Capítulo 3

2101 Palavras
Alice mantinha seu foco na dança, não nos alunos ao seu redor sussurrando “assassina” enquanto ela passava. Naquela manhã estavam em aula, a******a, ou para muitos: tortura.  Após a última sessão o professor deu uma pausa de 10 minutos para que todos os bailarinos pudessem beber água, mas não deveria ficar sentados ou os músculos esfriariam. Ela já havia se hidratado, agora precisava de uma passada rápida no banheiro e estaria de volta às barras em um chasse. Adentrou ao banheiro e foi para uma das cabines do fundo. m*l havia terminado quando um choro se tornou audível enquanto parecia murmurar: recomponha-se, Madame não deve te ver assim. Alice deu descarga, lavou as mãos e continuou tentando ignorar a garota no banheiro até que não aguentasse mais sua consciência a perturbando. Caminhou até a cabine de quem quer que estivesse chorando e bateu. Ouviu a descarga e um pigarreio. — Só um momentinho, já devo sair. — a bailarina da cabine avisou. Alice encostou suas costas na pia esperando pela garota, sabia que seu tempo ali era contado, mas sentiria-se m*l em não ajudar. Meio minuto depois a bailarina que estava chorando saiu da cabine, o rosto inchado, os olhos vermelhos e ainda havia lágrimas por secar na face. — Então, o que foi isso tudo? — Alice questionou. — Nada não, senhorita, obrigado pela preocupação. — a jovem assegurou. — Nada. Certo, então porque esse rosto rosto inchado e olhos vermelhos. A não ser que esteja usando drogas, aí eu precisaria denunciar para a madame.  Alice estava jogando, obviamente, apenas queria saber o que aconteceu. Estava preocupada, ainda que fosse comum encontrar garotas e garotos chorando pelos cantos, Madame era extremamente severa. — Eu acho que não sou boa o suficiente para estar aqui, minha a******a não é grande o suficiente, minhas piruetas ainda são desajeitadas e eu não tenho força no abdômen. Madame diz que eu vou falhar nos exames e deveria fazer um favor a mim mesma e sair antes que eu seja convidada a me retirar. Eu acabei tendo uma crise de pânico no meio da sequência que estava fazendo. Alice bufou, típicas ameaças da Madame para fazer um aluno melhorar, ela queria que todos fossem perfeitos. A perfeição custou caro para Donna e agora cobrava de uma nova aluna. Uma pontada de dor atingiu seu peito ao pensar na amiga.  — Se você quer melhorar, deveria participar das aulas de reforço. Eu entrei esse ano atrasada com relação aos demais, fiz diversas aulas de apoio, tenho certeza de que passarei nos exames. — Alice respondeu de prontidão — Não deixe Madame te ameaçar ou fazer você duvidar de si mesma, crie coragem, dance e talvez procure um psicólogo para lidar com toda essa pressão. Não era muito boa para dar conselhos, mas precisava tentar, não iria ver uma jovem desmoronar na sua frente. Fez com que a garota lavasse o rosto e saiu junto dela. — Eu não quero voltar para lá. — ela confessou baixinho no corredor. — Qual seu nome? — Lizzie. — Volte para lá, Lizzie, respire fundo, passe os movimentos em sua cabeça e os faça. Depois treine onde e como puder até que eles fluam naturalmente. Mas não deixe Madame te assustar ou você não terá chance. — ela aconselhou antes de voltar para sua aula, estava quase atrasada. Entrou na sala e foi direto para as barras, mais dois minutos e a totura iria recomeçar. Alice aproveitava para observar ao redor, nem mesmo notou quando uma figura parou ao seu lado. — Eu vi sua conversa com Lizzie no corredor. — E? — É legal de sua parte ajudar. — Eu fiz o que qualquer um faria, Ethan. — ela respondeu com um dar de ombros. Ao qual ele respondeu com um aceno negativo. — Não, você está completamente enganada, quase ninguém nessa escola faria. — Você faz. — Mas não com todos, apenas com quem tenho segundas intenções.  E tão rápido quanto ele chegou, ele também saiu. Alice observava enquanto ele caminhava até Josephine a fazendo dar risada de alguma coisa. O professor chamou a atenção de todos pedindo que duplas se formassem, obviamente ela correu para Callie. Cada dupla estava a uma certa distância da outra espalhadas nas paredes. Um da dupla era quem se encostava na parede e tinha uma das pernas sendo erguida para aumentar a a******a. O outro era quem erguia. — O que ele queria com você? — Callie questionou enquanto erguia a perna de Alice. — Falar sobre a garota que aconselhei a se manter calma e treinar mais, no corredor. — Ok, ele não faz sentido. — E algum homem faz? — rebateu Alice. Ambas as garotas riram e então Callie ergueu a perna mais alguns centímetros fazendo Alice trincar os dentes com a dor. Respirou fundo algumas vezes e então voltou a olhar para a amiga. — Aparentemente ele tem segundas intenções comigo e por isso está sendo legal. — Eu te disse isso. — ela respondeu com tom de obviedade. — Ah quieta. De qualquer forma, não estou interessada em ser mais uma na longa lista de Ethan Hall.  — Bem, eu estou, Peça para ele ir até mim. Alice não sabia se ria ou revirava os olhos.                                                                             *** Flashback, 6 meses atrás. Era a primeira vez que ela iria tentar realizar mais de um giro no fouetté en tournant. Cada montagem de O Lago dos Cisnes era um tanto diferente, alguns preferiam usar duas bailarinas, outros optavam por apenas uma. Alice ainda não sabia para qual papel tentaria, se iria tentar Odette, Odile ou nenhum com grande importância.  Ainda assim, fouetté era o principal passo do cisne n***o e toda bailarina que desejava uma longa carreira como bailarina deveria saber realizar o giro com perfeicao e várias vezes. — 32 giros, sem cair, sem ficar tonta e seguidos. — decretou Madame. As bailarinas uma a uma seguiam fazendo o movimento, para as que conseguiam, Madame batia palma duas vezes a dispensando. Para as que não, as ameaças eram grandes. Alice caminhou para frente da mesa avaliadora de Madame, respirou fundo algumas vezes e se colocou na quarta posição, braços abertos com palmas para baixo. O movimento começava a partir de uma pirueta comum e para continuar girando, a bailarina precisava usar a perna livre para chicotear o ar fazendo com que ganhasse impulso para mais um giro. Nesse meio tempo, entre um giro e o outro, a bailarina também descia da ponta e subia novamente para o impulso do novo giro. Alice havia realizado 16 antes de o giro falhar, ela caiu da ponta o que fez com que toda sua postura desmonstasse. Ela não se machucou, mas a carranca feita por Madame era indicativo o suficiente de que ela havia falhado. — Senhorita Rodrigues, se você não é capaz de realizar 32 fouettés com qualidade, então você não deverá ter uma carreira longa no ballet, afinal de tudo, é um passo importante em várias obras. Obrigado pela tentativa, foi um desprazer assistir a essa falha. Alice engoliu a vontade de chorar e caminhou para o fim da fila. Restavam Verona e Dominique, ambas realizaram com perfeição, assim como Callie que havia sido a primeira. — As que não conseguiram, não sei se devo esperar algo de vocês para nossas audições. Quanto a Dominique, Calissa e Verona, de longe foram as que realizaram melhor, devo dizer que dentre todas, Dominique teve os movimentos mais limpos e precisos, extremamente graciosa. Calissa foi muito bem, parecia uma aranha chamando para a teia. Devo esperar a audicao de ambas para cisne branco e n***o respectivamente. Alice sorriu para Verona, havia sido notada e então ignorada. Achava a bailarina extremamente talentosa, mas perto de algumas outras, ela acabava sempre ignorada. A classe foi dispensada e os ombros da bailarina caíram enquanto ela andava cabisbaixa.  — Alice? — Sim Madame. — Eu espero que você melhore ou então sua bolsa será suspensa e ou você paga o próximo ano ou será convidada a se retirar. — avisou Madame. — Sim Madame. Ela sentiu as lágrimas vindo, pegou suas coisas e saiu o mais rápido que podia.  No corredor m*l olhava para onde ia e isso fez com que ela trombasse em alguém. — Ei olha por onde anda, lesma morta. — uma voz feminina falou. — Não fale com ela assim. — repreendeu uma outra voz, essa masculina, Ethan ela percebeu. Alice continuou pelo corredor, agora correndo até chegar em seu quarto e se encostar na porta enquanto as lágrimas caiam conforme ela descia ao chão. — Sabe, se quiser se entupir de chocolate até a tristeza passar, eu topo. — avisou Tori.                                                                            *** Preto. Aquele era um dia de usar preto. As aulas do dia e os ensaios haviam sido cancelados para que todos pudessem comparecer ao funeral e enterro de Dominique. Tudo ocorreria durante o período da manhã, mas Madame achou que talvez alguns alunos precisassem de mais tempo para o luto. Alice tinha um vestido preto formal em seu guarda-roupa. Havia pensado em talvez um jantar mais formal ou algum evento um pouco mais importante, mas nunca um funeral. Ainda assim era o que se tinha e não queria pedir emprestado para nenhuma das meninas. Como estava acostumada com o clima brasileiro, para ela o dia estava um tanto frio com 19°. Colocou um cardigan e meia fina para depois calçar a sapatilha também preta. Fez um r**o de cavalo baixo no cabelo e a maquiagem era tão leve que m*l parecia ter passado alguma coisa. Era melhor assim, se chorasse não iria ficar parecendo um panda. Encontrou Callie no corredor, iria com ela, Tori e Yu-mi, colega de quarto de Callie, para o funeral. Nenhuma delas estava produzida como era de se esperar, Tori estava com o nariz levemente avermelhado, sabia que ela havia chorado por Donna.  Elas entraram no carro e seguiram para o cemitério. A cerimônia foi simples, os pais de Donna contaram algumas histórias sobre ela, Madame falou sobre a grande bailarina que a jovem foi, Verona falou sobre a amizade delas, mas ao final foi vista bebendo de um cantil escondido no casaco e alguns dos alunos afirmaram veementemente que era álcool. Alice suspirou e estava quase indo para o carro quando foi abordada pelos pais da amiga morta. Ela conheceu eles e os encontrou algumas vezes durante aqueles meses. — Senhor e Senhora Carpentier. — ela cumprimentou educadamente. — Alice, querida, Donna disse que você ficou encantada com a caixinha de música dela, queríamos que você aceitasse. Foi uma amiga muito boa para nossa filha durante esses poucos meses juntas. — disse a senhora Carpentier com a voz embargada pela dor. Alice estava dividida entre aceitar ou não. Fazia pouco tempo que havia conhecido Donna e não achava que era importante assim para ela, mas claramente aquilo significava para os pais, então estendeu a mão e pegou. — Muito obrigado por esse presente. — agradeceu de coração. Despediu-se dos pais de Donna com um abraço em cada e correu para o carro.  — O que eles queriam? — perguntou Tori. — Eles queriam que eu ficasse com a caixinha de música de Donna, disseram que ela gostava muito de mim. — ela respondeu ainda observando o objeto em mãos. — Gostava mesmo, mas acho que todos gostam, Alice. Você é gentil, boa para todos, leal até os ossos. Enquanto a maioria de nós somos leões e víboras esperando para dar o bote e subir para o topo. — respondeu Callie com um dar de ombros — Depois de hoje, eu preciso desesperadamente de alguma comida de verdade, quem está comigo? Todas sem exceção levantaram a mão. O refeitório era muito bom e repleto de variedades, mas todas as comidas eram feitas para maximizar o corpo dos bailarinos, ou seja, comidas saudáveis com pouco açúcar e carboidrato, quase nada de glúten e frituras eram terminantemente proibidas.  Enquanto o carro partia, ela pode ver Ethan mergulhando a língua dentro da boca de alguma garota que estava no enterro, provavelmente uma das bailarinas do instituto.  — É Callie, acho que ele seguiu em frente. Está quase comendo a cara de uma das nossas colegas, possivelmente.  Percebeu que Callie olhava pelo retrovisor e continha uma careta de nojo. — Ele passa pelas garotas como um trem, mas adoraria ficar com ele mesmo assim. — ela disse com uma risadinha —Não serve para você querida, você é uma garota que está estampado em sua testa: relacionamento sério.  Alice franziu o cenho, porém assentiu, todas assentiram.
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