Exercício de confiança e mímica, era isso que fariam naquela aula? Alice controlou a vontade de bufar. A professora dizia que precisavam aprender a confiar uns nos outros e ler expressões e movimentos.
— Formem pares. — ela ordenou,
Imediatamente Alice cruzou a sala para fazer com Callie.
— Senhorita Rodrigues você fará com o senhor Hall. E a senhorita Leroux fará com o senhor Carter.
Ambas as garotas fizeram caretas e imediatamente Callie se virou para a professora.
— Desculpe professora, mas é mesmo necessário? Não podemos fazer uma com a outra?
— Não, Madame quer que hoje Odette e Siegfried trabalhem juntos, assim como Odile e Rothbart. Semana que vem invertemos e por fim, as garotas trabalharão juntas.
Elas assentiram nada satisfeitas. Alice caminhou para Ethan que já tinha uma mão estendida e um sorriso irritante.
— Você adora me colocar pra fazer os exercícios com você, não é mesmo?
— Devo admitir que a resposta é sim, mas também devo dizer que dessa vez eu realmente não tive nada a ver com isso.
Ela revirou os olhos. Aceitou a mão ao perceber que ele não iria abaixar e deixou que ele a conduzisse para um mais vazio da sala. Ethan soltou sua mão e então estendeu os braços.
— Pode cair, eu te seguro.
— Por que eu tenho que ir primeiro? — ela questionou.
— Tudo bem, eu posso ir, estenda os braços e me segure.
E sem que ela tivesse tempo de responder ele cruzou os braços na frente do peito, girou ficando de costas para ela e em poucos segundos estava caindo. Alice parte por reflexo, parte por desespero, deu um passo para frente e estendeu os braços segurando Ethan para que não caísse no chão.
— Viu, eu confio em você. Pode confiar em mim, eu te pego.
Ela ajudou com que ele ficasse de pé antes de olhá-lo com irritação.
— Você deveria ter me dado tempo para me preparar, poderia ter caído no chão. — ela ralhou.
— Mas não caí, você me pegou. Agora anda, é sua vez.
Sem outra escolha, virou-se de costas e deixou que o corpo caísse. Sentiu os braços fortes de Ethan ao seu redor impedindo que ela caísse e então ajudando a levantar.
Já de pé, ela passou as mãos pelo body e a saia como se estivessem amassados. Virou-se para a professora que explicava o próximo exercício, espelho. Um deveria fazer os movimentos e o outro imitar.
— Que tal se eu fizer o movimento de te beijar e você então faz o de me beijar? — sugeriu Ethan em um sussurro — Acho que seria muito importante para a nossa conexão como casal.
Alice deu uma cotovelada nele com um pouquinho de força para que ele se afastasse.
— Não somos um casal. — ela respondeu em um sibilo baixo.
— Bem, infelizmente não fora dos palcos, ainda que eu esteja tentando.
A professora deu duas palmas liberando os alunos para o exercício e Alice voltou-se para Ethan.
— Para você querer pegar, basta ser um humano e estar vivo.
— E de preferência que seja muito bonito. — ele acrescentou.
Ela revirou os olhos e ele fez o mesmo.
— Você acha que eu sou superficial e tudo o que eu tenho é bancado por meu pai, não é? — ele apontava para si e depois girava o pulso em um círculo como indicando o redor, Alice copiava o movimento.
— Eu acho que você é um bom bailarino, mas preguiçoso. Seu dinheiro te ajudou a chegar onde está, mas a sua dança é o que mantém. Também acho que pra você é mais fácil pular de relacionamento em relacionamento do que ter que comprometer com alguém que vai exigir e cobrar, coisa que você não gosta. Sei que é gentil e me ajuda, eu agradeço, mas se não parar de dar em cima de mim, nem amigos seremos.
Cada movimento que ela fazia, ele repetia. As pessoas ao redor tentavam ouvir a conversa, Alice percebeu, mas ambos mantinham a voz baixa e faziam o exercício proposto.
— Quanto elogios em um discurso só, se não tomar cuidado, vou acabar achando que gosta de mim, Alice.
— Não conte com isso, Hall.
Mesmo assim ambos sorriram.
***
Flashback, 6 meses atrás.
Aline caminhava de volta para o dormitório junto de algumas outras garotas após a aula. Tori não estava em lugar nenhum naquela tarde.
Distraída, ela caminhava pelo corredor olhando os números das portas para achar o seu, apesar de já ter decorado o número, nunca lembrava por qual corredor de acesso começava a contagem. Foi nesse momento que ela freou antes de a porta que se abria bater em sua cara.
— Opa, foi m*l. — disse uma garota loira de estatura baixa.
Alice percebeu que conhecia a garota, bem não a conhecia, reconhecia das aulas.
— Você é Calissa Leroux, não é?
— Callie, nunca Calissa. — ela corrigiu imediatamente — Quem é você?
— Alice. — ela se apresentou e acrescentou: — Rodrigues. Eu sou nova aqui, tem um mês que cheguei.
— Bem, seja bem-vinda ao ninho de cobras, Alice. Cuidado para não ser picada.
A bailarina franziu o cenho diante do cumprimento nada usual.
— É simples, todas e todos aqui estão lutando por um lugar no topo. Alguns jogam sujo e fazem de tudo para conseguir o que querem. Outros não jogam sujo, mas na primeira oportunidade que tiverem de se provar melhor que você tomar algo seu, eles farão. E digamos que um por cento dos bailarinos aqui realmente tem bom coração e irão tentar te ajudar de fato e não farão nada contra você. — a voz dela era calma, quase entediada, como se conhecesse aquela rotina há tanto tempo que não a surpreendia mais.
— Bem, obrigado pelo aviso, eu acho.
Nesse momento ela ouviu duas vozes familiares no corredor e ambas se colocaram ao lado de Alice.
— Oi Callie.
— Oi Tori. — ela respondeu com um meio sorriso — Donna.
— Já está assustando a novata, Callie?
— Apenas preparando a Alice para a realidade competitiva. — ela respondeu com docilidade.
— Bem, ela tem razão ao dizer que aqui é muito competitivo e algumas pessoas podem ir ao extremo para garantir que serão elas no topo. — comentou Donna.
— Mas por enquanto Alice é nova aqui e não tem motivos para se preocupar com isso agora. — Tori interveio — Vamos para o quarto, temos que nos arrumar para jantar.
Callie seguiu as meninas pelo corredor, já Donna se despediu pois precisava ir para o quarto.
— Alice é sua colega de quarto? Duas patinhas juntas, ótima combinação.
— Sim, ela é e é uma ótima colega de quarto!
— Você ainda não pode ter certeza disso. — disse Alice.
— Eu tenho, minha intuição diz isso.
— Sua intuição também disse para comermos naquele bistrô estranho semana passada e não deu muito certo. — interveio Callie.
— Tá, mas eu tenho certeza disso.
As meninas riram e continuaram a caminhar pelo corredor.
***
Todos estavam alinhados lado a lado, Madame havia chamado a todos na última aula, era dia da pesagem mensal. Todo mês a escola pesava seus bailarinos para saber quem havia engordado, emagrecido ou mantido. Alice sabia que eram exigentes com relação ao peso, não queriam ninguém magro demais, mas um bailarino precisava ter mais músculo que gordura e era isso que eles olhavam em cada um.
— Alice, pode vir. — chamou a nutricionista.
Ela lia o relatório de refeições feitas na academia, o que era 99% de todas suas refeições. Colocava Alice em uma balança comum com medidor de altura e anotava na ficha. Depois a colocava em uma balança especial ligada ao computador que media músculo, gordura, água, inchaço e tudo o que conseguia.
— Seus índices estão melhorando, ganhou mais músculo esse mês, seu peso aumentou um pouco, mas foi justamente por esse ganho. Eu recomendo você beber mais água antes e depois dos treinos. Pode ir.
Ela assentiu e deixou sua mente vagar enquanto os outros alunos eram pesados. Chegou a vez de Tori, ela havia ganhado um quilo e era de gordura, Madame olhou f**o para a garota e ela se encolheu. Alice controlou a vontade de abraçar a amiga, se fizesse isso iria receber uma bronca e Tori também.
Seguiu para o jantar sozinha, a sua colega de quarto havia ido primeiro. Sentou-se em uma mesa com Callie, Yu-mi, Ethan e Josh também estava ali, parecia tentar flertar com Callie, mas ela não demonstrava o menor interesse.
— Eu acho esse método da Madame muito extremo, pesar os alunos, controlar suas refeições, não é certo. — Ethan comentou.
— Sim, eu concordo, isso pode gerar tantos problemas para uma pessoa que sente que está falhando. — acrescentou Yu-mi.
— Tudo que Madame faz é um tanto extremo. — apontou Callie.
O grupo continuou conversando durante toda a refeição.
— Eu vou para os jardins, quero respirar um pouco antes de voltar para os dormitórios. — anunciou Callie e logo foi acompanhada por Yu-mi e Josh.
— Eu acho que vou voltar para o quarto, checar Tori.
— Quer companhia? — ofereceu Ethan.
Alice pensou em toda a conversa daquela manhã e se virou para ele.
— Sem gracinhas e sem flertes. — ela condicionou.
— Sem gracinhas e sem flertes. — ele concordou.
Ela assentiu para que fossem juntos e podia sentir que o olhar de todos recaía sobre eles. Ainda era estranho não ter Dominique ali, geralmente ela era o centro das atenções e Alice era notada por estar com ela.
— Tori ficou muito m*l depois da pesagem?
— Ela parecia abalada, para ser sincera, Ethan. Não sei se foi uma boa ideia deixá-la sozinha no quarto.
Eles continuaram conversando durante o caminho, despediram-se na porta e Ethan avisou que se Alice precisasse de algo era só mandar mensagem. Ela entrou no quarto e imediatamente ouviu o som de vômito. Correu para o banheiro, mas a porta estava trancada. Bateu uma vez, nada, duas vezes, nada, na terceira vez, Tori respondeu.
— Eu só estou passando m*l, não se preocupe!
Alice sabia que não era, Donna tinha avisado sobre a bulimia, mas a castanha nunca tinha presenciado até então.
— Se você não abrir, eu vou arrombar. Você sabe que da última vez que ficou vomitando desse jeito foi parar no hospital!
E todas as garotas foram visitar. Foi uma semana de aulas perdidas, logo na primeira pesagem. Alice continuou batendo na porta e estava seriamente considerando mandar uma mensagem para o grupo das garotas quando Tori abriu e saiu do banheiro.
— Pronto, satisfeita? — perguntou visivelmente irritada.
— Eu simplesmente me preocupo e me importo com você, quer ir para o hospital e ter a chance de ter algo pior do que uma gastrite? Pode virar uma úlcera ou ainda pior.
Tori revirou os olhos e se deitou na cama debaixo das cobertas indicando fim de papo. Alice fez algo que sabia que Tori iria odiar, mas precisava mesmo assim. Mandou mensagem para Callie avisando sobre o que aconteceu, não sabia se deveria avisar mais alguém, mas esperava que a loira pudesse ajudar.
Minutos depois uma batida na porta soou e Alice correu para abrir, Callie entrou e sentou-se na cama de Tori.
— Victoria Wright, o que vamos fazer com você? Não pode vomitar sua comida toda vez que engordar, podemos fazer exercícios e controlar a alimentação, mas se continuar vomitando, eu vou te denunciar para Madame e ela vai te levar para o hospital. Quer isso? — a voz dela soava brava e preocupada ao mesmo tempo.
— Obviamente não quero ir para o hospital. — ela respondeu baixinho.
— Então vai parar com esse hábito nada saudável? — questionou Callie.
— Sim…
— Ótimo, vamos montar um sistema de acompanhantes, você não vai mais ficar sozinha e irá se juntar às aulas extras comigo e Alice. Quer perder peso? Tudo bem. Mas fará da forma certa. E se alguém te pegar vomitando, você será denunciada para a Madame.
— Vocês são insuportáveis.
— Só porque te amamos, mas negarei se isso sair daqui. — disse Callie.