Elijah

1059 Palavras
Elijah Narrando Tem gente que fala sobre sentir o coração bater mais rápido, mas eu nunca levei isso a sério. Na minha vida, tudo sempre foi racional, lógico, calculado. Sentimentos eram acessórios descartáveis. Só que, quando Melinda estendeu a mão pra mim naquela mesa, dizendo que aceitava, meu coração não só acelerou. Ele deu um salto. Um salto tão forte que eu precisei prender a respiração por um segundo para não deixar transparecer. Mas eu não demonstrei. Claro que não. Eu apenas apertei a mão dela com firmeza, mantendo o rosto impassível, como se tivesse acabado de fechar mais um contrato qualquer. Só que não era. Nem de longe era. Por dentro, eu estava sorrindo. Por fora, apenas incline a cabeça e disse: — Fico feliz que tenhamos chegado a um acordo. E consegui segurar o sorriso i****a que ameaçava aparecer. Quase falhei. Soltei a mão dela devagar, porque se soltasse rápido demais ia parecer nervosismo, e se segurasse mais tempo ia parecer outra coisa. Coisa que eu não podia sentir. Não agora. O garçom se aproximou e eu ergui a mão, chamando-o. — Traga duas taças de espumante, por favor. Melinda abriu um pequeno sorriso, aquele sorriso leve e meio tímido que ela dá quando está sem saber como reagir, e que sempre me faz... não sei. Ficar mais leve também. — É pra brindar o quê? — ela perguntou, apoiando o queixo na mão, curiosa como sempre. — Um acordo bem-sucedido — respondi, simples, sem rodeios. — E o início de uma nova fase. Ela riu baixinho. — Elijah, isso parece discurso de reunião empresarial. — É o que eu sei fazer — confessei, dando de ombros. — Eu percebi — ela respondeu, com aquele humor doce que só ela tem. As taças chegaram. Peguei uma e entreguei a outra a ela. — Então — falei — um brinde a? — Ao destino — ela completou antes de mim, sorrindo com os olhos. Balancei a cabeça, quase sorrindo também. — Ao destino — repeti, tocando minha taça na dela. O som do cristal ecoou como um pequeno sinal de que algo tinha oficialmente começado. Algo sério. Algo grande. E, se eu fosse alguém que acredita em romantismo, talvez eu teria interpretado como um sinal do universo. Mas eu não sou esse tipo de pessoa. Eu apenas bebi. Depois do jantar, fiz questão de pagar a conta, óbvio, e levantei, oferecendo minha mão para ajudá-la a se levantar. Ela hesitou por um segundo, olhando minha mão como se fosse algo precioso demais, ou frágil demais, e depois segurou. De novo, minha pulsação acelerou. De novo, eu ignorei. Saímos do restaurante e o vento frio da noite fez o cabelo ruivo dela balançar. Aquele tom sempre me chamou atenção desde o primeiro dia que a vi na cafeteria. Era impossível não notar. — Você está bem? — perguntei, destravando o carro conversível. — Estou nervosa — ela admitiu, mordendo o lábio. — Mas bem. — Não há razão para nervosismo. — Abria a porta pra ela. — Eu vou cumprir cada palavra que disse. — Eu sei — ela respondeu, se sentando no banco. — Por isso eu aceitei. Fechei a porta e caminhei até o meu lado, ligando o carro. Seguimos pelas ruas iluminadas, cada semáforo refletindo no rosto dela. Melinda observava a cidade com aquele olhar sonhador que ela sempre tem. Nunca conheci alguém tão leve. — Pode me deixar na esquina — ela disse quando estávamos próximos ao prédio onde mora. — Não quero que os vizinhos achem que eu vendi a alma pra um milionário misterioso. Arqueei a sobrancelha. — Eu sou misterioso? — Bastante. — Ela riu. — Mas no bom sentido. — Te deixo na porta — respondi apenas, ignorando completamente o pedido dela. — Elijah… — ela reclamou, mas riu em seguida. — Tudo bem. Parei na frente do prédio. Ela tirou o cinto devagar. — Obrigada pelo jantar. E por confiar em mim. — Obrigado você — respondi — por aceitar. Ela respirou fundo, segurou a alça da bolsa e abriu a porta. — Boa noite, Elijah. — Boa noite, Melinda. Ela saiu, acenou com a mão, entrou no prédio, e eu só dei partida quando a porta fechou atrás dela. No segundo em que virei a rua, deixei escapar o sorriso que estava segurando desde o restaurante. Um sorriso curto, discreto, mas genuíno. Tão raro que eu mesmo estranhei sentir. Ela aceitou. E eu tinha escolhido a pessoa certa. Disso eu tinha certeza. No dia seguinte eu acordei antes do despertador tocar, algo que não acontecia há anos. Tomei banho rápido, vesti um terno escuro e fui direto para o escritório, ignorando até a primeira xícara de café e isso, para mim, era quase histórico. Meu assistente, Owen, arregalou os olhos quando me viu entrar tão cedo. — Senhor Montgomery? São sete e vinte da manhã. — Bom dia. — Passei por ele. — Quero que agende uma reunião com o meu advogado ainda hoje. — Hoje? — ele piscou, confuso. — Qual… qual assunto devo informar? — Nenhum, só faça o que mandei— respondi simplesmente, entrando na minha sala. — Nenhum? Suspirei. — Sim, Owen. Não repita feito um papagaio. Apenas agende. Fechei a porta atrás de mim antes que ele tivesse um colapso. Sentei na mesa, liguei o computador e comecei a esboçar o que queria no contrato. Cláusula de confidencialidade. Proteção de patrimônio. Manutenção das aparências em eventos sociais. Respeito mútuo. Termo de encerramento após dois anos. Garantias da faculdade, do ateliê, do investimento inicial. E, por último: liberdade pessoal. Melinda precisa disso. É o mínimo que eu posso dar. Enquanto escrevia, percebi algo: eu estou animado. Sim, animado. Faz anos que eu não sentia essa energia de novo projeto. E, estranhamente, esse projeto é o mais pessoal que eu já toquei na vida. Quando finalizei o esboço, mandei para o advogado com a instrução de agilizar tudo. Depois recostei na cadeira, olhando a tela apagada. Tenho quatro meses para transformar esse acordo em algo funcional. Para manter a empresa. Para honrar o legado da minha avó. Para conduzir Melinda em algo que vai mudar a vida dela tanto quanto a minha. Melinda Torres é exatamente a escolha certa. E, mesmo que eu jamais admita isso em voz alta, uma parte de mim está realmente feliz.
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