O silêncio no carro era tão denso que eu podia ouvir o som da minha própria respiração. O motor já estava desligado há mais de dez minutos, mas nem eu nem Jace parecíamos prontos pra sair dali. Estávamos estacionados numa rua tranquila, perto do campus, onde só os postes amarelados iluminavam as calçadas vazias.
Lá fora, o vento frio soprava fraco, balançando as folhas secas no asfalto. Dentro do carro, a tensão ocupava o mesmo espaço que o ar.
Eu passava o dedo pelo aro do copo de papel que ele tinha me comprado no caminho — um chocolate quente que já esfriava. Jace tamborilava os dedos no volante, o maxilar travado, os olhos fixos à frente como se quisesse fugir daquela conversa antes mesmo dela começar.
— Você tá estranha — ele disse, por fim, ainda olhando pra frente.
— E você tá fingindo que nada aconteceu — rebati.
Ele virou devagar pra mim, com os olhos escurecidos por algo entre cansaço e frustração.
— Aconteceu o quê, Ellie?
Soltei o ar devagar.
— Kayla e Liv. Aquilo foi um recado, e você sabe disso.
— Você acha que eu pedi aquilo?
— Não. Mas você não fez muita questão de impedir.
Ele passou as mãos no rosto, depois no cabelo, puxando os fios com força.
— Eu não sabia que elas iam estar lá, Ellie. Eu não tenho controle sobre quem aparece nas festas. E muito menos sobre o que elas dizem.
— Mas você teve com elas, Jace. E elas ainda acham que têm parte de você.
Ele se virou de vez, apoiando o braço no volante. A expressão estava mais fechada.
— Já te falei que o que eu tive com elas não significa nada. Elas faziam parte de um tempo em que eu vivia no automático. Sem pensar, sem sentir. Sem nada.
— E eu sou o quê agora?
A pergunta saiu antes que eu pudesse segurar. A vulnerabilidade me queimou a garganta.
Ele me olhou. Por um segundo, não disse nada. Só respirou, como se cada palavra fosse uma bomba prestes a explodir.
— Você é a primeira coisa que me faz pensar no depois. Que me faz querer mais do que uma noite ou uma distração. E isso me apavora.
— E por isso você me trata como se eu fosse... opcional?
— Eu não te trato assim.
— Trata, sim, Jace. Cada vez que você foge, cada vez que você se cala, cada vez que você se esconde atrás de um "não sei como lidar". Eu também não sei. Mas pelo menos tô aqui.
Ele socou o volante. Não forte, mas o suficiente pra fazer o som seco ecoar pelo carro.
— Porque se eu não me controlar, eu quebro tudo. Eu destruo o que encosto.
— Você não tá encostando em nada, Jace. Tá me afastando. E isso, por si só, já machuca.
O silêncio voltou, pesado, cheio de tudo que a gente ainda não tinha coragem de dizer. Eu encostei a cabeça na janela, os olhos marejados, mas sem cair. Era como se até as lágrimas tivessem medo de cair perto dele.
E então ele falou, mais baixo:
— Eu não quero te perder.
— Então para de me empurrar.
Ele se mexeu, e no minuto seguinte, sua mão estava na minha perna, depois no meu rosto. O toque quente. Firme. Verdadeiro. E os olhos dele, finalmente, me encontraram de verdade.
— Vem aqui — ele sussurrou.
Me inclinei, e ele me puxou pra cima dele, com cuidado, como se tivesse medo de quebrar o momento. Me sentei em seu colo, os joelhos no banco do passageiro, os braços ao redor do pescoço dele.
A respiração dele era rápida. O peito subia e descia como se ele estivesse se segurando por um fio.
— Eu tenho medo — ele disse, encostando a testa na minha. — Medo de te querer tanto a ponto de não saber mais viver sem. E que isso acabe como tudo sempre acaba comigo.
— Eu também tenho medo. Mas tô aqui mesmo assim. Porque você... você me faz sentir viva de um jeito que eu nunca senti antes.
Ele me beijou.
Dessa vez, não foi raiva. Não foi impulso. Foi necessidade.
O beijo era tenso no começo. Urgente. Depois ficou mais lento, mais profundo. Como se dissesse tudo o que ele não conseguia falar em voz alta. Suas mãos deslizaram pelas minhas costas, depois seguraram minha cintura com firmeza. E eu segurei o rosto dele como se estivesse jurando que ficaria ali, mesmo que o mundo acabasse.
Quando nos afastamos, os olhos dele ainda estavam fechados.
— Me promete uma coisa — ele sussurrou.
— Qual?
— Que se um dia eu me perder... você vai me lembrar de quem eu era quando tava com você.
Apertei sua mão.
— Prometo.
Lá fora, a rua estava em silêncio. E dentro do carro, pela primeira vez... a gente também estava.
Mas era um silêncio de paz.
Mesmo que breve.
Mesmo que prestes a ser quebrado.