Amanda
Antes que fossemos capazes de pensar no que fazer Beca abriu a porta do carro e saiu atrás do homem.
- Beca, volta aqui! – Olívia gritava por entre os dentes.
Abri a minha porta também e saí rápido atrás dela, foi instintivo. A alcancei quando ela já havia pisado na calçada do outro lado da rua.
- Volta para o carro agora. – a segurei pelo braço.
- A gente veio aqui para seguir aquele homem. – ela tentava se soltar.
- Não, você não vai sair andando por aí atrás de alguém que você nem sabe quem é, Rebeca! Você vai entrar naquele carro e vamos decidir o que fazer, do contrário a gente nunca mais volta aqui.
Contrariada ela me obedeceu e voltou para o carro, Olívia estava palpitante e tinha o rosto vermelho.
- No que você estava pensando, Beca? – inquiriu assim que voltamos aos nossos lugares. – O que você ia fazer? Cutucar no ombro dele e perguntar “e aí? Qual é?”.
- E a gente vai fazer o que? Ficar aqui parada enquanto ele vai embora? – soava frustrada e desesperada.
- Não, a gente vai seguir o sujeito, mas de dentro do carro. – Olívia deu a partida e seguiu o trajeto que o homem havia feito. Ele já estava na esquina o que não era tão longe assim. O difícil seria andar com o carro tão devagar quanto ele andava a pé.
- Ele parou! Olha ele ali naquele bar! – Beca gritava sem motivos que justificassem isso, provavelmente era pela apreensão em que estava.
E ela estava certa, logo depois de virar a esquina ele parou em um bar. Olívia foi obrigada a parar na primeira vaga que encontrou e que nos deixava muito próximas desse bar.
- Vê se disfarça, Beca, se não daqui a pouco estão batendo no vidro e perguntando o que estamos fazendo aqui. – me virei para falar com ela e ela deu de ombros.
- Eu não vou fazer nada. – prometeu.
O homem logo se sentou junto a outros, tirou um cigarro e recebeu um copo de muito bom grado do homem atrás do balcão.
- Quem senta em um bar a essa hora da manhã? – Beca questionava.
- Hoje é sábado, Beca. – respondi.
- Mesmo assim.
- Beber em um sábado de manhã não é argumento pra tirarem a guarda da Preta dele, portanto vamos ser um pouco mais racionais. – insisti com ela, já cansada dessa espera.
- Beca, - Olívia dizia bem mais complacente do que eu. – eu entendo sua preocupação, mas é hora da gente usar a cabeça agora, não o coração, se não isso pode dar em merda.
- Intuição é uma grande aliada, é o que eu penso, mas não vou discutir com vocês duas, já estou muito feliz que estejam aqui.
- Obrigada por valorizar isso. – eu disse.
Se eu roesse unha nesse momento eu já não teria nenhuma mais. A situação já não era muito favorável e ter que esperar não sei o quê tornava tudo pior.
As três em silêncio no carro, observando um homem beber com amigos em um bar, era patético e psicopata. Eu ficava cadê vez mais sem paciência e Beca cada vez mais agitada, ela queria que todo mistério fosse resolvido ali e a realidade era que nem o mistério a gente sabia se tinha.
- Cansei. – Olívia quem disse primeiro.
- Também. – completei.
- Mas a gente ainda não descobriu nada! – Beca reclamou inconformada em nos ouvir desistindo.
- Ele não vai sair daqui tão cedo e isso é tudo que vamos descobrir por hoje. – concluí.
- Beca, estamos horas aqui e nem temos certeza se esse é mesmo o tio da Preta. – Olívia tentava fazê-la entender com muito mais paciência do que eu.
- Não acredito que todo esse nosso esforço vai ser em vão. – fazia bico e batia na poltrona feito uma criança contrariada.
- Quem disse que foi em vão? Talvez tenha sido muito satisfatório para uma primeira tentativa. – tentei consolar seguindo o exemplo da Olívia.
- A gente poderia não ter visto ninguém saindo daquela casa. – Vívia emendou.
- E daqui a pouco o Murilo está te ligando e o Davi me ligando também. A gente vai, mas a gente volta, Beca.
- Tudo bem, vocês tem razão.
***
Era muito raro eu acordar antes do Davi, ele tinha um despertador natural que independente da hora que ele fosse trabalhar o botava de pé muito cedo. Já eu acordava muito cedo por que as aulas do mestrado me forçavam a isso e só.
Hoje era um dia desses raros. Levantar da cama enquanto ele dormia tão bonitinho sem camisa era o maior teste de força de vontade em que uma pessoa poderia passar, mas eu tinha coisas demais na cabeça pra conseguir dormir mais do que o necessário, enquanto que o Davi ficava cada vez mais a vontade em dormir ao meu lado.
Eu já trocava de roupa no closet depois de sair do banho quando ele apareceu com a cara amarrotada.
- Dormi demais, tenho que fazer seu café. – ele esfregava o rosto ainda sonolento.
- Não precisa, já estou atrasada.
- Você devia ter me acordado. – me beijou na bochecha enquanto eu calçava meu sapato.
- Você estava cansado, precisava dormir, eu é que tenho prova hoje e não posso enrolar na cama com você.
- Você devia comer alguma coisa antes de sair.
- Vou levar uma fruta.
- Estou falhando na missão de te alimentar todos os dias de manhã. – encostou no armário na minha frente, tão lindo e convidativo.
Me levantei e passei meus braços pelo pescoço dele.
- Eu prefiro ser alimentada a noite. – mordi o maxilar dele o provocando.
- Que horas você chega à agência hoje?
- Meio dia eu já estou lá.
- Olívia quer almoçar por lá hoje, você vem com a gente?
- Não é um programa só de irmãos não? Tem certeza que eu não vou atrapalhar?
- Claro que não!
- Então, tudo bem. Te ligo quando eu chegar. – me despedi com um beijo.
- A chave do carro está em cima da mesa. – me gritou depois que eu já tinha saído.
- Ok! – gritei de volta.
O carro tinha sido se tornado uma novela no nosso relacionamento depois que nos mudamos. Quando o Davi veio para o Brasil ele usava um carro alugado por que a estadia dele era temporária, logo depois que ele e o Murilo resolveram vir de vez para cá ele comprou um carro próprio e depois que compramos o apartamento ele quis fazer o mesmo por mim, mas eu não quis.
Depois do investimento que eu tinha feito com o apartamento eu não podia gastar comprando um carro e não queria que ele fizesse isso por mim, consegui convencê-lo depois que disse que comprar o primeiro carro era um prazer que ele não podia tirar de mim, ele concordou, mas exigiu que eu usasse o carro dele para ir à faculdade nos três dias da semana que eu tinha aula. A UFMG era muito longe enquanto que o prédio da agência e do escritório dele era muito perto da nossa casa.
Ir e voltar das aulas do mestrado de carro me economizava muito tempo, eram os dias mais corridos da minha semana, eu saía direto pra agência e trabalhava até o começo da noite.
Há um ano eu estava trabalhando em dois empregos e conciliava isso com meu último período da faculdade, Davi e eu estávamos separados por conta da Emily e a Beca e o Murilo por nossa causa. Foi a época mais difícil da minha vida, mas a mais importante também, hoje eu vejo o quanto valeu a pena seguir lutando pelos meus sonhos e independência eu não poderia ter tido o melhor retorno.
Hoje eu sou uma profissional, estou no mestrado e tenho o Davi ao meu lado do melhor jeito, tudo que eu queria há um ano, mas parecia longe demais da realidade.
Se não fosse pela Beca hoje minha vida seria próxima à perfeição, por isso que é tão importante ajudar no que ela precisar pra superar tudo que ela passou.
***
Prova no mestrado era três vezes mais estressante do que na graduação, quando eu conseguia terminar mais cedo era um milagre a ser comemorado. Eram onze e meia quando cheguei na agência, um pouco antes do que eu esperava. Subi direto para o andar do escritório do Davi, eu não costumava ir muito lá agora, a gente sempre se encontrava no hall e eu detestava misturar nosso pessoal com profissional, vínhamos trabalhar juntos nos dias em que eu não tinha aula e íamos embora juntos no fim da tarde, era o suficiente.
- Oi, Marta. – agora eles tinham uma secretária, uma mulher nos seus quarenta anos, muito bonita e eficiente. – Os rapazes estão aí?
- Oi, Amanda! – ela se levantou para me cumprimentar. – Os dois estão sim, Davi está com a irmã e uma amiga e o Murilo está sozinho na sala dele. – o clima entre os funcionários da empresa deles era sempre informal, eu adorava isso.
- Eu vou dar um pulo na sala do Murilo antes. – informei e saí com um sorriso.
Bati na porta dele e do outro lado ele gritou pra que entrassem.
- Olá. – disse abrindo a porta.
- Amanda! – ele disse surpreso. – Quanto tempo eu não te vejo por aqui, que surpresa. – ele se levantou pra me abraçar.
- Vim almoçar com seu sócio, ele é bonito demais pra eu negar um convite desses.
- Ainda bem que eu sou imune a esse charme. – brincou.
- Vim saber como você está. – fui direta. – E saber como andam as coisas entre você e a Beca.
Ele suspirou.
- Na mesma. – ele se sentou sobre a mesa. – É como se a gente não falasse a mesma língua mais.
- Ela te ama, Murilo, não se esqueça disso.
- Ela me amava, agora ela está diferente.
- Ela passou por muita coisa, mas o que ela sente por você não mudou, acredite em mim.
- Ela mudou com todo mundo, Amanda, inclusive com você e você sabe disso.
- Ela só precisa de um pouco de tempo.
- É nessa esperança que eu me agarro todos os dias.
- Não desiste de vocês dois, eu conheço a Beca, ela vai voltar. – apertei o ombro dele com força. – Agora deixa eu ir atrás do seu sócio antes que ele me largue pra trás.
- Aquele lá? Duvido.
- Fica em paz, Murilo. – me despedi. – Depois a gente se fala mais. – o abracei e saí da sala deixando a porta fechada como antes.
As duas salas eram bem próximas e a porta do Davi também estava fechada. Bati por educação, mas abri logo depois.
Davi estava sentado na própria cadeira e conversava com a Olívia, a surpresa era que a amiga que acreditei ser a Maria, namorada da Olívia, na verdade era uma das amigas que estavam no casamento da Vívia e que queriam comer o Davi vivo se pudesse.
- Oi. – eu disse na dúvida se deveria ou não falar alguma coisa.
- Ei, Bonita. – Davi veio e me abraçou, beijou meu pescoço e depois me deu um selinho. Todos esses cumprimentos significavam um “não precisa ficar com ciúmes”, mas eu já estava bastante nervosa com a presença dessa mulher na sala dele.
- Oi, Dita. – Olívia me olhou com cara de culpa e me abraçou assim que o Davi me soltou. – Essa é a Clara, ela é de Vila dos Anjos também e está aqui de passagem, acho que vocês se conhecerem no meu casamento.
Acenei por educação e ela fez o mesmo, os olhos dela pra cima do Davi eram os mesmos e eu não ia fazer questão de ser simpática com um tipo desses. Eu não falava com a minha própria mãe, quem era essa daí pra me fazer conversar por obrigação.
- Agora que a Dita chegou já podemos ir almoçar. – Vívia interrompia a situação.
Não fomos muito longe, o restaurante era o mesmo que sempre íamos e ficava bem próximo ao prédio em que trabalhávamos.
- Essa região de Belo Horizonte é linda, deve ser ótimo trabalhar aqui e o escritório de vocês é lindo também, parabéns. – Clara dizia diretamente para o Davi.
- É verdade, mas escolhemos o lugar por conveniência mesmo. – explicou. – Era próximo à agência que contratamos, a mesma que a Amanda trabalha.
- Os dois não são lindos juntos? – Vívia dizia com um sorriso no rosto, fazia isso pra me defender. – Até hoje eu não acredito que vocês já estavam juntos no meu casamento e eu não percebi nada.
- Jura? Você parecia bem solteiro por lá se eu me lembro bem.
É sempre difícil lidar com essas situações, mas difícil ainda é não se irritar. Clara era uma típica habitante de Vila dos Anjos que entra em qualquer disputa por homem.
- Mas ele estava solteiro. – expliquei. – Na época a gente só se pegava eventualmente. – sorri o mais safados dos meus sorrisos para o Davi que beijou o canto da minha boca em resposta.
- Dois primos, - desdenhou. – na minha família isso seria um escândalo. – veneno, atrás de veneno.
- Nós somos primos de terceiro grau, - Davi disse. – e graças a Deus não somos da sua família. – a cara que ela fez me disse que depois dessa ela ficaria quieta.
- É verdade, graças a esses dois nossa família está mais unida do que nunca, quer dizer, só quem importa. – Olívia completou.
- Foi um choque quando soube que vocês eram irmãos. – dessa vez ela disse olhando para a amiga e não para o meu namorado.
- É, mas no fundo foi a melhor notícia que eu poderia ter recebido. – Olívia sorria para o irmão.
- Você sabe que eu não ligo muito para fofocas, – Olívia revirou os olhos discretamente quando Clara disse isso. – mas dizem que seu ex-marido já está em outra.
- Bom pra ele. – ela respondeu.
- Tem certeza que não se arrepende?
- Eu também estou em outra.
- Sério? Quem é o cara?
- Você não conhece. – foi só o que Olívia disse, ela ainda nos olhou como um alerta para que não entrássemos em detalhes, se ela ainda não tinha contado para a própria mãe que namorava uma mulher o que dirá para uma piriguete fofoqueira e maldosa.
- Só quero a sua felicidade, amiga, se você está melhor agora eu fico feliz por você.
- E eu estou, Clara, nunca estive tão feliz em toda a minha vida.
- Mesmo longe da sua mãe?
- Mesmo longe dela.
- Parece um pouco de egoísmo da sua parte, ela se preocupa de verdade com você.
- Você esteve com ela?
- Estive, ela sabe que estou aqui, não ia dizer isso agora, mas ela pediu que te dissesse que sente muito a sua falta.
- Obrigada pelo recado. – Vívia tentava botar um fim no assunto.
- Ela tem medo de que você esteja sendo influenciada.
- Minha mãe está viajando.
- Mas é que agora você está andando com pessoas diferentes, né. – alfinetava com cara de rogada.
- Não sei quem, - entrei na conversa. – porque nós dois aqui conhecemos a Vívia desde que nascemos.
- Não fui eu que disse, - tirava o dela da reta. – mas sua mãe acha que você está se influenciando pelo relacionamento conturbado da sua tia com sua prima. – não dizia meu nome, a abusada.
Eu ri com deboche, como ela tem coragem de dizer uma coisa dessas na minha cara?
- Eu não já não me surpreendo com mais nada. – eu disse.
- Clara, a minha mãe é doente e eu não quero mais falar nela, entendeu? – sentenciou, a garota se impressionou e acenou com a cabeça confirmando a contra gosto.
Mesmo com todo o esforço de calar essa mulher o restante do almoço foi estressante e cansativo. Comi o mais rápido que pude pra me ver logo livre dela.
- Eu lamento ter que deixar vocês, mas eu preciso ir trabalhar, já está na minha hora. – fingi tristeza.
Ainda era cedo, Davi e Olívia sabiam disso, mas eles sabiam também o motivo que me fazia querer ir embora.
- Tchauzinho. – ela me disse com tanta rapidez como se estivesse comemorando a minha saída.
- Depois a gente conversa mais, Olívia. – Davi se levantou também.
- Você já vai também, pensei que chefes não tinham pressa para voltar a trabalhar.
- Não é bem assim, mas eu vou acompanhando a Amanda mesmo. – ele disse com um sorriso no rosto, um sorriso só pra mim.
- Depois eu ligo pra vocês. – Vívia nos disse se despedindo da gente.
- Qual é o problema dessa garota? – eu digo já na rua.
- Falta de cérebro.
- Ela estava te querendo e querendo muito.
- Ela quer uma competição, uma confusão, qualquer coisa que movimente a vidinha sem graça dela. – passou a mão pela minha cintura e me apertou contra o corpo dele.
- Você acha que tia Andreia realmente disse aquilo?
- Bonita, eu não quero saber o que pensa tia Andreia ou tia Ângela, elas magoaram as pessoas que eu mais amo nessa vida.
- Você estava conversando com ela quando minha mãe entrou no seu quarto e me encontrou seminua no casamento da Olívia. – soei ressentida.
- A gente não vai falar sobre isso.
- Porque não?
- Isso já faz mais de um ano e nós dois já superamos isso. – resmunguei contrariada, ele parou e segurou meu ombro. – Olha pra mim, Amanda, - olhei. – olha pra nós dois, olha pra onde a gente chegou e pensa se a gente merece ter essa discussão.
- Não. – ele tinha muito razão.
- Então, diz que me ama. – sorria pra mim como um menino bobo.
- Te amo.
- Sempre soube. – me provocou e depois voltou a andar em direção ao prédio.
Eu também sempre soube, Davi e um dia eu acreditei que esse amor fosse ser meu descanso em meio ao caos.
Eu não poderia estar mais certa