05 - Melinda

1141 Palavras
Melinda Narrando Eu sempre disse que minha vida era normal demais pra ter plot twist. Acordava, pegava meu chocolate quente com chantilly, costurava vestidos, levava bronca da dona da boutique, voltava pra casa e dormia. Simples. Tranquilo. Zero adrenalina. Até o Elijah. E até a manhã em que ele me disse que precisava se casar. Comigo. Juro que por uns dez segundos eu considerei a possibilidade de alguém ter colocado algo estranho no meu chocolate quente. Mas não. Era real. Tão real quanto aqueles olhos castanhos dele me encarando, sério, firme, decidido, e totalmente bonito demais pra eu lidar às oito da manhã. Depois que ele explicou tudo, testamento, empresa, cinco meses, herança, eu fiquei ali parada, com a xícara nas mãos, sentindo meu cérebro fritar igual ovo na chapa. Eu consegui responder? Claro que não. Consegui respirar? Duvidoso. Nos despedimos e eu fui trabalhar como se estivesse andando numa nuvem de confusão com glitter. Cheguei no ateliê tropeçando no próprio ar. A Madame me chamou umas três vezes até eu finalmente ouvir. — Melinda, por que você está sorrindo feito uma boba? — Eu? Sorrindo? — Toquei meu rosto. — Não tô, não. — Está sim. — Ela cruzou os braços. — E isso só acontece quando a pessoa está apaixonada ou quando você está costurando tule. — Eu não estou apaixonada — falei rápido. Rápido demais. — É outra coisa. Outra coisa. Tipo um homem lindo pedindo pra se casar comigo. Mas detalhes, né? Tentei focar no vestido da noiva que eu precisava terminar naquela manhã. Era um modelo clássico, cheio de renda, e a noiva em si era tão ansiosa que já tinha ligado três vezes antes do almoço. Mesmo assim, minhas mãos tremiam mais do que linha passando por agulha. Terminei o vestido, ajeitei os últimos detalhes e entreguei à noiva. Ela chorou. Muito. Me abraçou. Muito. E eu quase chorei também, mas não por causa do vestido. Era pelo Elijah e por aquela proposta maluca. Na hora do almoço, sentei com meu sanduíche, mas só consegui dar três mordidas. Minha barriga estava cheia de borboletas? Medo? Os dois? Passei a tarde costurando como se fosse uma máquina. As meninas do ateliê me perguntaram se eu tinha tomado energético ou se estava fugindo de alguém. Respondi que só estava ativa. Muito ativa. Mas, no fundo, a verdade era outra: eu só pensava nele. Meu amigo de cafeteria. O cara sério que ficava leve comigo. O homem que me dava bom dia todo santo dia com aquele sorrisinho tímido, como se estivesse descobrindo o mundo pela primeira vez. Um mês. Só um mês. Mas eu gosto dele. Muito mais do que deveria. E então, já à noite, quando eu cheguei em casa, sentei na cama e olhei pro teto, eu falei: — Eu vou ligar. E liguei. Ele atendeu no segundo toque, como se estivesse esperando. — Melinda? — a voz dele era baixa, suave. Ai, Deus. — Oi… Elijah. Eu… pensei. Bastante. O dia inteiro. — Imagino — ele riu um pouco. — Quer conversar? — Quero. — Podemos nos encontrar. Hoje. Se você quiser. — Quero — repeti, e senti as mãos suarem. — Onde? — Jantar? — ele sugeriu. — Eu passo para te pegar às oito. Eu quase engasguei com o ar. — Às oito tá ótimo. — Passei a mão na nuca. — Te mando a localização. Desliguei e fiquei encarando o celular como se ele fosse explodir. Depois pulei da cama e fui direto para o banheiro. Era oficial: eu ia jantar com Elijah depois de receber uma proposta de casamento do próprio. Uma pessoa normal ficaria calma? Talvez. Eu? Zero. Tomei banho, passei maquiagem leve, nada exagerado, só pra parecer acordada e não um zumbi, vesti meu melhor vestido soltinho, médio, azul clarinho, e deixei meu cabelo ruivo solto. Quando ouvi a buzina, meu coração quase saiu pela boca. Abri a porta, e lá estava ele. Num carro conversível preto. Como se tivesse saído de um filme. — Uau — ele disse, me olhando de cima a baixo. — Você está linda, Mel. Juro que corei inteira. — Você também está bonito. Bastante — falei, tentando parecer natural e quase tropeçando no degrau. Ele me ajudou a entrar e seguimos para um restaurante chique, lindo, todo iluminado com luzes amarelas e flores suspensas. Sério, eu nunca tinha pisado num lugar assim. Pediu massa, ele pediu um prato que eu nem sabia pronunciar. Conversamos. Rimos. Ele me olhava como se estivesse realmente feliz por eu estar ali. Depois do jantar, quando o garçom retirou os pratos, Elijah respirou fundo e me encarou. — Melinda, qual é a sua decisão? Meu estômago apertou. — Elijah, é muita coisa. A gente se conhece há só um mês. — Eu sei — ele disse, sério e ao mesmo tempo gentil. — E por isso quero deixar claro que você será recompensada se aceitar. — Recompensada? — arqueei a sobrancelha. — Que tipo de recompensa estamos falando? Porque se for cupom de café, eu aceito. Ele riu. Aquele riso raro dele, que eu adorava ver. — Qual é o seu maior sonho, Melinda? Aquilo me pegou em cheio. Olhei para minhas mãos, pensando nas tantas vezes que eu imaginei algo impossível. — Eu quero estudar moda. Criar minha própria coleção. Ter meu próprio ateliê um dia. Ele assentiu, como se já soubesse. — Eu posso realizar isso. Posso pagar sua faculdade. E posso te dar um ateliê. Completo. Equipado. Do jeitinho que você quiser. Eu fiquei muda. Completamente muda. — Tudo isso, só basta você aceitar casar comigo — ele completou calmamente. — E ficar comigo por pelo menos dois anos. Você pode colocar as regras que quiser. — Regras? — fiz uma careta. — Elijah, eu não sou muito fã de regras. Eu prefiro combinações de boa convivência. Ele riu outra vez. — Então diga quais são as suas condições. Respirei fundo. — Eu só quero que você cumpra sua palavra. E que me respeite. Respeite meu espaço. Minhas coisas. Minha vida. Elijah assentiu imediatamente. — Isso não é difícil. E você terá liberdade. Total. Eu relaxei um pouco. Só um pouco. Ele então recostou na cadeira, me observando com um olhar que eu não consegui decifrar. — Vou falar com meu advogado. Vamos fazer um contrato para garantir tudo. E… — ele suspirou — teremos que nos casar antes do Natal. Eu arregalei os olhos. — Antes do Natal? Elijah, isso é daqui a pouco. — Eu sei — ele respondeu, calmo. — Mas eu prometo que vou te ajudar em tudo. Fiquei um segundo olhando para ele. Depois estendi minha mão. — Então, está combinado. Ele pegou minha mão, firme, quente, segura. E naquele instante eu senti. Minha vida acabava de virar de cabeça pra baixo. E eu, i****a que sou, ainda sorri.
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