Capítulo 17. Ainda no restaurante

980 Palavras
Quando o último pedaço de picanha desapareceu dos pratos e a conversa já estava tão confortável quanto o calor da comida, Harry se recostou na cadeira, limpando a boca com o guardanapo. — Acho que não como tão bem assim há muito tempo — ele admitiu. Yara sorriu, satisfeita como quem acabara de cumprir uma missão nacional. — Eu disse que confiável era. Comida brasileira nunca falha. Ele a observou por um instante… e então, num gesto quase tímido, perguntou: — E quanto à sobremesa… você aceita? Yara arqueou uma sobrancelha, brincalhona. — Aceito, claro. Mas eu escolho. — Confio plenamente na sua experiência culinária — Harry brincou, entregando o cardápio a ela sem nem olhar. Yara folheou a lista com o entusiasmo de quem estava prestes a reencontrar um velho amigo. — Hm… — ela murmurava. — Tem brigadeiro… tem mousse… tem quindim…tem doce de leite... Harry nem sabia o que era metade daquelas palavras, mas se divertia vendo o brilho no olhar dela cada vez que lia algo brasileiro. Finalmente, ela bateu o dedo numa das opções. — Pronto. Vamos de pudim. — Pudim? — ele repetiu, como se a palavra soasse exótica. — Pudim — ela confirmou com toda a segurança do mundo. — É tipo um flan… só que melhor. Muito melhor. Absurda e criminosamente melhor. Confia. — Outra vez? — Harry provocou. — Até agora deu certo — ela rebateu, erguendo o queixo com orgulho. O garçom veio, ela pediu dois pudins, e ele partiu. Enquanto esperavam, Harry apoiou as mãos na mesa e inclinou-se um pouco para a frente. — Você parece ter uma relação emocional com essa sobremesa. — Eu tenho — Yara riu. — No Brasil, pudim é presente de família. É sobremesa de domingo, de aniversário, de “eu lembrei de você”. Ela sorriu, mais suave. — É tipo abraço em forma de comida. Harry deixou o sorriso crescer devagar. — Então eu fico feliz que você tenha escolhido isso para eu provar. Yara piscou, surpresa pela observação delicada, mas não desviou o olhar. Pouco depois, os pudins chegaram dourados, brilhando sob a calda de caramelo como pequenas obras de arte. Yara quase suspirou. — Esse tá bonito, hein… Harry pegou a colher, curioso. — Você prova primeiro. — Não, não — ela empurrou o prato na direção dele. — Vai. Quero ver seu veredito. Harry cortou um pedaço pequeno, levou à boca… E congelou. Yara segurou o riso. — Então? Ele engoliu devagar, como se estivesse tentando entender a própria reação. — Isso é… — Harry franzia a testa de um jeito quase sério — absurdamente bom. — Não falei? — ela comemorou, batendo palminha no ar. — É cremoso… doce… e a textura é… — ele tentava descrever, mas parecia sem palavras. — É pudim, Harry — Yara riu. — Pudim não se explica. Pudim se aceita. Harry devolveu o sorriso. E, por alguns instantes, eles comeram em silêncio um silêncio confortável, íntimo, cheio de pequenas trocas de olhar e sorrisos escondidos. Era estranho. Eles deveriam estar ali discutindo um contrato. Um acordo profissional, frio, lógico. Mas, enquanto dividiam colheradas de pudim, isso parecia a coisa menos importante da noite. Yara limpou os cantos da boca com o guardanapo enquanto Harry chamava o garçom para encerrar a conta, Yara insistiu em pagar mas Harry não deixou. O restaurante estava mais silencioso agora, as luzes quentes destacando o brilho suave das taças vazias. O pudim havia sido devorado mais por Harry do que por ela e ele ainda parecia um pouco deslumbrado com a textura cremosa da sobremesa. Quando eles se levantaram, o segurança pessoal de Harry já estava discretamente aguardando a poucos metros, mas o inglês nem deu atenção. Ele se virou totalmente para Yara. — Vou te levar em casa — declarou, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Yara riu de leve, cruzando os braços. — Não, senhor. Eu pego o metrô, como qualquer ser humano normal. — Você não é “qualquer ser humano normal” — ele rebateu com aquela sinceridade direta que às vezes a deixava desconcertada. — E Londres não é exatamente segura à noite. Eu insisto. — Eu recuso. — Ela sorriu, mas o tom era firme. — De verdade, Harry. Eu me viro. Ele respirou fundo, claramente pouco satisfeito, mas respeitando. — Muito bem. Mas amanhã… — Ele ajeitou o paletó, voltando a assumir a postura de CEO poderoso. — Vá à minha empresa. Às nove da manhã. — Na sua empresa? Assim mesmo? — Sim. — Ele inclinou a cabeça, como quem planeja algo. — Você terá um contrato. Um contrato real. Com cláusulas, condições, deveres, responsabilidades… tudo muito claro. Quero que você leia, decida se aceita. Yara piscou. — Um contrato… para ser sua "namorada"… ? — Para ser minha escolha. — Ele corrigiu, com palavras que soaram mais profundas do que deveriam. — Se vamos conviver, eu quero que esteja tudo delimitado. Profissional. Sem espaço para equívocos. Ela arqueou a sobrancelha, provocando: — Harry… você está me contratando ou está fazendo um pacto mágico? Ele deu um sorrisinho curto, aquele sorrisinho que aparece só quando ele perde o controle por um segundo. — Amanhã você descobre. — Tá bom. — Yara começou a se afastar, dando passos para trás. — Eu apareço lá. Mas sem carro preto blindado me perseguindo, por favor. — Não prometo nada — ele retrucou, mas havia humor em sua voz. Eles ficaram alguns segundos se olhando, sem saber exatamente como se despedir. Então Harry apenas inclinou a cabeça de maneira elegante um gesto que parecia tão dele quanto o paletó impecável. Yara acenou de volta. E enquanto ela se virava e seguia para a estação, ele ficou parado ali, observando até que ela desaparecesse na esquina, com a expressão de quem já estava montando, mentalmente, cada cláusula do contrato.
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