ANNA NARRANDO
— Parece que alguém viu um passarinho azul. — Claire Davis, a amante do meu pai, que chamei por dezoito anos de mãe, disse.
— Não tenho tempo para observar pássaros. Eu trabalho bastante, para não precisar me escorar em algum velho rico, sabe? — Pisquei um dos olhos para ela. E aí, percebi que esse comportamento, não podia mais fazer parte de mim. Ele fazia parte da velha Anna, da Anna que se jogou do topo do edifício.
— Como sempre, extremamente bem humorada pela manhã. — Claire debochou.
“Estaria bem humorada se tivesse sido criada pela minha mãe e por meu pai de verdade”, pensei. Mas fiquei em silêncio.
— Foi m*l. Estou tentando ser uma pessoa melhor, então, desculpa pela grosseria. — Ela ergueu as sobrancelhas.
— Você? Nem se você nascer de novo, Anna. — Ela riu da minha cara.
Peguei minha bolsa e saí sem fazer nenhum alarde, afinal, eu não estou interessada em desgraçar minha manhã com uma briga por motivo algum. Ainda mais sabendo que vou encontrar com Mattia.
FLASHBACK (Lembrança de Anna)
— Oi, Mattia. — Eu disse, o cumprimentando com um beijo no rosto.
Eu estava com vinte e um anos de idade. Já havia firmado meu cargo na empresa, mas nada do que consegui era suficiente... Nem mesmo o aparente respeito que Harold, meu pai, tinha por mim e por minha liderança.
— Como está? — Questionou, puxando a cadeira de forma educada para que eu me sentasse.
Eu me sentei, e ele se sentou na cadeira à minha frente. Nos olhávamos nos olhos. Mattia sempre foi um homem lindo e especial.
— Bem, e você? — Sorri ao falar.
— Bem. Do que precisa, Anna?
Ele sabe. Ele sempre sabe, sabe que quando falo com ele, é porque preciso de algo. E ele me acha uma interesseira.
FIM DO FLASHBACK (Fim da lembrança de Anna)
Desci do meu carro com aquilo em mente: Eu não posso ser a mesma Anna. Eu preciso conversar com ele, e tentar manter os favores longe. Estou tendo uma nova oportunidade e preciso pegá-la.
Entrei no Blue’s Coffee, e procurei por Mattia. Ele estava mexendo em um tablet, enquanto tomava um gole de café. Estava tão lindo quanto da outra vez. Ele levantou os olhos e me viu, abriu um pequeno sorriso e eu me aproximei.
— Oi, Mattia.
Ele se levantou educadamente, e nos cumprimentamos com um beijo no rosto. Ele fez como em minha lembrança, puxou a cadeira para mim, como o cavalheiro que é.
— Oi, Anna. Como vai?
Eu me sentei na cadeira. Ele se sentou na cadeira em frente à minha. Eu não quero repetir a memória, não quero que ele me olhe como se eu precisasse de favores.
— Estou muito bem. — Falei. — E você? Vai trabalhar, hoje?
— Ah, eu estou bem, e vou sim. — Sorri. — Você... Precisa de algo? — Ele questionou, me olhando nos olhos.
— Na verdade, Mattia, preciso. Eu fiquei refletindo sobre... Algumas coisas. E me dei conta de que não sei qual é sua pizza favorita. — Ele caiu na risada, e eu sorri.
A risada dele é bem bonita.
— É uma pergunta séria? — Eu concordei, tentando manter a postura ereta e bastante confiante. Me fiz de séria, antes de falar.
— É claro. É para uma pesquisa. — Ele ergueu as sobrancelhas, ainda sorrindo.
— Sobre sabores de pizza? — Concordei com a cabeça, o olhando de forma séria. — E por que você está envolvida nisso?
— Me responda, qual é o seu sabor favorito? — Ele deu os ombros.
— Calabresa. Agora me fala, por que isso? — Eu o olhei com um sorrisinho no rosto.
— Eu tinha uma teoria, e acabei de comprovar. — Fui interrompida pela garçonete.
— Seja-bem vinda, deseja fazer algum pedido? — Ela perguntou.
— Café sem açúcar. — Falei, rapidamente, e enquanto ela anotava, eu sussurrei olhando para ele. — Na minha teoria, os homens mais gatos de Nova Iorque gostam do mesmo sabor de pizza.
Ele apenas ria.
— Mais alguma coisa, senhorita? — A garçonete falou.
— Um donut. De doce de leite, por favor. E é só isso. — Ela concordou, anotou e saiu andando após minha resposta.
— E por um acaso, qual o sabor favorito dos homens mais gatos de Nova Iorque? — Ele falou, me olhando nos olhos.
— Calabresa. — Sussurrei.
Ele sorriu, e alcançou minha mão que estava na mesa.
— Gostei de te ver de bom humor. — Ele disse, acariciando minha mão com o polegar. — Posso saber o motivo?
— Nada em especial. — Falei. — Só estou feliz em te ver de novo.
— Eu acho que essa é a primeira vez que você faz uma piada e diz que está feliz em me ver. E eu gostei bastante disso.
Aquele momento estava tão, tão bom... Mas é óbvio que algo tinha que estragar. Bella entrou pela porta, com seu marido Leonard, e imediatamente acenaram para nós. Eu soltei a mão de Mattia e acenei para ela de volta. Que porcaria.
— Ah, que ótimo... — Resmunguei, baixo.
— Olá, Mattia! — Bella disse.
Mattia se levantou e cumprimentou Bella, depois Leonard.
— Se incomodam se sentarmos aqui? O estabelecimento está meio lotado. — Leonard disse.
— Claro que não, podem sentar. — Mattia disse.
Bella se sentou ao meu lado, Leonard se sentou ao lado de Mattia. Agora, compartilhávamos a mesma mesa. Estar perto da Bella desperta a velha Anna em mim, e eu odeio isso.
— Como vai sua avó, Mattia? Não nos vemos tem um bom tempo. — Ela disse e levantou a mão, chamando a garçonete para fazer o pedido.
— Está tudo bem com ela. E sua filha? — Bella deu os ombros.
— Tudo em paz.
Eu consigo ficar quieta e me impedir de falar bobagens, mas não consigo disfarçar a cara que estou agora. Bella falava algo sobre a empresa com Leonard, e eu não estava com vontade nem de esperar meu pedido mais. A velha Anna, com certeza iria embora. Mas eu estou aqui pelo Mattia, e não vou abaixar a cabeça para a minha irmã.
— E você, Anna, como está? Está feliz, agora que sua mãe usurpou o lugar da minha? — Eu sorri de forma falsa ao ouví-la.
— Na verdade, eu estou mais preocupada em viver minha própria vida e salvar a empresa, do que em interferir na vida amorosa do meu pai. Você devia fazer o mesmo, Bella. — Ela ergueu as sobrancelhas.
Bella espera grosseria da minha parte, mas não algo inteligente como isso. Ela me olhava com desdém, então, continuou.
— É, mas agora você finalmente mora em uma casa decente, que é a minha. Tem todo o luxo que eu sempre tive, e convenhamos, foi o que você sempre quis, não foi? Sempre foi uma grande invejosa. — O tom dela era irônico, e ela ria. — Mas eu também teria inveja de mim, se fosse você.
Eu sorri, mas dessa vez, por me divertir com a situação.
— Bella... Você está tentando competir comigo pelo quê, no momento? Pela atenção do Mattia? — Eu virei o rosto, e olhei para Leonard. — Se eu fosse você, Leonard, me preocuparia com isso.
Bella arregalou os olhos.
— Está insinuando que estou querendo flertar com o Mattia? — Disse, possessa. — Eu jamais faria algo assim! Sou leal ao meu marido, sua cachorra! — Eu a olhei como se ela fosse uma grande esquisita.
— Bella, se acalme, por favor. — Leonard disse, tentando controlar a esposa.
— É, Bella, mantenha a calma. Nós não estávamos discutindo. Era pra ser um café da manhã agradável, você poderia simplesmente não me alfinetar o tempo todo. Vamos comer e ficar em paz, o que acha? — Eu falei.
Já ouvi falar que responder de forma branda alguém que está com ódio de você, faz com que essa pessoa sinta como se você tivesse dado um tapa no rosto. Pela reação descontrolada de Bella, isso é verdade.
— Eu estou indignada com esse tratamento. Você fez essas grosserias comigo... — Bella se levantou. — E vocês dois vão deixar? É isso mesmo?
Bella começou a chorar. Ela, como sempre extremamente manipuladora, saiu chorando da cafeteria. Mattia observava a cena, e eu também.
— Seu café, senhora. — A garçonete disse, me servindo, e dividindo a atenção entre a minha mesa e o barraco que Bella fazia com o marido lá fora.
— Obrigada. — Falei. Peguei meu café e tomei um gole.
— O que está acontecendo com você, Anna? — Mattia perguntou, sorridente. — Você não n**a um bom drama com a sua irmã.
— Prepare-se para ver a nova Anna em ação, Mattia. Aquela velha Anna, que brigava e dava atenção aos shows da Bella, se jogou do topo de um edifício e morreu. A nova Anna gosta da própria vida. — Pisquei um dos olhos para ele, e tomei mais um gole do meu café. — Quer um gole?
Mattia ficou sorrindo, olhou para baixo e depois olhou para mim.
— Posso te pedir um favor? — Ele disse, me olhando nos olhos.
— Ahn... Claro, pode. — Respondi, meio a contra gosto. Não gosto muito de fazer favores.
— Aparece amanhã de novo na cafeteria? — Fechei meus olhos e respirei fundo. — Quero ver você sorrindo de novo.
— Fica meio difícil sorrir perto da Bella, mas por você, eu venho. — Ele concordou com a cabeça.
— Podemos estar na cafeteria do outro lado da rua. No segundo andar. Eu aposto que ela não vai aparecer por lá e, seria muito bom passar um tempo com você... Sem os dramas da sua irmã.
Deixei um pequeno sorriso se formar em meus lábios, e depois de pensar por alguns segundos, concordei com a cabeça.
— Combinado. Mande lembranças aos seus avós. Sua avó me mandou uma mensagem me convidando para almoçar na sua casa amanhã, reunião de negócios. Você vai estar? — Questionei.
— Não iria, mas como sei que você vai estar, talvez eu apareça.
Por que eu passei a vida ignorando esse cara? Por que eu fui tão i****a?
— Até mais, Mattia. Nos vemos em breve. — Eu me levantei, pois já estava na hora de partir para o trabalho.
Mattia se levantou e nos despedimos com um abraço. Eu peguei meu donut, que estava em um saquinho, e saí levando. Ele acenou para mim, e eu acenei de volta.
Logo que entrei no prédio da empresa, observei tudo pela primeira vez desde que voltei aos meus vinte anos. As coisas mudam muito em vinte anos, mas o cheiro de coisa nova aqui dentro permanece. A Bella nessa época ainda não decorava as coisas de forma compulsiva, mas já havia começado a decorar. Vasos novos no hall de entrada e um quadro original, de um artista da região.
— Bom dia, senhorita Anna. — A recepcionista da empresa disse.
Eu sorri para ela e acenei.
— Bom dia, Clarice. — Disse, tranquilamente.
Depois, reparei que ela continuava ali, como recepcionista, vinte anos depois. Ela não é uma má pessoa, é muito competente e merecia uma promoção. Lembro-me que a forma de me cumprimentar foi mudando gradativamente, até o momento onde eu passava reto por ela.
Clarice foi fiel à empresa durante vinte anos, e fez seu trabalho de forma impecável, sempre ganhando o mesmo salário. Ela é, claramente, uma pessoa que deveria ser recompensada melhor.
Eu parei no meio do corredor, dei meia volta e voltei para a mesa de Clarice.
— Querida, você tem filhos? — Ela me olhou, levemente assustada com a pergunta.
— Sim... — Eu concordei com a cabeça. — Vou pagar uma escola de ponta para eles. Por favor, escolha. É um presente pelo bom serviço. — Ela arregalou os olhos e colocou as mãos cobrindo a boca, que estava aberta.
— Vo... Você está falando sério, senhorita Anna? — Eu sorri e concordei com a cabeça.
— Sim, estou. E saiba que seu emprego está garantido, se continuar fazendo seu trabalho com alegria.
Clarice começou a chorar, e eu apenas sorri.
— Posso te dar um abraço, senhorita Anna?
— Pode? — Oh, céus, abraços são tão... Estranhos.
E aí, Clarice veio em minha direção e me abraçou. Me abraçou com força e gratidão, e eu confesso que gostei daquele abraço. Depois, entendi o porquê: Eu odiava abraços porque todos eles eram falsos. Pela primeira vez, ganhei um abraço genuíno e de gratidão.
Eu fechei meus olhos e senti como se alguns cacos dentro de mim se juntassem. Tenho muitos para recolher, mas de um em um, irei conseguir finalizar esse serviço.