Capítulo 6

2065 Palavras
Alice havia acordado com a notícia de que teria que conversar com a polícia novamente depois do ensaio do fim do dia e que naquela tarde, ela iria ensaiar a primeira dança de Odette e Siegfried o que significava, no mínimo, uma hora e meia para cima e para baixo com Ethan e necessariamente uma boa parte nos braços dele. Já fazia quase uma semana desde que a morte ocorreu e o auditório já tinha sido liberado, seriam lá os primeiros ensaios daquela semana. Madame dispensou naquela manhã da aula direto para o auditório treinar os solos de Odette depois do aquecimento. Encarava o lugar vazio e suspirava, fazia alguns alongamentos antes de sentar-se para colocar a sapatilha de ponta. Com a fita da sapatilha amarrada, ela se levantou, caminhou até o celular e colocou a primeira música. Fechou os olhos realmente ouvindo a música, contando os tempos e visualizando os movimentos em cada contagem. Ainda não se prendia em fazer a ordem correta, abriu os olhos e testou o arabesque mexendo os braços como um suave bater de asas.  Viu Donna fazer tantas vezes, fez ela mesma tantas vezes ensaiando com a amiga, mas não achava que aquilo iria acontecer daquela forma, que uma morte trágica faria ela assumir o papel da amiga.  Ouviu um barulho e sua cabeça girou imediatamente na direção, podia jurar ter visto um vulto passar. Era estranho estar ali uma semana depois dos ocorridos. Ignorou a sensação e se colocou em quarta posição para a pirueta. Ergueu a perna encostando na coxa da outra como um quarto e girou lentamente. Ainda teria que trabalhar as expressões faciais. — Você é um lindo cisne.  — Ethan!  — Madame me disse para vir ensaiar aqui, não sabia que você tinha vindo também. — ele se desculpou. — Eu não me importo de dividir o espaço, na verdade, estou grata por ter companhia, estar aqui de novo depois da última semana, é estranho. — ela confidenciou. — Eu concordo. Já que estamos ambos aqui, quer treinar nosso primeiro pas de deux?  Ela considerou por um momento e assentiu. — Sim, será bom. — Ok, eu devo ir para o centro do palco, nas laterais estarão as cisnes e você entra, é isso? — ele perguntava para ter certeza. Alice confirmou e foi para a coxia. Colocou a música deles para tocar. Os primeiros acordes tocavam e ela entrava na meia ponta balançando suavemente os braços como asas.  Ao estar posicionada ao lado dele, subiu na ponta e apoiou uma de suas mãos no ombro dele e a outra segurou na mão de Ethan. Era o momento em que Odette se revelava uma garota, além de ser o cisne que ele caçava. Siegfried olhava surpreso para ela então dava um passo para o lado recolhendo o braço. Odette por sua vez jogava os braços para cima e perna antes levemente dobrada agora estava reta para em seguida ela fazer um movimento como que caindo enquanto o príncipe dava a volta por ela. Eles giravam um ao redor do outro antes de se afastarem. A jovem fazia alguns floreios antes de se ajoelhar e erguer um braço para então deitar sob seu corpo. Siegfried por sua vez também fazia alguns floreios antes de pegar ambas as mãos de Odette e erguê-la. Era a partir daí que a dança realmente começava, ele a segurava pela cintura e ajudava com as piruetas. Odette surpresa e encantada, Siegfried curioso e sentindo algo novo pela garota. Logo no começo de tudo, quando um olhou dentro dos olhos do outro, eles começaram a se apaixonar. Alice não havia dito mais nenhuma palavra e nem Ethan, ele se moviam como um pelo palco. Quase sempre na ponta fazendo o arabesque e mantendo a perna sempre o mais alto que conseguia, Ethan era sua base, ele a apoiava e ajudava durante os movimentos. Em uma dança de casal, a bailarina contava com sua própria força e sustentação para manter as pernas e os braços, mas o bailarino agia como um pilar para que ela se apoiasse e obtivesse ajuda durante alguns movimentos. Caso um falhasse, os dois falhavam. A dança terminou com Siegfried segurando as mãos de Odette e a girando uma última vez, ela abaixa a perna da lateral que estava levantada no fim do giro e ele a segurava pela cintura a deitando para o lado e observando a jovem em seus braços. Aplausos despertaram ambos e com um movimento Alice estava em pé, eles agora estavam lado a lado, mas não se tocavam mais. Madame tinha um enorme sorriso no rosto ao encarar ambos. — Fiz muito bem em mandar ambos aqui, tive medo de que estivessem brigando ou então não estivessem ensaiando, mas minhas estrelas estavam ensaiando e pelo que assisti, tenho pouquíssimas correções, apenas algumas coisas pontuais como descer mais o cambré, posicionar o braço mais alto ou baixo. A química entre vocês é excelente e estão em sintonia, pelo menos é algo a menos com que me preocupar. Madame bateu palmas duas vezes e mandou que começassem de novo que ela iria fazer as correções. O ensaio ocupou a manhã inteira e a tarde Madame pretendia fazer eles passarem dança a dança novamente na frente de todos.                                                                             *** Flashback, 7 meses atrás. Era a primeira aula, Alice havia chegado na escola tinha horas e já precisava correr pelos corredores para chegar até a sala. Com alguma ajuda pelo caminho, ela chegou no horário e poucos segundos antes do professor. A aula era mista, embora os sexos ficassem divididos nas barras. Alice se misturou no meio das outras bailarinas, não era uma aula oficial, por isso ela duraria menos, era apenas enquanto todos voltavam ao internato, a função daquelas aulas era aquecer os alunos e colocar todos no mesmo eixo. Não eram obrigatórias, mas não era de bom tom que perdessem. Enquanto fazia a série de jetés indicada pelo professor, percebeu um aluno com cabelo desgrenhado e aparência de quem havia caído da cama e não feito o mínimo esforço para estar ali. Ele parou na porta por um momento e analisou cada um dentro da sala antes de abrir um sorriso lento e caminhar para a barra. — Cuidado, você está quase babando. — Callie sussurrou no ouvido de Alice. A jovem imediatamente sentiu as bochechas esquentarem, ela arrumou a postura e começou a nova série que o professor indicava. — Ele nem é tão bonito assim, o que vocês veem nele? Sinceramente, que m*l gosto. — Callie estalou a língua em reprovação. — O rosto bonito, o físico excelente, o conjunto da obra… — interveio Donna — Definitivamente eu repetiria a dose. Alice arregalou os olhos ao ouvir a frase dita pela garota. Ao ver a expressão Donna deu uma risada baixa, não pretendia que o professor chamasse a atenção das meninas. — Nós ficamos uma vez ano passado. — ela esclareceu — O nome dele é Ethan Hall, ele já deve ter ficado com quase todas do nosso ano. Ele é um conquistador nato, raramente fica com a mesma garota duas vezes e desde que me lembre e eu conheço ele desde que nós entramos juntos, ele nunca namorou. Nenhum motivo específico, ele só disse que nunca se apaixonou por ninguém aqui e como não passa muito tempo fora daqui, prefere não ter relacionamento na escola ou vai complicar tudo. Donna deu de ombros ao falar e Ethan deu uma piscadinha para a jovem que mostrou a língua em resposta. — Somos amigos, por mais estranho que soe. Elas continuaram os movimentos e a conversa até o final da aula. Alice estava recolhendo suas coisas quando sentiu um toque em seu ombro. Virou-se e piscou duas vezes surpresa ao ver que era Ethan. — Acho que eu não conheço você.  — Realmente não, eu comecei hoje. — Significa que eu ainda não tive o prazer de te beijar, quando podemos resolver isso? Ela bufou uma risada ao ouvir o que ele dizia. — Essa é sua cantada mais original? — Eu geralmente não preciso de cantadas… — Por isso seu papinho é tão r**m. Ela jogou o cabelo pelo ombro ao se virar, pegou suas coisas e acenou em despedida. — Meu nome é Alice, nos vemos por aí. Espero não sofrer mais um de seus ataques de cantada r**m. Callie alcançou a garota enquanto elas caminhavam para os dormitórios. — Eu poderia até dizer que sinto orgulho de você pelo fora se eu não soubesse que você já está caidinha por ele. — Existe uma grande diferença entre estar caidinha e achar alguém bonito. — Se você diz…                                                                            *** Alice controlava sua vontade de revirar os olhos diante das perguntas dos policiais, ela já havia respondido a tudo aquilo antes e estava perdendo tempo ali. Mesmo assim, respirou fundo e mentalmente contou até dez. — Eu conheci Dominique no meu primeiro dia aqui, ela era responsável por me apresentar a escola e me ajudar a me ajustar. Comecei a frequentar as aulas de apoio dela e alunos mais antigos como Callie. Foi assim que me tornei próxima principalmente dessas duas. — ela explicava escondendo a impaciência da voz e do rosto — Dominique conseguiu o papel de Odette e eu fiquei como suplente. Ensaiamos juntas o tempo todo e com os meninos também, assim como Callie e a suplente dela. No dia que aconteceu tudo, Ethan como sempre estava me provocando e me disse para buscar água, Donna me disse que não precisava, mas eu fui mesmo assim, porém só enchi a dela, em nome da amizade e não a dele em provocação. E então eu ouvi ela gritar, Ethan gritar e o baque dela caindo no chão. Os policiais tomavam nota e comparavam o depoimento anterior. Eles pegaram as sapatilhas e a garrafa de água apontadas na semana anterior e novamente deram luvas de látex caso ela quisesse tocar nos objetos. Imediatamente pegou a garrafa de água examinando, não era, não era de Donna.  — Tem seu DNA nela e suas digitais que colhemos no primeiro. — explicou a policial. Ela girava a garrafa olhando com cuidado e então encontrou duas letras V e I gravadas em maiúsculas. Não achava que fosse de Tori, ela geralmente tinha etiquetas em suas coisas e o que ela gravava era o apelido. — Tem um V e um I aqui. Claramente não de Alice Rodrigues. — ela comentou apontando para os policiais.  — Mas como você explica seu DNA? — Às vezes dividimos garrafas de água entre nós, não é higiênico, mas na hora da sede isso não importa. — ela explicou calmamente. Os policiais não pareciam muito convencidos e repassaram cada uma das questões até voltarem para a sapatilha. — Há garotas com curvaturas de pé parecidas e formatos também, temos mais de 100 bailarinas nos anos de internato, algumas delas podem ter o nome parecido com o meu e marcado a sapatilha e esquecido. Acharam que era minha e levaram para nosso ensaio e esqueceram de me dar. Pode ter outras explicações, mas não é minha. Eu não sou a culpada. — ela tentava controlar o desespero que sentia, sabia que não era quem fez aquilo com Donna. Já que estavam tão determinados a achar que era ela, Alice não tinha outra escolha a não ser começar sua própria investigação e se provar inocente. E ela iria começar justamente por onde tudo aquilo aconteceu, tinha visto um vulto lá mais cedo, talvez fosse o culpado. — Obrigado pelo seu tempo, senhorita Rodrigues. Nós manteremos contato. Ela assentiu e saiu da sala controlando o temperamento que queria explodir. Primeiro iria jantar, não funcionava quando estava com fome, depois pediria a Madame para usar o auditório por apenas mais uma hora a fim de passar algumas marcações feitas naquele dia, sabia que a diretora iria deixar, tudo em nome da dança. E então sua investigação teria início. Alice foi para o refeitório e viu que Madame ainda estava lá, caminhou até a diretora e respeitosamente pediu para usar o espaço. Teve que insistir um pouco e usar a cartada da investigação que tomara uma semana dela no auditório, não queria se prejudicar. Como suspeitou, a diretora concordou, mas apenas por uma hora e pediria para o zelador fechar o espaço depois da hora passada. Alice assentiu, agradeceu com veemência e foi pegar sua comida.
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