As aulas da manhã haviam acabado, Alice estava almoçando sozinha naquele dia, as meninas iriam mais tarde, como ainda precisava praticar sua sustentação nos movimentos a pedido de Madame, ela estava ali no primeiro horário.
A polícia também estava, conversavam com alguns dos alunos novamente. Sabia que logo chegariam à sua mesa, mas procurava ignorá-los, não queria ficar uma pilha de nervos antes do ensaio da tarde. Dessa vez seria ela com Josh, Odette e Rothbart. Terminava com a salada e iniciava o prato principal quando uma figura familiar sentou-se ao lado dela com o próprio almoço.
— Antes as pessoas costumavam perguntar se podiam sentar-se à mesa com os outros. — ela alfinetou.
— Sempre tão gentil e educada. — ele falou carregando a ironia no tom.
— Você não tem outras gargantas para enfiar sua língua ao invés de vir gastar meu tempo? — ela disparou ao revirar os olhos pelo comentário dele.
— No momento não, quer se candidatar?
— Ugh, não. — ela respondeu com uma cara de nojo.
— Tenho certeza de que posso te fazer mudar de ideia.
Ela percebeu que ele a encarava após o comentário. Ethan realmente pensava que ela iria mudar de ideia se ele ficasse a encarando? Virou o rosto para perguntar quando viu ele se aproximar para beijá-la, ela começou a inclinar o corpo para trás e levou a mão ao rosto dele para impedir que se aproximasse.
Uma voz pigarreou e eles imediatamente arrumaram a postura e se voltaram para a frente. Eram os policiais. Alice sorriu educada e indicou as cadeiras à frente dela, os detetives se sentaram.
— O assunto que temos para discutir, senhorita Rodrigues, talvez você prefira que seja conversado em algum lugar mais privado e somente nós. — a policial começou.
— Se vocês não se importarem, eu gostaria de terminar meu almoço antes de discutir qualquer coisa.
— Vamos te dar 20 minutos e então pode nos encontrar no auditório. — a policial avisou.
Alice assentiu e voltou a comer ignorando o olhar preocupado de Ethan e também toda a cena anterior de quando ele tentou beijá-la.
— Eu vou com você. — ele declarou.
— Não, você não vai. — ela afirmou antes de levar outra garfada de comida à boca.
— Parece ser algo importante, Alice.
Ela franziu o cenho, a voz dele parecia preocupada. Voltou a comer ignorando a companhia e sua preocupação.
— Só estou dizendo que você não precisa enfrentar tudo isso sozinha, se não quiser.
Alice terminou de comer e empurrou o prato. Virou-se para ele ainda na cadeira.
— Escuta, agradeço a preocupação, mas não somos amigos, até outro dia você praticamente ignorava minha existência. Eu estou na escola há meses, eu preciso focar na dança, não posso me dar ao luxo de errar ou dar um passo em falso se não eu perco minha bolsa. E agora com a morte de Dominique e eles querendo saber mais sobre mim, é mais importante ainda que eu mantenha minha cabeça no jogo. — sua voz era calma, séria e focada, sem deixar espaço para discussão.
A bailarina levantou e colocou a bandeja nos suportes de onde seria recolhida. Seguiu seu caminho para a porta sem se importar com nada e ninguém. Estava na metade do corredor perto das escadas quando uma mão segurou seu pulso. Não era um aperto forte, não a machucava, mas fez com que ela voltasse os olhos para quem a segurava.
— Você de novo. — ela comentou levemente irritada.
— Saiu antes que eu pudesse responder. — ele replicou.
— Você tem um minuto.
— Tudo o que estou dizendo é que você pode deixar outras pessoas se aproximarem de você, Alice. Pode ter amigos e pessoas te apoiando. E se olhar com cuidado ao seu redor, vai ver que muitos outros bailarinos daqui adorariam uma chance de ter sua atenção. Mas faça como quiser, a vida é sua mesmo.
Ela sentiu o braço cair inerte ao seu lado enquanto Ethan caminhava para longe. Alice balançou a cabeça e seguiu para as escadas descendo lance após lance até o auditório.
Os vigias na porta estavam avisados que deveriam esperar por ela, assim sua entrada não foi impedida. Ao adentrar o lugar, uma parte de seu luto a tomou, ali era o local onde tudo havia acontecido, ainda doía e muito. Caminhou até estar próxima do palco e bloqueou de sua memória o som do grito de Donna e depois dela batendo no chão.
— Que bom que veio, Alice.
Ela percebeu que eles tiravam algo de uma bolsa que eles carregavam com o logo e nome da polícia. Era uma sapatilha de ponta rosa, eles entregaram luvas de látex para que ela colocasse e só depois de ela já estar com as luvas entregaram as sapatilhas. Ela dobrou percebendo que a curvatura era muito similar a do seu pé, o tamanho e formato era o mesmo, também estavam gravadas suas iniciais do mesmo modo que ela gravava, mas a marca não era a de suas sapatilhas. E foi o que explicou para os policiais.
— Onde vocês acharam isso? — ela perguntou curiosa.
— Em cima do colchão que deveria estar atrás do cenário para os bailarinos caírem. Junto com suas digitais e possivelmente sua garrafa de água, precisamos de seu DNA.
— Minha garrafa de água está na minha bolsa junto com minha sapatilha e minhas roupas. — ela afirmou para eles — De qualquer forma, não pretendo obstruir a justiça, então como vai ser colhido?
A policial balançou um cotonete e caminhou até Alice. A bailarina abriu a boca deixando que a policial passasse a parte de algodão em sua bochecha pelo lado interno e a outra ponta de algodão no céu da boca. Observou colocando em um saquinho antes de também arrancar um fio de cabelo e colocar. Ela foi liberada e caminhou para o quarto, tinha que pegar a bolsa antes de ir treinar,
***
Flashback, 3 meses antes.
Festa. Era a palavra do momento. A escalação para o recital havia saído naquela manhã de sexta-feira e depois das aulas da tarde, tudo o que os alunos queriam fazer era festejar.
O jardim era a principal escolha, tinha uma estufa de vidro e alguns alunos contrabandeavam bebidas e outras coisas para deixar ali em coolers que escondiam entre os vasos ou qualquer espaço que achavam.
Madame sabia sobre as festas e provavelmente deveria imaginar sobre as bebidas, mas como nunca acontecia problemas, ela permitia. Uma das alunas pediu várias pizzas dos mais diversos sabores. E alguém conectou o celular a uma caixa de som bluetooth, a playlist iniciava com Shake It Off de Taylor Swift. Alguns vaiavam a escolha, mas logo estavam todos conversando, comendo, bebendo e dançando.
Alice estava em um canto conversando com Yu-mi que estava na segunda cerveja, ela era de família coreana, mas havia nascido na França, por isso falava bem o idioma.
— E você já visitou a Coréia?
— Diversas vezes! Quase todas as férias de verão meus pais costumam me levar, é tão diferente daqui e mesmo assim eu adoro.
Yu-mi começava a contar tudo o que era diferente e Alice reagia, comentava, ria, era de fato interessante. Antes que pudesse fazer outra pergunta, Ethan surgia e arrastava a outra bailarina para longe. Alice fez uma cara f**a para o rapaz que simplesmente a mandou um beijo.
Alice caminhava pela festa procurando as amigas, quando não encontrou nenhuma, pegou uma fatia de pizza e uma lata de pink lemonade. Continuou perto da comida já que parecia que ela seria sua única companhia.
Vozes alteradas chamaram sua atenção, ela voltou o olhar e percebeu que Verona discutia com Joshua. Apoiou a bebida na mesa junto das pizzas e pegou o celular do bolso, abriu um jogo qualquer e m*l se concentrava prestando atenção na conversa sem dar na cara.
— Amanhã mesmo irei ao escritório de Madame, ela não escolheu por habilidade, escolheu por favoritismo. Na própria aula de fouettés a nossa querida diretora já havia declarado as escolhidas dela para os papéis! — Verona exclamou irritada.
— Pode ir e acusar do que quiser, mas não vai mudar nada Vero. Você sabe que sua audição foi boa, mas não foi das melhores. E a rainha dos cisnes não é um papel r**m. — ele tentava apaziguar.
— Estou farta do favoritismo de Madame, estou aqui há anos e nunca tive a chance de um papel principal, quando eu terei?
— Mas também foi o primeiro papel principal de Dominique, por muitas vezes ela foi suplente. Só assumiu ano passado porque Anna foi chamada pela Ópera de Paris antes do ano acabar. — ele retrucou.
— Ela é boa, eu sei disso. Só que a Madame tem ela como preferida e simplesmente não dá a chance para outras. Eu acho isso injusto, você não acha? Assim como é com Ethan, ele é desleixado e preguiçoso, só consegue as coisas porque o pai dele paga.
— Ei, não meta meu amigo na história. — parecia que ela havia pisado em um calo de Josh.
— Você sabe que é verdade, a Madame tem seus favoritos e o resto de nós não tem chance.
Alice percebeu que a conversa havia acabado, Joshua saiu pisando duro e Verona entornou a latinha da bebida em mãos. A bailarina se perguntava se aquilo que a jovem havia pontuado era verdade, havia chegado naquele ano, mas Dominique era talentosa, Callie também. Elas passavam boa parte dando aulas de reforço para os alunos e assim podiam elas mesmas melhorar as próprias habilidades, mereciam ser escolhidas.
***
Alice se jogou na cama no final do dia deixando que o peso dele a atingisse antes de ela tomar banho para o jantar. Enquanto Tori escolhia a roupa para o jantar, Alice contava para ela sobre todos os acontecimentos. Falava sobre a cobrança de Madame, sobre Ethan e então a polícia.
— Bom, não é mentira o que ele disse. Callie já te disse e eu confirmo, se você der a chance vai ver que muitos de ambos os sexos tem interesse em você. Não estou dizendo que você tem que ficar com alguém, só comentando que isso é real, o interesse em você. — ela deu de ombros e então tirou um vestido leve de verão colocando na frente do corpo diante do espelho — E quanto a polícia, nem, eu realmente acredito que você não é a culpada, você queria crescer e se juntou a Donna que te acolheu e te mentorava. Tomar o lugar dela faria sentido, mas não é quem você é. E na hora que aconteceu você estava longe.
— Eles acham que eu posso ter premeditado tudo.
Tori bufou uma risada.
— Então eles são tão estúpidos quanto parecem. Agora vá tirar esse cheiro de rato morto e eu vou te deixar incrível para o jantar.
— Ei. — Alice reclamou, mas obedeceu mesmo assim.
Sabia que estava fedida. Foi para o banheiro que compartilhavam e lá se despiu dobrando a roupa com cuidado, iria à lavanderia depois do jantar, precisava lavar algumas peças. O auxílio daquele mês havia caído, a escola dava uma pequena ajuda de custo para caso ela precisasse de mais roupas e produtos de higiene pessoal. Como todo o resto era tudo bancado pela escola e ela quase não saia, não gastava muito além do necessário.
Lavou seu cabelo com seu shampoo de lavanda e baunilha, simplesmente havia cheirado ele em uma ida ao mercado com Callie e imediatamente adorou o aroma, comprava dele todas as vezes. Passou o condicionador, enxaguou e depois passou o sabonete pelo corpo.
Deu uma boa secada no cabelo com a toalha, depois o corpo e a enrolou ao redor de si antes de ir para o espelho secar com o secador. Aproveitou para escovar, ajudava a controlar o volume, apesar de bem liso, seu cabelo era volumoso.
Ao terminar, desligou da tomada, guardou na caixa e colocou a calcinha e o sutiã antes de recolher as roupas e voltar para o quarto. Tori já tinha deixado a roupa dela na cama.
— Peguei um vestido meu, vai ficar lindo em você. Agora se arrume, quero todos de olho na sua beleza hoje, anda.
Alice revirou os olhos rindo, mas sabia que não adiantava discutir com a amiga, então obedeceria.