Pré-visualização gratuita Saindo de SP
Estava chovendo bastante desde a madrugada, e o céu nublado parecia combinar perfeitamente com meu humor. Hoje era o dia em que iríamos embora de São Paulo para sempre. Eu até entendia os motivos. Minha mãe recebeu uma proposta de emprego irrecusável e, segundo ela, essa mudança seria ótima para todos nós. Ela trabalharia como Engenheira de Software Sênior em uma empresa renomada nos Estados Unidos, e como a maioria do trabalho dela é remoto, a transição não seria tão difícil. Já meu pai... bom, ele não estava exatamente feliz com a mudança. Ele sempre foi um cara difícil, impaciente e reclamão. Desde que minha mãe contou sobre a proposta, ele só resmungava sobre como seria um saco recomeçar do zero e que ninguém tinha pensado nele.
"Você pelo menos pensou no que eu quero, Fernanda?", ele dizia quase todos os dias, bufando e rolando os olhos. Minha mãe, sempre paciente, apenas suspirava e continuava arrumando as coisas. "Jonas, é uma oportunidade única, e você pode trabalhar de qualquer lugar. Não vejo o problema."
Mas ele via. Nossa casa virou um campo de batalha durante as últimas semanas, com ele resmungando sobre tudo e minha mãe tentando manter a paz. No fim, ele não teve escolha.
E agora aqui estávamos nós, em um Uber lotado de malas, deixando para trás nosso apartamento, minha escola, meus amigos. Eu olhava pela janela, tentando conter as lágrimas. A verdade é que eu já estava com saudade antes mesmo de partir. Meus amigos — Sara, Melanie e Make — eram como irmãos para mim. Nos conhecemos na terceira série e, desde então, éramos inseparáveis. Mas, por mais que fossem meus amigos, às vezes sentia que no fundo eles não gostavam muito de me ver indo tão bem. Eles sempre falavam com aquele tom que parecia elogio, mas sempre tinha um "mas" no meio.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, e minha mãe percebeu. Ela tocou meu rosto com delicadeza e sorriu de forma reconfortante.
"Querida, vamos voltar no Natal e no Ano Novo. Não vai demorar a passar, eu prometo."
Assenti, forçando um sorriso triste. Meu pai, no banco da frente, suspirou alto e revirou os olhos.
"Podemos ir logo? Já estamos atrasados." Ele falava como se estivesse fazendo um grande favor para todo mundo.
Minha mãe, sem paciência para mais uma discussão, apenas confirmou para o motorista que estávamos prontos.
Coloquei meus fones e abri o grupo dos meus amigos. Uma mensagem de Melanie apareceu.
Melanie: "Nem acredito que você tá indo. E pra um lugar desses, né? Coisa de filme."
Eu suspirei antes de responder. "Eu sei. Se pudesse, eu ficaria. Nem saí daqui e já tô morrendo de saudade."
Sara: "Aham... Vai ser incrível pra você, né? Novo país, nova escola, vida nova. Quem dera a gente tivesse essa sorte."
Mike: "É, só não esquece da gente lá, hein? Tem gente que muda de vida e esquece quem ficou pra trás..."
"Que isso, gente! Claro que não. Vamos continuar falando sempre."
Melanie: "Se der tempo na tua agenda chique, né? Daqui a pouco vai estar cheia de amigos novos."
Sara: "Sim, os americanos vão adorar você, certeza. A gente vai ficar só acompanhando pelas redes sociais."
Make: "Bom, pelo menos alguém aqui vai estar se divertindo. A gente vai continuar nessa escola chata, então não esquece de postar bastante pra gente ver."
"Vocês estão falando como se eu fosse sumir! Eu vou mandar mensagens o tempo todo."
Melanie: "Aham, vamos ver... Boa viagem! Aproveita sua nova vida, hein?"
Bloqueei o celular e suspirei. Eu sabia que meus amigos estavam tentando ser legais, mas algumas coisas que disseram me deixaram desconfortável. Talvez fosse coisa da minha cabeça.
Minha mãe me cutucou. "Filha, chegamos. Vamos."
O aeroporto estava lotado, mas meu pai passou na frente de todo mundo com aquela cara de quem odeia esperar. Minha mãe resolveu a papelada enquanto ele reclamava sobre filas, atrasos e qualquer outra coisa que pudesse resmungar. Quando finalmente embarcamos, nos acomodamos na primeira classe. Eu gostava de viajar de avião por causa das mini camas, e, sinceramente, isso era uma das poucas coisas boas desse dia. Pedi um temaki philadelphia para comer, enquanto minha mãe pediu sopa de carne com legumes. Meu pai, como sempre, reclamou do cardápio.
"É só isso que tem? Nada mais decente?"
Minha mãe ignorou e continuou comendo. Eu apenas revirei os olhos e tirei uma foto do meu temaki para mandar no grupo.
"Pessoal, já estou no avião. Com sono, mas pedi um temaki. Tava uma delícia. Olha só a foto."
Sara: "Nossa, que vida boa! Agora é sushi na primeira classe, hein? Chique demais."
Make: "Nem sei como vocês gostam disso, argh. Mas bom pra você, né?"
Melanie: "Daqui a pouco tá comendo em restaurante estrelado. Quem pode, pode."
"Vocês falam como se eu tivesse ganhando na loteria, mas eu ainda sou a mesma, tá?"
Sara: "Claro, claro. Só não esquece da gente quando estiver no topo."
Make: "É, vê se não some."
"Nunca! Quando eu chegar, mando mensagem. Beijo, seus chatos!"
Bloqueei o celular e coloquei algo para assistir até pegar no sono.
Fui acordada pela minha mãe algumas horas depois.
"Vamos, querida. Chegamos. Pega seu cachecol."
Eu estava grogue de sono e o clima gelado só me dava mais vontade de dormir. Descemos do avião, e meu pai já estava impaciente, reclamando do tempo frio e do tanto que teria que carregar as malas. Como se ele fosse carregar alguma coisa além do próprio celular no bolso.
Meu pai foi buscar as malas enquanto minha mãe pedia um táxi. Ainda não tínhamos uma casa definitiva, então ficaríamos em um hotel até resolvermos isso. Eu só esperava que ela conseguisse um lugar perto da escola, porque nada melhor do que uma caminhada matinal para começar bem o dia.
Se é que essa nova fase da minha vida poderia começar bem.