Pré-visualização gratuita Capítulo 1
Natalie
— Por que diabos eu tenho que estar nua? — pergunto, completamente confusa.
Sophia bufa. Ou, pelo menos, tenta. O som sai mais como um ronco abafado do que qualquer outra coisa, graças aos s***s nasais entupidos e ao nariz machucado. Ela espirra com força em um lenço de papel, tremendo enquanto se agarra ao cobertor como se fosse sua tábua de salvação.
— É arte performática — diz ela, com a voz anasalada. — Os garçons e os convidados devem estar iguais para mostrar que, no fundo, somos todos humanos.
— Assoe o nariz, querida. m*l consigo te entender.
Minha colega de quarto está um trapo.
— Eu disse que vou — resmunga ela.
— Liga lá e diz que está doente.
— O show paga mil dólares, Natalie. Eu preciso desse dinheiro. Senão, não consigo pagar o aluguel esse mês.
Dou uma risadinha e entro na cozinha com uma xícara fumegante de chá de gengibre e mel. Entrego a ela e observo enquanto ela tenta respirar o vapor, como se fosse um remédio milagroso.
— Bem, eu quero que você pague o aluguel — provoco, recebendo um olhar penetrante, ainda que cansado.
— Natalie, eu juro por Deus…
— Não sei, Soso. Isso é... extremo, para dizer o mínimo. Servir nua? Tipo, sério?
— Madeleine Fox é uma artista performática super famosa. Excêntrica? Com certeza. Mas o trabalho dela sempre é de bom gosto. E não é nudismo, exatamente. Você vai usar renda e outras coisinhas. As roupas são opcionais, só isso. Além disso, a lista de convidados é super exclusiva. Nada de esquisitos. E ninguém pode levar celular. Nada de fotos, nem vídeos.
— Vou ter que confiar em você.
Sophia se contorce no sofá, a testa brilhando de suor, os cabelos ruivos colados à testa. Já dei a ela alguns suéteres extras, mas ela continua tremendo como se estivéssemos em pleno inverno — o que é surreal, considerando que estamos em pleno verão nova-iorquino. Sophia é a única pessoa que conheço capaz de pegar uma gripe forte em julho.
Nosso apartamento é decepcionante em todos os sentidos. Tetos descascando, paredes bege opacas, piso de madeira que range a cada passo. A maioria dos móveis foi resgatada da loja de usados local ou encontrada abandonada na calçada. Nada combina com nada.
É pequeno, apertado — e, claro, absurdamente caro. Mas encontrar algo acessível em Nova York é quase como ganhar na loteria. A gente se vira, na medida do possível, mas o dinheiro da Sophia depende de trabalhos como modelo, que surgem e somem do nada, enquanto o que eu ganho como freelancer m*l cobre minha parte às vezes.
No mundo ideal, eu estaria na Califórnia, trabalhando com gigantes como a Microsoft ou o Google. Desde que escrevi minha primeira linha de código, esse sempre foi o sonho. E os quatro anos no MIT deviam ter me deixado mais perto disso.
Mas acontece que todo mundo com diploma do MIT quer exatamente a mesma coisa. A competição é absurda. E, mesmo sendo boa no que faço, não foi o suficiente. Três rodadas de entrevistas depois, tudo o que recebi foi uma carta fria e genérica:
"Cara Natalie Hawkings, obrigada pelo seu tempo, mas após uma análise mais aprofundada, blá blá blá..."
No fim das contas, consegui um estágio remunerado em outro lugar, o que me trouxe até aqui: uma das cidades mais caras do planeta. Poderia ser pior. A CyberFort é uma empresa de segurança cibernética respeitada, com uma clientela em expansão rápida. Meu conjunto de habilidades está sendo bem aproveitado, e eu sou grata por isso — embora, sinceramente, não fosse minha primeira escolha.
Mas, como dizem... quem está sem grana não pode escolher.
— Todo mundo vai usar máscaras e acessórios — continua Sophia, depois de engolir um bom gole do chá. A voz dela soa um pouco mais clara agora. A bebida quente deve estar ajudando. — E se você realmente se sentir desconfortável, pode ir embora logo depois de pegar o pagamento. Em dinheiro. — Ela arqueia a sobrancelha de forma sugestiva. — Só pede pra assistente pessoal da Madeleine te pagar antes.
— Isso tá me parecendo muito uma daquelas festas secretas e bizarras de que li outro dia — comento, girando o anel de casamento da minha mãe no dedo, uma das poucas lembranças que tenho dela.
— Você precisa passar menos tempo na internet, amiga — retruca Sophia.
— Eu sou programadora. A internet é literalmente minha segunda casa.
— Claro, e obviamente vai soar ridículo quando você fala assim em voz alta.
Respiro fundo, tentando racionalizar a situação. Isso é tão... estranho. Mas a promessa de mil dólares por uma noite parece cada vez mais tentadora.
Só espero que a Sophia esteja certa sobre não haver câmeras, gravações ou algo assim.
Nova York não é estranha a artistas excêntricos. E, embora eu não saiba quase nada sobre Madeleine Fox, o nome definitivamente me soa familiar.
Sophia respira fundo.
— Eu sei que é um favor gigante...
— Enorme — corrijo, erguendo uma sobrancelha.
— Mas você se encaixa perfeitamente na minha descrição. Mesma altura, mesmo peso, mesma cor de cabelo. Sei que fui contratada pela minha agência, mas juro que Madeleine não vai notar a diferença. Fica num canto, serve umas taças de champanhe e… — ela para para espirrar de novo — e pronto. Você pega o dinheiro e vai embora rapidinho.
— Meu estágio começa amanhã, Soso. Eu precisava de uma boa noite de sono.
— Vai ser só essa vez. Eu juro. E você é minha única opção. Você é a minha pessoa, Natalie.
— Eu precisava descansar...
— Se você fizer isso por mim, eu lavo suas roupas por uma semana inteira!
Dou de ombros.
— Tenho umas quatro equipes revezando. Lavar roupa não é exatamente um martírio por aqui.
Ela faz uma careta.
— Preciso mesmo te levar pra comprar roupas novas. Tá, que tal lavar a louça da semana inteira?
— Do mês inteiro — digo, cruzando os braços.
Ela solta um gemido sofrido e joga a cabeça para trás. A boca entreaberta, a expressão de puro desespero.
— Ok! Meu Deus, você está piorando.
Corro e entrego mais chá pra ela.
— Achei que você não queria me ajudar — diz, abraçando a xícara com força.
— Eu vou, tá? Eu quero ajudar. Só... me manda logo esse endereço antes que eu mude de ideia.
— Obrigada, Natalie. Você é uma salva-vidas.
— Eu sei — digo, piscando para ela. — Agora, me diga: eu tenho que aparecer nua? Ou é tipo... chegar e vestir o uniforme? Devo me depilar? Como isso funciona? Tenho tantas perguntas.
— Vá como estiver — responde minha melhor amiga, logo depois de outro espirro. A coitada precisa tomar o remédio em menos de uma hora.
— Foi o que a Madeleine disse, pelo menos. Ela quer apreciar a forma humana.
Suspiro alto, atravessando o corredor estreito em direção ao meu quarto.
— Ridículo — murmuro, resmungando para mim mesma.
Reviro minhas coisas rapidamente, pego minha mochila e meu suéter, e paro por um instante em frente ao espelho do guarda-roupa. Não é como se eu fosse puritana, nem nada. Se as pessoas querem ficar completamente nuas juntas em um evento artístico, quem sou eu para julgar? Bom... tudo bem. É mentira. Estou julgando. Um pouco. Talvez mais do que um pouco.
Mesmo vestida com meu jeans azul-escuro e minha blusa preta folgada, consigo apreciar meu corpo. Gosto das curvas dos meus quadris e da minha cintura marcada. Sem mencionar que tenho pernas longas e um tronco um pouco mais curto, o que dá a ilusão de que sou mais alta do que meus míseros 1,67. Sophia vive dizendo que, se minha carreira como engenheira de software não der certo, ela mesma me leva até a agência de modelos onde trabalha. Com indicação dela, claro — sempre ela.
O anonimato do evento me conforta. Sophia mencionou algo sobre máscaras e renda? Acho que me sentiria um pouco mais corajosa, mais confortável com essa coisa toda de servir nua, se me permitirem esconder o rosto. Com mil dólares em jogo e o aluguel vencendo em poucos dias, digo a mim mesma para aguentar firme. As pessoas podem olhar o quanto quiserem. Não tenho nada a esconder. E se alguém ousar me tocar, eu vou gritar como uma condenada. Simples assim.
Meu telefone vibra no bolso de trás. Mensagem da Sophia com o endereço.
— O Ritz? — grito, atônita. — Estão organizando uma gala de arte nua no Ritz?
— Eu te disse — responde Sophia, tossindo fracamente da sala de estar. — É um show chique. Muitos VIPs ou algo assim. Você não vai se assustar.
— Ou vou ter um monte de ricos idiotas que acham que as regras não se aplicam a eles — murmuro, revirando os olhos.
Lanço um último olhar ao meu reflexo, visto o suéter e penduro a mochila no ombro. Só preciso manter a cabeça baixa e, com sorte, evitar olhar diretamente para qualquer outra pessoa... ou para suas partes.
Antes de sair, tiro a aliança da minha mãe e guardo com cuidado na minha caixinha de joias. Prefiro não correr o risco de perder uma das únicas lembranças que tenho dela numa festa nudista bizarra.
Quanto mais cedo eu terminar com isso, mais cedo poderei enterrar essa lembrança bem fundo na minha mente e fingir que nunca aconteceu.
Nunca.