─ Não.
Nem tudo gira ao seu redor.
Ela me olha feio.
─ Estava prestando atenção no Marcelo. Não ouvi, mãe.
Respondo, desesperada. Só quero que ela me deixe em paz.
Ela me xinga de tudo que é nome: gorda, lerda, otária, feia. Como é que ela quer que eu me importe?
Ah, claro. Ela tem Transtorno Narcisista de Personalidade.
─ Você é uma inútil mesmo. Não serve para nada. - ela diz com ódio.
Deixa eu adivinhar como foi a briga dessa vez. Você disse para ele que queria um vestido da Carolina Herrera, ele disse que era muito caro, você ficou insistindo, ele perdeu a paciência e te bateu.
Ambos estão errados.
Nessa casa não há santos.
─ Só um pequeno anjo. - beijo o nariz do meu irmão.
─ Quê? - ela pergunta enraivecida.
─ Ele é lindo como um anjo.
─ Vai, sai daqui sua retardada. - Ela me toca do quarto.
Vou para o meu e coloco fones. Começo a escutar um montão de músicas sexys. Sabe como é. Eu ainda não tenho televisão no quarto.
Vasculho minhas mensagens, olho os grupos. A Elisa mandou um monte contando para todo mundo que ela conseguiu vaga na Escola de Arte.
Eu queria ser assim otimista.
Vou fazer um baseado e me masturbar.
Abro a janela e subo as persianas sem fazer barulho. Eu amo essa minha cortina de renda branca. É tão sensual.
Ainda há luzes acesas na vizinhança. Jogo meus braços para fora e começo a fumar primeiro um cigarro, enquanto olho dentro das casas.
Fico comparando a minha vida com a dos demais.
Olha só.
Há uma família vendo televisão, um casal se beijando na cozinha, uma mãe balançando um berço... Tudo normal e cotidiano.
Quero dizer! Hahaha.
Exceto... Exceto este cara!
Puta merda.
Um loiro muito gostoso dobrando umas roupas só de cueca branca. Ai, que delicioso. Prendado, organizado, responsável.
Não como esses caóticos daqui de casa.
O p*u dele está duro.
Mas como pode isso? Ele tem alguma parafilia estranha? Fetiche por móveis?
Brincadeira. Só deveria estar assistindo pornô no x-vídeos.
Começo a me debruçar na janela, e a olhar atentamente, estou até arregalando os olhos.
De repente vejo como ele para, e olha na minha direção. Seu rosto fica de frente para a janela. Ele se aproxima.
Solto uns risinhos nervosos e junto meus s***s com os braços, só para provocá-lo, fumando.
Ele abre um sorriso ladeado e acena pra mim.
Nesse momento sinto uma adrenalina muito gostosa, e como não estamos nos enxergando direito aceno de volta e mordo meu lábio inferior carnudo.
Ele inclina o queixo para trás de leve, dando uma gargalhada de nervosismo. Depois se recompõe e aponta para baixo com o indicador duas vezes.
É como se ele estivesse perguntando:
"Vamos descer?"
Ai, não sei não.
Ele começa a se vestir, volta a me olhar e gesticula de novo.
"Vamos descer?"
Já vou.
Jogo a bituca do meu cigarro pela janela.
Me ladeio e deixo ele ver como eu me visto também, com um sorriso tímido, malicioso e divertido.
Desço pelo elevador e coloco o capuz do meu moletom preto. Está chovendo e acabo de arrumar o cabelo. Algumas amigas me dizem que eu fico linda com o cabelo ondulado, mas eu não acredito muito. Afinal, cresci ouvindo que é feio.
Eu moro a algumas ruas da avenida principal. Em qualquer cidade europeia todos os edifícios do centro são caros e antigos. Por fora eles costumam ser góticos, renascentistas ou barrocos: históricos. Por dentro os proprietários reformam as casas com as últimas tendências de Desenho.
É, eu vivo num desses edifícios caros e luxuosos. É irônico porque às vezes meu padrasto não compra nem comida, e a casa não está reformada, tem vários defeitos. Mas quando ele desce no térreo todo mundo pensa que ele caga dinheiro e é isso o que importa.
Encontro dentro do meu moletom um cigarro de maconha já preparado.
É o meu dia de sorte.
Prefiro não fumar em casa, agora que desci já aproveito.
E ainda que esse vizinho pareça "um cara de bem", não dou a mínima se ele tiver uma má impressão de mim.
Costumo me divertir quando causo repulsão em gente certinha.
─ Malvina, você dá pena. - Diz a voz interior da minha cabeça.
─ O fato de eu precisar de medicina alternativa para curar a minha depressão é algo que eu perdoaria se eu fosse Deus. - a respondo.
─ As pessoas sentem nojo de você por usar drogas e por ser antipática. Você é só uma carente, uma penosa e uma inútil. Esta é a sua forma de chamar a atenção dos outros? Sendo uma v***a drogada? Por que você não entra para dentro, joga isso fora e vai estudar?
─ f**a-se.
Acendo o cigarro e cruzo a rua, fumando. Já no primeiro trago sinto a brisa interior relaxante se misturando com o ar poluído e pesado da capital.
Encontro o loiro usando uns óculos escuros, um boné cinza girado para trás e um casaco marrom cujo capuz está levantado sobre sua cabeça, escondendo a aba do boné. Ele é alto, magro e proporcionado. Diria: bem atrativo. Ele está encostado num térreo escuro, o mais feio da rua.
Assim que ele me vê abre um sorriso ladeado no canto da boca e move as mãos dentro dos bolsos do seu casaco por nervosismo. Insegurança? As pessoas dizem que eu sou bem bonita.
─ Oi, vizinho. - Cumprimento, ficando na sua frente, e levantando o meu queixo para olhá-lo no rosto. O loiro fica calado alguns segundos, sabe-se lá quem é ele, me observando por dentro dos óculos escuros. - Vai ficar mudo? - Rio baixo, quebrando o gelo.
─ Uau. - Ele sussurra, dando um leve risinho. - Eu realmente não esperava que você descesse.
Vejo como ele abaixa os olhos, observando o cigarro, mas não diz nada.
─ Pois é. - Respondo, com um sorriso cínico.
─ Hm... - Ele murmura.
O cara se aproxima de mim e segura a minha cintura com as duas mãos.
É mesmo. Foi para isso que descemos.
"E se ele for um depredador?" a pergunta vem com um tom amedrontado pela minha mente.
Mais depredador do que eu? Eu estou louca para f***r.