Melinda Narrando
Tem dias que começam normais, e tem dias que começam com o celular vibrando às oito da manhã com o nome Elijah brilhando na tela.
E, olha, eu não vou mentir: meu coração deu uma mini cambalhota.
A mensagem era simples:
— Melinda, posso te convidar para almoçar hoje?
Levantei na hora, como se alguém tivesse apertado um botão secreto de energia que eu nem sabia que possuía. Até derrubei meus óculos, que estavam, obviamente, na ponta do nariz, lugar onde eles sempre decidem viver.
Eu respondi tentando parecer adulta, centrada, profissional.
Ou seja: completamente diferente do meu estado real.
— Claro! Qual horário?
Ele mandou a localização do restaurante. Chique. Bonito. Aquelas coisas que só vejo em revista quando estou pesquisando vestidos.
O resto da manhã foi relativamente normal, se ignorarmos o fato de que eu passei metade do tempo pensando no almoço e a outra metade imaginando Elijah assinando papéis milionários, enquanto eu tentava alinhavar uma barra sem costurar meu próprio dedo.
Quando deu 12h, eu já estava prontinha, mesmo que o almoço fosse às 12h30. Minha maior qualidade é a pontualidade. E minha maior ansiedade também.
Ele já estava lá quando cheguei, sentado elegantemente, todo sério e compenetrado, como sempre parece estar quando está pensando em alguma coisa importante.
Mas, logo que me viu, o sério deu uma quebradinha. Um sorrisinho pequeno, daqueles que não mostram dente, mas aquecem tudo por dentro.
Sentei. Ele ajeitou a postura, respirou fundo e tirou uma pasta da cadeira ao lado.
— Melinda, eu trouxe o contrato.
Aquela palavra me fez engolir o ar. Eu achei que ele ia me mostrar só depois da sobremesa. Ou depois de um casamento real, talvez.
Ele colocou o documento sobre a mesa com todo cuidado do mundo, como se fosse um bebê recém-nascido. Eu olhei para as páginas cheias de letras pequenas, números grandes e termos que eu nunca ouvi nem as freiras do convento falarem.
— Posso ler? — perguntei, porque vai que era só pra decoração.
— Claro. Tome seu tempo. Se tiver alguma dúvida, pode me perguntar.
Peguei a primeira página. Depois a segunda. Depois voltei pra primeira porque achei que minha vista estava me enganando.
Sim.
Estava tudo ali.
Regras de convivência.
Duração do casamento.
Cláusulas de proteção do patrimônio dele.
E o que ele faria por mim.
Inclusive a parte do atelier.
Meu coração deu outra cambalhota.
— Elijah, isso tudo é real?
— Totalmente real. Eu quero que seja justo.
— Tem certeza que não quer minha alma também? Posso doar, se precisar.
Ele riu. Meu Deus. Um riso curtinho. Raríssimo. Parecia até que eu ganhei um prêmio.
Continuei lendo e respirando fundo entre cada página, porque era muita informação pra minha cabeça de costureira que cresceu no convento. Eu só costuro vestidos, gente. Eu não costuro contratos.
— Tenho algumas dúvidas, falei depois de respirar fundo. — Aqui diz que vamos morar juntos. Mas… juntos como juntos? Juntos tipo casal? Ou juntos tipo colegas de quarto que dividem geladeira e brigam por causa de margarina?
Ele entrelaçou as mãos, como se fosse me dar uma notícia super importante.
— Juntos como parceiros. Mas você terá seu espaço. E, Melinda, eu nunca ultrapassaria um limite seu.
Fiz um “hum” pensativo, tentando parecer madura, mas por dentro só conseguia pensar: ele fala bonito, viu?
Terminei a última página.
— Então, você quer que eu assine hoje?
— Não. Quero que você esteja segura. Leia em casa, se preferir. Podemos conversar sobre tudo com calma.
Eu suspirei. Ele realmente é diferente. Não tem aquele ar de homem que acha que o mundo gira ao redor dele. Ele é consciente. Educado. Um pouco sério demais, mas até isso é fofo.
— Certo, respondi. — Eu vou reler mais tarde.
A comida chegou, mas eu m*l senti o gosto. Era tudo sofisticadíssimo, mas eu só conseguia pensar nas palavras atelier próprio, brilhando como luzinhas de Natal.
Foi quando ele limpou os lábios com o guardanapo, olhou pra mim com um cuidado estranho e disse:
— Melinda, tem outra coisa.
Minha alma saiu do corpo por três segundos.
— O quê?
Ele respirou fundo. Muito fundo. Tipo vou falar algo que pode mudar o rumo da humanidade.
— Quero te convidar para dormir no meu apartamento hoje.
Eu arregalei os olhos.
— Oi? Dormir? EU? LÁ?
Ele levantou as mãos, imediatamente, como se eu estivesse prestes a atacá-lo com uma tesoura de costura.
— Não é o que parece. Não se preocupe. Você pode dormir na cama. Eu durmo no sofá do quarto. É só para gerar rumores. A imprensa acompanha tudo agora que o prazo da herança está perto. Precisamos parecer próximos.
— Ah.
Socialmente próximos, Romanticamente distantes.
Tecnicamente um casal em planejamento.
Tranquilo. Fácil. Normal. Claro que sim.
— Você quer que eu vá pra sua casa, pra gente gerar fofoca?
— Exatamente.
Eu dei risada. Não consegui evitar. Foi engraçado demais.
— Elijah, você tem noção do quanto isso parece cena de comédia romântica m*l escrita?
Ele sorriu. Um sorrisinho curto e sincero, o tipo que deve valer mais do que o contrato todo.
— Tenho. Mas vai funcionar. Confia em mim.
— Eu confio. — falei, e percebi que confio mesmo.
Ali, por algum motivo, eu não senti medo. Talvez porque Elijah nunca me olhou como o amante nojento da Madame Maison olhava. Talvez porque ele sempre fala comigo com calma. Ou porque durante um mês inteiro ele dividiu cafés e conversas como se eu fosse alguém importante.
Ou talvez porque meu coração é naturalmente bobo e acredita em contos de fadas.
Essa parte provavelmente é a mais verdadeira.
— Então? Aceita dormir lá hoje?
— Aceito. — respondi, tentando parecer corajosa, mas por dentro eu estava gritando.
Ele assentiu, sério, mas com o olhar leve.
— Te busco às oito.
— Combinado.
Terminamos o almoço assim: eu sorrindo igual uma boba apaixonada, ele parecendo um CEO misterioso que tomou a decisão certa.
Quando saí do restaurante, percebi que estava segurando o contrato como quem segura um sonho.
E eu pensei: Meu Deus, eu realmente vou dormir no apartamento do Elijah.
Aí eu ri sozinha na calçada.
Porque a vida, às vezes, parece mesmo escrita por alguém que ama comédias românticas. E eu adoro isso.