Melinda Narrando
O relógio marcava sete e quarenta e cinco quando eu comecei a andar em círculos dentro da minha quitinete, como se estivesse tentando gastar a ansiedade pelo método da caminhada indoor.
Eu já tinha tomado banho, Já tinha escolhido a roupa.
Já tinha desistido da roupa. Já tinha escolhido outra.
No fim, fiquei com algo simples: um pijama bonito, confortável e minimamente digno de ser visto por um CEO bilionário que, tecnicamente, ia dormir no sofá.
Quando o celular vibrou, quase deixei ele cair.
— Cheguei.
Respirei fundo. Ajustei os óculos, que, como sempre, foram parar na ponta do nariz — peguei minha bolsa e desci.
Elijah estava encostado no carro, aquele conversível elegante demais pra rua simples onde eu moro. Ele parecia fora de lugar. Ou talvez fosse o mundo que nunca tivesse sido grande o suficiente pra ele.
— Boa noite, Melinda.
— Boa noite. — respondi, tentando parecer normal e não alguém que está indo dormir no apartamento de um homem com quem tem um contrato de casamento falso.
Ele abriu a porta pra mim. Cavalheiro. Sempre.
O caminho foi tranquilo. Uma música suave tocava no rádio, e o silêncio não era desconfortável. Era aquele silêncio gostoso, cheio de pensamentos leves.
— Está nervosa? — ele perguntou, olhando rápido pra mim.
— Um pouco. Mas é um nervoso bom. Tipo quando a gente vai viajar sem saber direito o que vai encontrar.
— Se preferir desistir.
— Nem pense nisso. — interrompi. — Já aceitei gerar fofoca. Agora eu honro meu compromisso.
Ele sorriu. De novo aquele sorriso curto, mas verdadeiro.
O apartamento dele é enorme. Minimalista. Tudo organizado demais. Cheiro de lugar caro. E silencioso. Muito silencioso.
— Uau — murmurei. — Aqui parece cenário de filme.
— Filme sem trilha sonora, ele brincou. — Sinta-se em casa.
Ele apontou para o quarto.
— Você fica com a cama. Eu me viro no sofá.
— Você não precisa.
— Preciso sim, ele respondeu firme, mas com gentileza. — Eu prometi respeito, lembra?
Meu coração deu aquele pulinho bobo que eu finjo não sentir.
— Vou tomar um banho, falei. — Posso?
— Claro. Fique à vontade.
No banheiro, sentei na borda da banheira por alguns segundos só pra respirar. Meu Deus, Melinda, pensei. Você saiu de um convento e agora está no apartamento de um CEO fingindo que vai casar com ele.
A vida é realmente surpreendente.
Quando saí, de pijama, cabelo solto e cara limpa, encontrei Elijah na cozinha tentando abrir uma garrafa de água como se fosse um desafio existencial.
— Quer ajuda? — perguntei.
— Aceito. Essa garrafa claramente me odeia.
Peguei, girei e abriu.
— Talento oculto. — falei, orgulhosa.
— Vou anotar isso no contrato. — ele respondeu.
Rimos.
Sentamos no sofá, um em cada ponta, como dois adolescentes tímidos. A televisão estava ligada, passando um filme qualquer, mas nenhum dos dois estava realmente assistindo.
— Melinda, obrigada.
— Pelo quê?
— Por confiar em mim.
Olhei pra ele. Pela primeira vez desde que nos conhecemos, Elijah parecia vulnerável. Não o diretor financeiro. Não o herdeiro. Só um homem.
— Eu confio porque você nunca me fez sentir pequena, respondi. — E isso vale mais do que dinheiro.
Ele ficou em silêncio por um instante.
— Você é diferente, ele disse baixo.
— Eu sei, sorri. — Sou edição limitada.
Ele riu. Um riso de verdade. Daqueles que iluminam o ambiente.
— Quer comer alguma coisa? — ele perguntou. — Tenho pizza congelada e frutas extremamente organizadas.
— Pizza, respondi sem pensar. — Sempre pizza.
Comemos sentados no tapete da sala, rindo de coisas bobas. Ele contou histórias da faculdade. Eu contei do convento, das travessuras, de como a irmã Carmem me colocava pra rezar em dobro quando eu aprontava.
— Você sente falta? — ele perguntou.
— Sinto. Mas sei que ela ficaria feliz em me ver aqui, vivendo.
Quando o sono começou a bater, bocejei sem vergonha.
— O quarto é seu, ele disse, levantando. — Se precisar de qualquer coisa, estou por aqui.
— Boa noite, Elijah.
— Boa noite, Melinda.
Fechei a porta e me joguei na cama enorme, encarando o teto.
Eu estava segura. Tranquila. Estranhamente feliz.
E, pela primeira vez em muito tempo, adormeci acreditando que talvez, o Natal realmente tivesse magia.
Acordei devagar, daquele jeito gostoso, quando o corpo ainda não decidiu se quer continuar dormindo ou encarar o dia. A luz da manhã entrava tímida pela fresta da cortina, deixando tudo com cara de domingo, mesmo não sendo.
Virei o rosto no travesseiro enorme , confortável demais, inclusive. e sorri sozinha.
Eu realmente dormi no apartamento do Elijah.
Sentei na cama, ainda meio zonza, e foi então que reparei no sofá do quarto. Lá estava ele, ou melhor, o vestígio dele. Um travesseiro bem posicionado, uma coberta dobrada com cuidado, como se tivesse sido colocada ali com respeito. Nada bagunçado. Nada jogado.
Ele realmente dormiu ali.
Meu coração fez aquele movimento bobo que eu conheço bem. O de quem não pediu nada, mas recebeu cuidado mesmo assim.
Levantei devagar e fui até o sofá, passando os dedos pela coberta. Ainda estava levemente quente. Um detalhe simples, mas que dizia muito.
Segui para a cozinha guiada por um cheirinho maravilhoso. Café. Café passado na hora.
Elijah estava de costas, usando uma camisa simples, mangas dobradas, concentrado em arrumar duas xícaras sobre a bancada. A cena parecia saída de um filme. Um filme que eu assistiria repetidas vezes, se fosse sincera.
— Bom dia, falei, baixinho.
Ele se virou, um pouco surpreso, mas logo sorriu.
— Bom dia. Dormiu bem?
— Muito. A cama é perigosa. Dá vontade de nunca mais sair.
— Fico feliz, ele respondeu. — Achei melhor você acordar com café.
— Você achou certo.
Ele me entregou a xícara. Nossos dedos se encostaram de leve, rápido demais pra ser algo, mas suficiente pra ser sentido.
— Obrigada por. — fiz um gesto vago com a mão — respeitar tudo.
Ele sustentou meu olhar por um segundo a mais.
— Isso nunca foi um sacrifício, Melinda.
Tomamos café em silêncio, mas não era um silêncio estranho. Era confortável. Quase íntïmo.
— Sabe, falei, mexendo a colher, — se isso fosse um filme, agora entraria uma música fofa.
— Prefiro ópera. — ele respondeu.
E isso me deixou sorrindo o resto do dia inteiro.