Quando o último pedaço de picanha desapareceu dos pratos e a conversa já estava tão confortável quanto o calor da comida, Harry se recostou na cadeira, limpando a boca com o guardanapo.
— Acho que não como tão bem assim há muito tempo — ele admitiu.
Yara sorriu, satisfeita como quem acabara de cumprir uma missão nacional.
— Eu disse que confiável era. Comida brasileira nunca falha.
Ele a observou por um instante… e então, num gesto quase tímido, perguntou:
— E quanto à sobremesa… você aceita?
Yara arqueou uma sobrancelha, brincalhona.
— Aceito, claro. Mas eu escolho.
— Confio plenamente na sua experiência culinária — Harry brincou, entregando o cardápio a ela sem nem olhar.
Yara folheou a lista com o entusiasmo de quem estava prestes a reencontrar um velho amigo.
— Hm… — ela murmurava. — Tem brigadeiro… tem mousse… tem quindim…tem doce de leite...
Harry nem sabia o que era metade daquelas palavras, mas se divertia vendo o brilho no olhar dela cada vez que lia algo brasileiro.
Finalmente, ela bateu o dedo numa das opções.
— Pronto. Vamos de pudim.
— Pudim? — ele repetiu, como se a palavra soasse exótica.
— Pudim — ela confirmou com toda a segurança do mundo. — É tipo um flan… só que melhor. Muito melhor. Absurda e criminosamente melhor. Confia.
— Outra vez? — Harry provocou.
— Até agora deu certo — ela rebateu, erguendo o queixo com orgulho.
O garçom veio, ela pediu dois pudins, e ele partiu.
Enquanto esperavam, Harry apoiou as mãos na mesa e inclinou-se um pouco para a frente.
— Você parece ter uma relação emocional com essa sobremesa.
— Eu tenho — Yara riu. — No Brasil, pudim é presente de família. É sobremesa de domingo, de aniversário, de “eu lembrei de você”.
Ela sorriu, mais suave. — É tipo abraço em forma de comida.
Harry deixou o sorriso crescer devagar.
— Então eu fico feliz que você tenha escolhido isso para eu provar.
Yara piscou, surpresa pela observação delicada, mas não desviou o olhar.
Pouco depois, os pudins chegaram dourados, brilhando sob a calda de caramelo como pequenas obras de arte.
Yara quase suspirou.
— Esse tá bonito, hein…
Harry pegou a colher, curioso.
— Você prova primeiro.
— Não, não — ela empurrou o prato na direção dele. — Vai. Quero ver seu veredito.
Harry cortou um pedaço pequeno, levou à boca…
E congelou.
Yara segurou o riso.
— Então?
Ele engoliu devagar, como se estivesse tentando entender a própria reação.
— Isso é… — Harry franzia a testa de um jeito quase sério — absurdamente bom.
— Não falei? — ela comemorou, batendo palminha no ar.
— É cremoso… doce… e a textura é… — ele tentava descrever, mas parecia sem palavras.
— É pudim, Harry — Yara riu. — Pudim não se explica. Pudim se aceita.
Harry devolveu o sorriso.
E, por alguns instantes, eles comeram em silêncio um silêncio confortável, íntimo, cheio de pequenas trocas de olhar e sorrisos escondidos.
Era estranho.
Eles deveriam estar ali discutindo um contrato.
Um acordo profissional, frio, lógico.
Mas, enquanto dividiam colheradas de pudim, isso parecia a coisa menos importante da noite.
Yara limpou os cantos da boca com o guardanapo enquanto Harry chamava o garçom para encerrar a conta, Yara insistiu em pagar mas Harry não deixou. O restaurante estava mais silencioso agora, as luzes quentes destacando o brilho suave das taças vazias. O pudim havia sido devorado mais por Harry do que por ela e ele ainda parecia um pouco deslumbrado com a textura cremosa da sobremesa.
Quando eles se levantaram, o segurança pessoal de Harry já estava discretamente aguardando a poucos metros, mas o inglês nem deu atenção. Ele se virou totalmente para Yara.
— Vou te levar em casa — declarou, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Yara riu de leve, cruzando os braços.
— Não, senhor. Eu pego o metrô, como qualquer ser humano normal.
— Você não é “qualquer ser humano normal” — ele rebateu com aquela sinceridade direta que às vezes a deixava desconcertada. — E Londres não é exatamente segura à noite. Eu insisto.
— Eu recuso. — Ela sorriu, mas o tom era firme. — De verdade, Harry. Eu me viro.
Ele respirou fundo, claramente pouco satisfeito, mas respeitando.
— Muito bem. Mas amanhã… — Ele ajeitou o paletó, voltando a assumir a postura de CEO poderoso. — Vá à minha empresa. Às nove da manhã.
— Na sua empresa? Assim mesmo?
— Sim. — Ele inclinou a cabeça, como quem planeja algo. — Você terá um contrato. Um contrato real. Com cláusulas, condições, deveres, responsabilidades… tudo muito claro. Quero que você leia, decida se aceita.
Yara piscou.
— Um contrato… para ser sua "namorada"… ?
— Para ser minha escolha. — Ele corrigiu, com palavras que soaram mais profundas do que deveriam. — Se vamos conviver, eu quero que esteja tudo delimitado. Profissional. Sem espaço para equívocos.
Ela arqueou a sobrancelha, provocando:
— Harry… você está me contratando ou está fazendo um pacto mágico?
Ele deu um sorrisinho curto, aquele sorrisinho que aparece só quando ele perde o controle por um segundo.
— Amanhã você descobre.
— Tá bom. — Yara começou a se afastar, dando passos para trás. — Eu apareço lá. Mas sem carro preto blindado me perseguindo, por favor.
— Não prometo nada — ele retrucou, mas havia humor em sua voz.
Eles ficaram alguns segundos se olhando, sem saber exatamente como se despedir. Então Harry apenas inclinou a cabeça de maneira elegante um gesto que parecia tão dele quanto o paletó impecável.
Yara acenou de volta.
E enquanto ela se virava e seguia para a estação, ele ficou parado ali, observando até que ela desaparecesse na esquina, com a expressão de quem já estava montando, mentalmente, cada cláusula do contrato.