou-se do alfa rapidamente, se afastando dele indo na direção das demais pessoas, procurando um lugar naquele imenso salão onde não estivesse mais sob as vistas do mesmo. O príncipe Jooheon lhe causava arrepios, dos quais não saberia dizer serem bons ou ruins.
Mas quando perdesse a cabeça não precisaria pensar muito. Ou príncipe estava apenas brincando?
[...]
Changkyun passara a manhã inteira esperando um mensageiro real aparecer carregado de guardas prontos para o levar até a forca. m*l comeu e m*l bebeu, por mais que desejasse ter uma ótima ultima refeição, estava tão nervoso que seu corpo se recusava a isso. Até mesmo pensara em fugir diversas vezes, armando planos que em sua cabeça eram incríveis, porém sempre encontrando uma falha que poderia pôr tudo a perder. Era claro, estava sem saída, e em pouco tempo, sem pescoço.
Em sua imaginação, a imagem do príncipe segurando sua cabeça em uma bandeja se fazia muito presente, precisava apenas fechar os olhos e logo esta imagem já lhe vinha. Ah! O príncipe! Como senta vontade de pisar-lhe o outro pé, e talvez lhe dar mais um banho de vinho tinto, quem sabe assim ele aprendesse a nunca mais o tratar daquela maneira. Todavia, do que lhe adiantava? Uma condenação à morte já bastava, de todos as formas ele só tinha uma vida, e um único pescoço.
Pescoço este que estaria em uma guilhotina antes do anoitecer.
— O mensageiro real esteve em nossa porta! — muito satisfeita com seu típico sorriso fino nos lábios, a mulher aparecera, segurava seu leque de tecido caro e tanto gasto, a expressão de felicidade ao dizer aquilo, trazia desconfiança até mesmo ao filho menos querido.
Sua mãe não ficaria feliz com sua morte, ficaria? Talvez esse fosse o ponto limite para tudo aquilo, ela não o odiava a esse tamanho sorriso, pelo menos, não era isso que Changkyun achava.
E nervoso, o mais novo sequer abriu a boca quando a matriarca pediu para que todos prestassem atenção ao que ela dizia, fazendo um suspense tão tremendo que parecia ao ponto de dar o anúncio da década, ou melhor, do século. Não, a morte de Changkyun não seria anunciada assim.
— O príncipe nos convida para um agradável chá em sua presença hoje à tarde! — por fim, anunciou, praticamente dando um pequeno pulo pela felicidade antecipada — Exclusivamente entre nós e vossa majestade, uma honra imensurável!
Uma gota de suor gelado descera pela espinha do mais novo, menor também, ao ouvir aquilo. Em sua cabeça a pior atrocidade se passava. O príncipe desejava decapitá-lo pessoalmente? E tão envolto de suas paranoias, nem notara quando seus parentes se dispersaram pela casa, sobrando apenas ele e Kihyun, sendo que o irmão o olhava atentamente por muito tempo, tentando de alguma forma entender o que se passava na cabeça do caçula.
Os olhos castanhos até mesmo estavam baços.
— Changkyun! — já era a terceira vez que o chamava — Chang!
Em um sobressalto, o ouviu.
— Hum?
— Aconteceu alguma coisa pra você estar assim? — o indagou, claramente preocupado e talvez curioso.
— Não! — respondeu rapidamente, ele ainda não havia pensando em uma forma de contar à família o que havia feito, e não seria de uma hora para outra que essa resposta seria formulada — Não! Eu só estava pensativo quanto ao chá, quer dizer, será agradável, não acha? Talvez o príncipe tenha se interessado por Minhyuk, os dois dançaram muito ontem à noite, ou até mesmo por você, vocês chegaram a dançar, não?
O do meio franzira o cenho, o nervosismo do mais novo era tão obvio que chegava a ser patética a sua tentativa de parecer calmo diante da situação, o ômega não era bom quando o assunto era mentir, e certamente aquela história não tinha eira e nem beira. Sequer havia se esforçado para inventar algo que combinasse consigo mesmo.
— Se é o que dizes... — fingira que nada havia se passado em sua cabeça, pois sabia que Changkyun não contaria de qualquer forma, passando pelo mesmo e sumindo pela porta que dava para a cozinha.