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838 Palavras
O som da chuva contra o vidro era quase hipnótico. Acordei devagar, enrolada no cobertor fino do quarto dele, o cheiro dele ainda preso à minha pele. Luzes fracas atravessavam a persiana entreaberta, e o quarto tinha aquele caos organizado que era tão a cara do Jace: roupas jogadas sobre a cadeira, livros empilhados no chão, uma jaqueta molhada na maçaneta da porta. Ele não estava ali. Me levantei devagar, o chão gelado contra os pés descalços. A camiseta dele caía larga no meu corpo, e por um instante, eu me senti em casa. Segui até a cozinha pequena do apartamento, e o encontrei encostado na bancada, mexendo distraidamente no celular enquanto o café passava. Ele sorriu quando me viu. Daquele jeito. — Bom dia, caos. — Bom dia, problema. Nos aproximamos, e ele me puxou pela cintura como se aquilo fosse automático. Natural. Como se agora, fosse normal acordar comigo na casa dele. — Dormiu bem? — ele perguntou, a voz rouca de sono. — Melhor do que nos últimos meses. — Que bom. Porque eu planejo repetir isso. Rimos. O café pingava na cafeteira. O mundo parecia... calmo. Até que bateram na porta. Jace franziu a testa. — Você espera alguém? — Eu moro sozinho. Ele caminhou até a porta com passos lentos, desconfiados. Eu fiquei na cozinha, parada, o coração acelerando sem motivo. Algo na batida parecia errada. Urgente demais. Ele abriu. E a expressão dele mudou na hora. — Você tá brincando comigo — ele murmurou, a voz mudando completamente. Me aproximei um pouco, tentando entender. E então a vi. Uma garota. Mais velha que eu. Alta, com o cabelo escuro molhado pela chuva, casaco aberto revelando um vestido amassado. Ela estava tremendo — de raiva, ou de frio, ou dos dois. — Então é aqui que você se esconde — ela disse, olhando por cima do ombro dele e me vendo ali, no corredor. Jace não respondeu de imediato. Só passou a mão pela nuca, como se estivesse tentando organizar o que sentia. — Ellie, volta pro quarto um segundo, por favor — ele disse sem me olhar. — Quem é ela? — perguntei, meu estômago já se retorcendo. A mulher avançou um passo, sem dar espaço pra respostas. — Eu sou a ex-namorada dele. Ou pelo menos era, até ele sumir e fingir que eu não existia mais. Mas parece que você substitui rápido, hein, Jace? Ele suspirou, mas os olhos agora estavam em mim. — Isso não é o que parece. — Então o que é? — perguntei. A mulher cruzou os braços. — Deixa eu adivinhar. Você também achou que era a única, né? Que ele tava se abrindo com você. Que ele te escolheu. Jace deu um passo à frente, tentando conter a situação. — Chelsea, você não pode aparecer aqui assim. Isso acabou. Faz meses. A gente já teve essa conversa. — Ah é? Porque da última vez que falei com sua irmã, ela achava que a gente ainda tava tentando. Que você só precisava de tempo. — Eu pedi pra você não envolver minha família. Eu não conseguia me mover. Só escutar. O coração batendo alto demais. As palavras flutuando como navalhas. — Você mentiu pra mim? — perguntei, baixinho. Jace virou na minha direção. A expressão dele era de desespero contido. — Eu terminei com ela antes de te conhecer. Mas eu não fui claro o suficiente. E eu... eu fugi. Como sempre. Chelsea riu, sem humor. — Isso ele faz bem. — Você ainda fala com ela? — perguntei, a voz embargada. — Não. Não desde que eu te conheci. Juro. — Mas ela achava que vocês ainda estavam juntos. Ele passou a mão pelos cabelos outra vez. — Porque eu não tive coragem de ser c***l. E talvez... parte de mim ainda tava tentando segurar um passado que já não fazia sentido. Chelsea soltou um suspiro e balançou a cabeça, decepcionada. — Ele vai fazer o mesmo com você. Não porque você merece. Mas porque ele só sabe viver no caos. Ela se virou e saiu, sem olhar pra trás. O silêncio no apartamento foi absoluto por alguns segundos. — Ellie... — ele começou. — Eu preciso de ar. Me afastei. Peguei minha mochila do chão, vesti meus tênis sem me importar com o cabelo bagunçado ou o rosto quente de raiva. Ele veio atrás. — Por favor, não vai embora assim. Me deixa explicar melhor. — Você teve tempo pra ser claro. Teve tempo pra me contar. Mas não contou. — Eu achei que já tava resolvido. — E não estava. Ele ficou parado na porta, sem saber se devia me seguir. — Eu gosto de você, Ellie. De verdade. — Então começa a agir como se isso fosse suficiente pra não esconder nada de mim. Desci as escadas com o peito apertado, o coração partido em silêncio, e a sensação de que aquele apartamento que parecia seguro... agora era só mais uma parte do caos que ele nunca quis deixar pra trás.
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