O som da chuva contra o vidro era quase hipnótico. Acordei devagar, enrolada no cobertor fino do quarto dele, o cheiro dele ainda preso à minha pele. Luzes fracas atravessavam a persiana entreaberta, e o quarto tinha aquele caos organizado que era tão a cara do Jace: roupas jogadas sobre a cadeira, livros empilhados no chão, uma jaqueta molhada na maçaneta da porta.
Ele não estava ali.
Me levantei devagar, o chão gelado contra os pés descalços. A camiseta dele caía larga no meu corpo, e por um instante, eu me senti em casa.
Segui até a cozinha pequena do apartamento, e o encontrei encostado na bancada, mexendo distraidamente no celular enquanto o café passava.
Ele sorriu quando me viu. Daquele jeito.
— Bom dia, caos.
— Bom dia, problema.
Nos aproximamos, e ele me puxou pela cintura como se aquilo fosse automático. Natural. Como se agora, fosse normal acordar comigo na casa dele.
— Dormiu bem? — ele perguntou, a voz rouca de sono.
— Melhor do que nos últimos meses.
— Que bom. Porque eu planejo repetir isso.
Rimos. O café pingava na cafeteira. O mundo parecia... calmo.
Até que bateram na porta.
Jace franziu a testa.
— Você espera alguém?
— Eu moro sozinho.
Ele caminhou até a porta com passos lentos, desconfiados. Eu fiquei na cozinha, parada, o coração acelerando sem motivo. Algo na batida parecia errada. Urgente demais.
Ele abriu. E a expressão dele mudou na hora.
— Você tá brincando comigo — ele murmurou, a voz mudando completamente.
Me aproximei um pouco, tentando entender. E então a vi.
Uma garota. Mais velha que eu. Alta, com o cabelo escuro molhado pela chuva, casaco aberto revelando um vestido amassado. Ela estava tremendo — de raiva, ou de frio, ou dos dois.
— Então é aqui que você se esconde — ela disse, olhando por cima do ombro dele e me vendo ali, no corredor.
Jace não respondeu de imediato. Só passou a mão pela nuca, como se estivesse tentando organizar o que sentia.
— Ellie, volta pro quarto um segundo, por favor — ele disse sem me olhar.
— Quem é ela? — perguntei, meu estômago já se retorcendo.
A mulher avançou um passo, sem dar espaço pra respostas.
— Eu sou a ex-namorada dele. Ou pelo menos era, até ele sumir e fingir que eu não existia mais. Mas parece que você substitui rápido, hein, Jace?
Ele suspirou, mas os olhos agora estavam em mim.
— Isso não é o que parece.
— Então o que é? — perguntei.
A mulher cruzou os braços.
— Deixa eu adivinhar. Você também achou que era a única, né? Que ele tava se abrindo com você. Que ele te escolheu.
Jace deu um passo à frente, tentando conter a situação.
— Chelsea, você não pode aparecer aqui assim. Isso acabou. Faz meses. A gente já teve essa conversa.
— Ah é? Porque da última vez que falei com sua irmã, ela achava que a gente ainda tava tentando. Que você só precisava de tempo.
— Eu pedi pra você não envolver minha família.
Eu não conseguia me mover. Só escutar. O coração batendo alto demais. As palavras flutuando como navalhas.
— Você mentiu pra mim? — perguntei, baixinho.
Jace virou na minha direção. A expressão dele era de desespero contido.
— Eu terminei com ela antes de te conhecer. Mas eu não fui claro o suficiente. E eu... eu fugi. Como sempre.
Chelsea riu, sem humor.
— Isso ele faz bem.
— Você ainda fala com ela? — perguntei, a voz embargada.
— Não. Não desde que eu te conheci. Juro.
— Mas ela achava que vocês ainda estavam juntos.
Ele passou a mão pelos cabelos outra vez.
— Porque eu não tive coragem de ser c***l. E talvez... parte de mim ainda tava tentando segurar um passado que já não fazia sentido.
Chelsea soltou um suspiro e balançou a cabeça, decepcionada.
— Ele vai fazer o mesmo com você. Não porque você merece. Mas porque ele só sabe viver no caos.
Ela se virou e saiu, sem olhar pra trás.
O silêncio no apartamento foi absoluto por alguns segundos.
— Ellie... — ele começou.
— Eu preciso de ar.
Me afastei. Peguei minha mochila do chão, vesti meus tênis sem me importar com o cabelo bagunçado ou o rosto quente de raiva.
Ele veio atrás.
— Por favor, não vai embora assim. Me deixa explicar melhor.
— Você teve tempo pra ser claro. Teve tempo pra me contar. Mas não contou.
— Eu achei que já tava resolvido.
— E não estava.
Ele ficou parado na porta, sem saber se devia me seguir.
— Eu gosto de você, Ellie. De verdade.
— Então começa a agir como se isso fosse suficiente pra não esconder nada de mim.
Desci as escadas com o peito apertado, o coração partido em silêncio, e a sensação de que aquele apartamento que parecia seguro... agora era só mais uma parte do caos que ele nunca quis deixar pra trás.