Capítulo 4

1655 Palavras
Scarlett Não consigo tirar Dylan Torello da cabeça. Aqui estou eu arrumando o escritório de Patrick, mas pensando em outro homem. O rosto de Dylan, sua voz, seu toque... tudo isso me assombra. Pensei ter enterrado esses sentimentos, trancado-os onde nunca mais pudessem me machucar. Mas vê-lo hoje abriu aquela porta de par em par, e as memórias voltaram correndo. Me sobrecarregando. Ele era o mesmo, mas diferente. Maior. Não mais alto, mas com ombros mais largos. Usava um terno caro que precisava ser feito sob medida para que se ajustasse como uma luva. Seu rosto de menino agora era o de um homem. Mas seus olhos... aqueles olhos escuros que sempre foram tão gentis, às vezes travessos. Eram os mesmos. Sua voz estava um pouco mais grave, mas meu nome em seus lábios ainda parecia uma carícia. Odeio ainda ser tão afetada por ele. Depois de todos esses anos, eu já deveria ter superado isso. Eu deveria conseguir olhar para ele sem sentir aquela dor de sempre. No mínimo, tudo o que eu deveria sentir é raiva e traição. Mas no momento em que o vi hoje, foi como ser transportada de volta no tempo. Lembro-me do jeito como ele me olhava, como se eu fosse a única garota no mundo. O jeito como seus dedos deslizavam pela minha pele, incendiando-a. O jeito como seus lábios se curvavam naquele sorriso devastador que sempre me fazia fraquejar. Consigo ouvir sua voz sussurrando palavras doces em meu ouvido, prometendo-me um futuro juntos. Um futuro que me foi arrancado da forma mais c***l. Mesmo agora, não consigo deixar de me perguntar o que teria acontecido se a família dele não tivesse intervindo. Se não tivessem pago meus pais para me levarem e deixarem a cidade. Teríamos conseguido? Teríamos conseguido construir uma vida juntos, apesar das adversidades? Mas então me lembro que ele devia saber. Caso contrário, teria tentado impedir. Ou teria me encontrado. Mas não o fez. Fecho os olhos com força, tentando afastar esses pensamentos. Não importa agora. O que está feito, está feito. Tenho uma filha para criar, um marido para cuidar. Não posso me dar ao luxo de me perder no passado. Um passado cheio de pensamentos bobos, de colegial, sobre amores de contos de fadas. Estou tão perdida em memórias que esqueci as horas. Estou atrasada para começar a preparar o jantar. Saio correndo do escritório de Patrick e corro para colocar o jantar na mesa, com o coração disparado ao ouvir a porta da frente bater. Patrick está em casa, tendo buscado Daniella no seu programa de artes depois da escola. A pressão aumenta enquanto corro para servir a comida, sabendo que Patrick espera que tudo esteja pronto no momento em que entra por aquela porta. Já consigo ouvir a frustração em sua voz enquanto ele grita: — Scarlett! Cadê o jantar? — Estará logo ai — respondo, tentando disfarçar o tremor na voz. Ele entra na cozinha, com Daniella o seguindo carregando um grande pedaço de papel. Tenho certeza de que ela quer compartilhar sua arte do dia, mas Patrick também a treinou. Ela vive com medo e não posso fazer nada para impedi-la. Patrick franze a testa, os lábios contraídos numa linha fina e raivosa. — Já passa das seis horas. Por que o jantar não está pronto? — Desculpe, eu já estava terminando — gaguejo, evitando encará-lo. Sirvo os pratos, pronta para levar o jantar para a sala de jantar, onde ele gosta de comer. — Isso não é bom o suficiente — ele retruca, sua mão se esticando e derrubando os pratos das minhas mãos no chão. A Porcelana se estilhaça, a comida se espalhando pela madeira. Daniella dá um pulo, com os olhos arregalados de medo, e eu instintivamente me movo para protegê-la, com o coração disparado. — Patrick, por favor — imploro, mas ele já está vindo em minha direção, com o rosto contorcido de raiva. Empurro Daniella gentilmente para longe, afastando-a de Patrick. — Você é inútil, sabia? — ele rosna, elevando-se sobre mim como uma sombra ameaçadora. — Eu não consegui... — começo a falar, com a voz falha. — Nem um jantar simples você consegue preparar na hora certa. Para que você serve? Me encolho, os dedos tremendo enquanto tento manter alguma firmeza. — Me desculpe, eu estava — Chega — ele me interrompe, cuspindo as palavras com desprezo. — Estou farto das suas desculpas. Você não passa de um fardo, Scarlett. Uma esposa patética, inútil e feia. Suas palavras são como estilhaços. Eu me curvo diante de sua fúria, tentando me tornar pequena. Atrás de mim, Daniella está encostada na parede, os olhos apertados, o corpinho rígido. Ver o medo no rosto dela me destrói mais do que qualquer insulto que ele me jogue. — Pelo menos me diga que conseguiu desempacotar minha sala de trabalho! — ele grita. Engulo em seco, forçando-me a encará-lo. — S-sim, já está tudo pronto. Os olhos dele se estreitam, os lábios curvando-se em um sorriso c***l. — Leve meu jantar até lá. Depois limpe essa bagunça — resmunga enquanto se vira, pegando uma garrafa de uísque ao passar pela porta. — E não me incomode mais essa noite. A porta se fecha com força atrás dele, o som ecoando pela casa silenciosa. Sinto o peso daquele som como um aviso — ou uma sentença. Daniella olha para mim, seus olhos grandes marejados, brilhando com lágrimas que ainda não caíram. Meu coração se parte. Caminho até ela e a abraço com força, tentando proteger o pouco que posso. — Shhh, está tudo bem, querida — murmuro, beijando o topo de sua cabeça. — Vai ficar tudo bem. Mas como ela pode acreditar em mim se nem eu acredito? Achei que voltar para Chicago seria um recomeço. Uma nova chance de construir uma vida melhor para Daniella. Patrick estava sob pressão demais na Inglaterra. A transferência veio com um aumento, um novo ambiente, horários mais humanos. Tudo que deveria deixá-lo... mais leve. Mais suportável. Mas o reaparecimento de Dylan — e a crescente fúria de Patrick — me fazem pensar que talvez o pior ainda esteja por vir. E nesse colapso, eu arrasto junto a inocência de Daniella . Com cuidado, me desvencilho dos braços dela. Preparo o prato de Patrick com mãos trêmulas. — Espere aqui, tá bom? — digo suavemente. Sei que preciso levar a comida para ele, mas a simples ideia de encará-lo de novo me dá ânsia. Mesmo assim, sigo. Paro diante da porta de seu escritório. Bato. — O quê?! — vem a resposta áspera, já impaciente. — Tenho seu jantar — digo alto o bastante para ser ouvida, detestando o tremor na minha voz. Há um momento de silêncio. Depois, a porta se abre. Patrick está ali, copo de uísque em uma mão, a expressão ilegível. — Deixe na mesa — diz, afastando-se para me deixar passar. Faço o que ele manda, colocando o prato na mesa com rapidez e recuando. — Scarlett — ele me chama antes que eu possa sair. Congelo. O coração dispara. — Sim? — sussurro. — Não me incomode mais essa noite — diz ele, com aquela voz baixa que sempre precede alguma crueldade. — Entendeu? Aceno com a cabeça, sem ousar falar. Saio da sala, sentindo um alívio doentio ao saber que ele pretende passar a noite ali dentro. Provavelmente assistindo pornografia. Tomara que se satisfaça sozinho. O sexo com Patrick sempre foi... uma obrigação. Ele nunca se importou com o que eu sentia. Nunca como Dylan. Meu Deus. Não posso pensar nele agora. Não na frente de Patrick. Corro de volta à cozinha, fechando a porta atrás de mim com um suspiro trêmulo. Encontro Daniella ajoelhada, tentando limpar os cacos do chão com um paninho. — Eu cuido disso, querida. Senta, vou preparar seu jantar. Como foi a aula de artes hoje? Deus me castigue por fingir que tudo está normal. Preparo o prato dela, coloco na mesa. — Fizemos flores — ela diz baixinho. Observo o desenho sobre a mesa. Um punhado de flores coloridas com traços infantis. — Está lindo. Posso ficar com ele? Ela assente, os movimentos lentos, cautelosos. Pega o garfo, tenta comer. Suas mãos pequenas tremem. Uma parte de mim grita para fugir agora. Levar Daniella. Ir para qualquer lugar. Mas para onde? Dylan. Ele poderia nos proteger, certo? Ele tem poder, conexões, uma alma mais sombria, mas... sempre pareceu me enxergar. Mas não. Eu não posso ir até ele. Não posso colocar Daniella em mais perigo. — Por que ele está sempre tão bravo? — a voz de Daniella me arranca dos pensamentos. Meu coração se parte. — Acho que o trabalho está difícil — minto, m*l sustentando as palavras. — Mas isso não tem nada a ver com você. Não é sua culpa, tá bem? Daniella me encara, os olhos escuros marejados. — Mas ele é tão mau... — Eu sinto muito — sussurro, puxando-a para perto, beijando sua cabeça. — Eu sinto tanto... Ela volta a comer. Eu termino de limpar. Observo cada movimento dela. Cada tremor. Cada olhar desconfiado. Essa não é a vida que imaginei. Esse medo. Essa constante tensão. Lembro da última vez em que tentei fugir. Dos gritos. Das ameaças. Dos hematomas escondidos sob as roupas. Daquela noite em que Patrick, com olhos enlouquecidos, sussurrou que mataria Daniella se tentássemos escapar novamente. A lembrança ainda me prende. Fecho os olhos e tremo. O medo aperta meu peito como um laço invisível. Não posso arriscar. Não com Daniella. Por mais que isso me mate por dentro, por mais que tudo em mim grite, eu sei... Tenho que aguentar. Por ela. Mas cada dia é mais difícil. Mais sufocante. Sinto que estou desaparecendo. Me tornando um fantasma que sorri para uma criança e obedece a um monstro. Não tenho dinheiro. não tenho emprego. Ninguém, sou incapaz de me libertar. E ninguém pode me salvar.
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