CAPÍTULO 6
ANNA NARRANDO
Escolher um vestido nunca foi tão bom. Estou em uma loja que sempre frequentei, da juventude até os meus quarenta anos. Lembro-me de escolher apenas cores neutras e escuras, e apesar de sempre andar elegante, nunca me senti realmente bonita. Olhar no espelho, agora, depois de me olhar com quarenta anos, me fez ver o quanto fui boba. Uma pele jovem e viçosa, olhos ainda sem marcas... Meus cabelos ruivos se iluminam em tons de verde, dourado, laranja. Por que me esconder, se posso brilhar?
Escolhi um vestido rosé, com um decote médio que valorizava o colo do meu corpo. Esse vestido serviria para o almoço de negócios com os avós de Mattia que aconteceria mais tarde, e claro, serviria também para impressionar o próprio Mattia. Gostei da atenção que recebi dele no café da manhã.
Naquela noite, eu comprei maquiagens e sapatos. Gastei um bocado de dinheiro, mas eu posso me dar ao luxo de fazer isso às vezes, afinal, eu trabalho bastante.
Na manhã seguinte, me arrumei da forma que planejei, passei uma maquiagem um pouco mais evidente e coloquei o vestido novo. Penteei meus cabelos e me arrumei até olhar no espelho e dizer para mim mesma: “É, estou linda.” Para disfarçar o vestido bonito do almoço, coloquei um blazer off-white por cima, e ainda assim, eu estava um espetáculo.
Conforme combinado, apareci na cafeteria e Mattia me aguardava ali. Eu o vi olhando para a porta duas vezes, como se realmente estivesse me esperando. E então, eu entrei. O sorriso dele foi impagável.
— Ah, Anna, você veio. — Ele disse, se levantou para me cumprimentar e o fez, gentilmente.
— Disse que viria, não disse? — Eu respondi, com um sorriso.
Mais uma vez, ele puxou a cadeira para que eu me sentasse. Mas dessa vez, ele puxou a cadeira ao lado da dele, e eu aceitei. Nossos olhares se encontraram por alguns instantes, após estarmos sentados, e isso me fez sorrir.
— Como você está linda. — Elogiou.
— Obrigada. Digamos que eu estou mudada por dentro... E quero demonstrar isso por fora, sabe? — Ele concordou com a cabeça.
— Como uma lagarta, que se esconde no casulo e depois abre as asas. — Eu concordei com o comentário dele.
— É, algo assim.
— Eu gosto do que vejo em você, agora. Não que eu não gostasse antes... Mas você parece mais feliz. E é bom de ver.
— Eu estou.
Continuamos nossa conversa agradável durante todo o café da manhã. Conversamos sobre coisas aleatórias, e aquele momento me fez ficar com o coração tranquilo.
Fui para a empresa de bom humor. Eu não quero mais atrair olhares estranhos e piedosos por onde passo... Quero atrair olhares de admiração. E sinceramente? Se eu mesma estou me admirando, já é um bom começo.
— Bom dia! — Eu sorri ao dizer isso aos funcionários da recepção. Recebi um sorriso especial de Clarice, sempre fiel ao seu serviço, e agora, fazendo com mais alegria ainda.
— Bom dia, senhorita Anna. — Um dos meus assistentes me entregou uma pasta. Eu não me lembro o nome dele, já faz vinte anos que não o vejo... Digo, ele se demitiu em um ano no máximo, não consigo lembrar...
— Querido, como é seu nome, mesmo?
— Rudolf. — Respondeu.
— Ah, sim, sim. Pegue essas pastas e coloque na minha mesa. — Pedi. Ele concordou.
— O senhor Harold está em uma reunião informal com alguns dos membros da liderança. Achei que gostaria de saber. — Eu sorri e concordei.
— Obrigada por seu bom serviço.
Eu imediatamente fui até a sala de reuniões, onde todos tomavam café de forma descontraída. Entendi o motivo: Bella estava ali, no centro das atenções.
— Ah, chegou o assunto. — Bella disse e girou os olhos. Fez em tom de brincadeira, e todos riram.
— Fico feliz em ser assunto na boca de gente importante. — Pisquei um dos olhos para Bella, depois, caminhei para cumprimentar todos ali, um por um.
— Eu teria medo. — Ela disse, em um tom de zombaria.
Ela queria me causar pânico. As ameaças de Bella, as brincadeiras.... Elas sempre tiveram efeito. Certa vez, ela inventou que dois dos grandes chefes estavam falando m*l de mim, que eu era incompetente, quando na verdade, era ela quem estava falando isso para eles. Eu fiquei muito chateada até descobrir a verdade. Agora, com a vantagem de saber que Bella é uma cobra, eu estou vacinada.
— Eu sei que você teria! — Falei, rindo. — Mas eu não tenho, Bella, não se preocupe. Se estou rendendo assunto, com certeza é por algo bom, porque convenhamos... Meu trabalho é feito com excelência.
Eu apenas respondi Bella e depois a ignorei, pois comecei a conversar de forma descontraída com algumas pessoas ali. Nunca foi tão fácil me entrosar como é agora, mas enquanto meu corpo estava aqui, na conversa com essas pessoas influentes, minha mente estava no almoço com a família Moretti. Eles são importantes, e eu preciso convencê-los a me ajudar. Tenho que expor a situação de forma sutil, mas precisa o suficiente para que eles entendam e queiram ajudar a salvar a empresa. A família Moretti tem uma excelente fama na área dos negócios e eles não entram em nada para perder, e obviamente, não entrariam com investimentos se não soubessem que isso poderia gerar lucros, isso significa que eu preciso ganhar a confiança deles primeiro. Além disso, eles são pessoas muito boas. O que pensei, para unir o útil ao agradável, foi em fazer um grande baile juntamente com um leilão, onde os fundos do leilão iriam para a caridade. Já a venda dos convites, que gerariam um bom lucro, seria entregue como fundos para a cobertura de dívidas da empresa. Isso seria interessante para todos.
Ao chegar o horário, me dirigi até a casa dos Moretti e entrei, portando toda a educação que tenho e a que não tenho também. Eu preciso me matricular em aulas de etiqueta, porque apesar de aprender rápido, muita coisa eu não sei.
— Seja bem-vinda, senhorita Anna. — Mattia disse, ao abrir a porta. — Fico feliz em vê-la mais uma vez.
— Obrigada. — Sorri. — Preciso de um pequeno favor. — Sussurrei.
— Pode falar. Se estiver ao meu alcance, irei fazer.
— Lembre-se que não fui criada com a família Jones, apesar de estar sempre por perto. Não quero cometer gafes em relação a etiqueta... Se você puder me dar um toque ou outro, eu agradeço. — Pedi, com a voz baixa. Ele concordou com a cabeça.
— Claro, não se preocupe. Você já se porta muito bem, Anna. — Eu concordei com a cabeça.
— Mas ainda tenho meus vícios gesticulares. — Ri ao falar. Ele concordou com a cabeça.
— Pode deixar, eu te ajudo.
Quando chegamos à sala de jantar, lá estavam eles: Senhor e senhora Moretti, conversando olhando um nos olhos do outro. Se algum dia eu chegar a me relacionar com alguém, eu quero que seja assim.
Tive um pequeno devaneio nesse momento, em me lembrar da forma como eu e Mattia nos olhamos na cafeteria. Balancei a cabeça como se isso fosse capaz de tirar isso da mente e, educadamente, me aproximei dos dois.
— Anna! — A senhora Moretti se levantou e veio me abraçar. — Veja só, dessa vez não confundi você.
— Espero que isso seja bom. — Falei, sorrindo.
— É, querida, é. Você está ganhando seu espaço. É bom ser lembrada pelo próprio nome, e não por ser irmã de alguém, não acha? — Senhora Moretti disse.
Ela parecia ler as entrelinhas, de alguma forma. E isso me agrada.
— Sim. É muito bom ter o próprio espaço.
Cumprimentei o senhor Moretti também, e nos sentamos. Mattia sentou ao meu lado, e então, a conversa séria começou.
— Pois então, querida, sobre o que deseja falar? — Senhor Moretti começou.
— Bom, eu estive pensando na situação da família Jones e em alguns problemas que a empresa tem enfrentado por conta da gestão. E tive uma ideia, que gostaria de apresentar a vocês. — Eles concordaram com a cabeça. — A empresa está endividada, todos já sabem. Não temos como negar e Bella tem tentado fazer as coisas... Acaba trocando os pés pelas mãos, enfim. O que vi foi que, se tivermos a colaboração de bons gestores como vocês, isso poderia mudar.
— Concordo, mas como você sabe, não nos metemos em negócios duvidosos. — Eu concordei com a cabeça.
— É por isso que antes de oferecer o meu real projeto a vocês, eu vou oferecer algo mais simples. Relacionamentos são construídos na base da confiança, certo? Vamos começar com isso: Um baile, onde vocês investirão trinta por cento do valor. Se eu gerar o lucro esperado, vocês ouvem minha proposta. — Os dois se entreolharam e sorriram.
— Continue, querida.
— Para esse baile, eu preciso de um valor que irei passar para vocês, é claro, e a função dele é bastante simples: Primeiro, resgatar um pouco de credibilidade da empresa dos Jones, através de ações sociais... E segundo, recuperar um pouco do dinheiro perdido. Teremos o baile e um leilão. Os convidados terão acesso a uma grande exposição de objetos doados pelos colaboradores, e os valores do leilão irão todo para a caridade. Agora, os valores dos convites... — Eu sorri de forma animada. — Gerarão o lucro necessário para devolver o dinheiro a vocês com um lucro de vinte por cento, e claro, trarão um lucro para a empresa dos Jones.
Eles pareciam satisfeitos com a ideia.
— De quanto estamos falando em valores de investimento, querida? — Senhor Moretti questionou.
— Um milhão e meio. Nós estamos falando de um investimento não apenas em um novo negócio, mas, na construção de uma nova parceria. É um valor insignificante considerando o que pode gerar, não acha?
— Bom, nós daremos a resposta até a noite. Precisamos pensar, decisões assim não podem ser tomadas na pressa. — Senhora Moretti disse.
— Claro, sem problemas. Fico feliz com aceitarem minha sugestão.
Um baile. A alta sociedade adora esse tipo de coisa.
— Olha, se vocês quiserem minha opinião... — Mattia deu os ombros ao falar. — Se vocês não aceitarem, estou pensando seriamente em investir em Anna. — Ele sorriu de forma lateral.
Aquele sorriso me derreteu, mas tive que manter a postura.
— Parece que você conquistou o coração do meu neto com sua ideia, não é mesmo? — Ela brincou. Eu ri, para disfarçar o constrangimento.
— Ah, seria ótimo se fosse verdade! — Falei, em tom brincalhão também.
Apesar da situação descontraída, a conversa era séria e poderia definir um novo rumo para e empresa dos Jones... E para mim.
O almoço foi incrível. Em determinado momento, vi Mattia tocando um talher de forma diferente e olhando em meus olhos. Eu corrigi minha mão, e ele sorriu satisfeito. Sim, ele me ajudou como pedi, e não apenas com seus avós... Na mesa também.
Tudo isso me fez querer entender mais quem é esse ser humano fantástico chamado Mattia Moretti. Eu queria ter um momento a sós com ele, onde eu pudesse fazer todas as perguntas possíveis e ele pudesse me responder sem nenhum tipo de amarra.
No final do almoço, eu estava me despedindo deles, quando senhora Moretti segurou minha mão.
— Você tem meu voto de confiança, filha. Faça o baile, eu aceito a proposta. E se eu aceitei, meu marido irá aceitar. — Sorri de forma satisfeita para ela, e ela sorriu de volta.
Nos abraçamos e eu fui caminhando, acompanhada de Mattia, até a entrada da grande mansão.
— Obrigado pela visita, Anna. Gostei de ver você conversar com meus avós. Minha avó não se solta tanto, mas se soltou com você. — Disse.
— É? Eu fico feliz que isso tenha acontecido, Mattia. Bom... Eu já estou atrasada, era para eu ter chegado há uma hora na empresa. — Ri de mim mesma. Ele também.
— Eu estou na mesma situação, mas já desmarquei minhas reuniões. Preciso discutir algumas coisas com meus avós. — Concordei com a cabeça.
— Bom, boa conversa. Nos vemos outro dia, Mattia. — Eu falei e fui caminhando para longe.
Deus, por que senti uma vontade tão grande de abraça-lo e pedir um beijo? Eu não sei se gosto do rumo que esses sentimentos estão tomando dentro de mim, mas ao mesmo tempo, é tão gostoso e diferente...